Lúcio Lambranho
A situação dos 174 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em carvoeira no oeste da Bahia se agravou desde o último domingo (7). A comida servida aos carvoeiros, que aguardam desde o último dia 27 de maio o pagamento de seus salários e indenizações, acabou no almoço de ontem (8). Para manter os trabalhadores na Fazenda Jaborandi II, os auditores do grupo móvel de combate ao trabalho escravo resolveram pedir autorização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para comprar alimentos e repassá-los aos trabalhadores, que aguardam no local o fim do impasse.
Como mostrou ontem o Congresso em Foco (leia mais), as empresas se negam a pagar um total de R$ 460 mil aos carvoeiros, encontrados há dez dias em situação degradante. No terceiro dia da operação do grupo móvel, os “gatos”, nome dado aos aliciadores desse tipo de mão-de-obra, tentaram dispersar os trabalhadores sob a ameaça de que não abasteceriam mais os alojamentos com comida caso os carvoeiros não aceitassem ir embora. Agora a ameaça de cortar a comida dos trabalhadores foi cumprida.
Os auditores do grupo móvel vão usar o chamado suprimento de fundos do MTE e calculam gastar a partir de hoje cerca de R$ 284 por dia com a compra de carne, arroz, feijão e macarrão para abastecer a cozinha dos carvoeiros. “A questão aqui é humanitária, já que as empresas não se responsabilizam pela contratação dessas pessoas. É desumano e também mostra que as empresas tratam com desprezo as autoridades”, desabafa o coordenador do grupo móvel nessa operação, Klinger Moreira.
Segundo o coordenador do grupo móvel na operação, a alimentação dos trabalhadores foi bancada já no terceiro dia de operação pela Floryl Florestadora Ypé S.A. A empresa, que se apresenta no local como dona da fazenda, tem contrato com a Italmagnésio, também pertencente ao grupo Rotavi, para a exploração de toda a área de florestamento de pinus da fazenda para produção de carvão vegetal.
No último domingo, o site entrou em contato com o diretor da Floryl, Per Knudsen. O diretor da empresa de origem dinamarquesa informou que a situação seria resolvida pelas empresas responsáveis pela exploração das carvoarias ainda na segunda-feira. Ontem, a reportagem localizou Antônio Marcos Oliveira, também diretor da Floryl e responsável pela Fazenda Jaborandi II. Antônio Marcos disse que não estava autorizado a dar informações sobre o corte na alimentação dos trabalhadores. Per Knudsen não atendeu as ligações do site para o seu celular.
A capacidade econômica das duas empresas, com R$ 70 milhões de capital, é incompatível com as péssimas condições de trabalho a que submete seus trabalhadores, segundo os auditores do MTE. A Rotavi Componentes Automotivos Ltda. é fabricante de ferro-ligas e ligas à base de silício e magnésio, como produtos de ferro silício, inoculantes, ligas de magnésio e briquetes de carbureto de silício. A Carvovale, também pertencente ao grupo Rotavi, é responsável pelos serviços técnicos na atividade de carvoejamento como engenharia florestal, administração e outros serviços especializados nessa área.
Subcomissão do Senado
“Já entrei em contato com o ministro do Trabalho Carlos Lupi para dar total apoio aos trabalhadores até que o problema seja resolvido. Esse caso mostra como grandes grupos econômicos atuam à margem da lei”, disse o senador José Nery (Psol-PA), presidente da Subcomissão do Senado de Combate ao Trabalho Escravo. O senador do Psol também quer propor requerimentos para convocar os representantes das empresas para depor no Senado. “Temos que exigir uma análise dos fatos e da punição dos responsáveis por essa situação degradante”, completou José Nery.
Em nota (leia a íntegra abaixo) à imprensa o Grupo Rotavi diz que “que não possui – e nunca possuiu – funcionários” na fazenda alvo da operação do grupo móvel. “De quem são os trabalhadores que se encontram produzindo carvão em nome da Rotavi, para a Rotavi, no estabelecimento da Rotavi, em carvoarias montadas pela Rotavi sem carteira assinada?”, questiona o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Luciano Leivas, que atuou na operação.
O procurador também contesta a informação da empresa de que duas das três carvoarias da fazenda “possuem toda a infra-estrutura exigida, como alojamentos de alvenaria, água potável e banheiros. “A informação é falsa, pois todas as carvoarias apresentam graves irregularidades trabalhistas”, diz o procurador do MPT.
Em seu relatório, Luciano Leivas também questiona a informação da Rotavi de que a produção do carvão foi terceirizada. “Nunca existiu qualquer contrato formal de terceirização entre a empresa criada pelos aliciadores e as empresas que exploravam economicamente a área”, afirma Leivas.
Leia a íntegra da nota da Rotavi:
“Operários não são funcionários da Rotavi
A empresa Rotavi Industrial Ltda vem esclarecer que não possui – e nunca possuiu – funcionários no município de Jaborandi, Oeste do Estado da Bahia, onde foi deflagrada a operação conjunta do Ministério do Trabalho, Ministério Público e Polícia Federal.
A empresa Rotavi esclarece que foi citada indevidamente no caso, pois apenas possui uma filial em Jaborandi (BA), onde montou três carvoarias, sendo uma com 112 fornos e as outras duas com 150 fornos cada. Ressalta-se ainda que as duas primeiras carvoarias possuem toda a infra-estrutura exigida, como alojamentos de alvenaria, água potável e banheiros. Já na terceira, as obras dos alojamentos ainda estavam em andamento. A Rotavi deixa claro ainda que, todas as carvoarias foram devidamente documentadas e vistoriadas pelo órgão ambiental competente.
Quanto à operacionalização das três carvoarias, a Rotavi Industrial esclarece que é feita através de terceirização, para isso foi contratada a empresa Motocorte Serviços Florestais Ltda, que recentemente repassou as atividades para outra empresa, identificada por J & J Serviços Florestais Ltda, com a qual a Rotavi não possui nenhum tipo de vínculo. Portanto, a responsabilidade empregatícia é da empresa do empreiteiro contratado para prestar os serviços.
A Rotavi Industrial simplesmente montou a estrutura necessária e terceirizou a operação para a fabricação do carvão, que é usado na fabricação de liga-leve no município de Várzea da Palma, Norte de Minas Gerais.
É descabida a ação do Ministério do Trabalho contra a Rotavi, que não mantém quadro de funcionários em Jaborandi (BA). Por outro lado, é repugnante a atitude do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho de manter os operários nas carvoarias como forma de pressionar – indevidamente – a empresa, já que existem meios legais para resolver a situação.
A Rotavi tem sede em Barra do Piraí, no estado do Rio de Janeiro e o Senhor Sidênio Joaquim Ferreira Costa não é proprietário da Rotavi e sim representante legal da empresa.”
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