A semana que prometia ser de calmaria, por causa do recesso branco criado em torno do feriado de 7 de setembro, tornou-se tormenta para aquele que deveria ser o juiz do processo de cassação dos parlamentares suspeitos de envolvimento com o chamado valerioduto. Acusado de receber propina durante o ano de 2003 para renovar o contrato de autorização de funcionamento de um dos restaurantes da Casa, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), pode ser processado no Conselho de Ética por falta de decoro parlamentar. A punição máxima nesse caso é a perda do mandato.
Em reunião aberta a deputados de todos os partidos, representantes do PFL, do PSDB, do PPS, do PV e da ala esquerda do PT vão pedir hoje a Severino que se afaste do cargo até a conclusão das investigações. Caso o presidente da Câmara não atenda ao apelo, os oposicionistas ameaçam entrar com uma representação no Conselho de Ética pedindo a cassação do deputado. Descartada a renúncia, a perda do mandato é a única maneira de se tirar um parlamentar da presidência da Casa, já que não existe a hipótese de impeachment no Legislativo.
Buscando se antecipar à ação dos colegas, Severino determinou ontem a criação de uma comissão de sindicância para investigar a denúncia do empresário Sebastião Augusto Buani de que teria pagado propina pela concessão de restaurante na Câmara. Severino também pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) auditoria em todos os contratos da Casa com a empresa Buani & Paulucci Ltda. Encaminhou ainda ao corregedor da Câmara, o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), toda a documentação do contrato e material publicado pela imprensa nos últimos dias sobre o caso.
Com a medida, Severino pretende escapar da representação dos partidos políticos, que seria remetida diretamente ao Conselho, e responder à denúncia perante o corregedor da Câmara, a quem costuma chamar de “filho”. No início do ano, Severino se desentendeu com Lula e precipitou o encerramento das discussões sobre a reforma ministerial ao exigir do presidente a nomeação de Ciro para o Ministério das Comunicações. Cabe ao corregedor decidir se a denúncia deve ou não ser encaminhada ao Conselho de Ética para eventual abertura de processo por quebra de decoro.
Caso a iniciativa seja tomada pelos partidos políticos, no entanto, a representação seguirá diretamente para o Conselho, onde Severino não conta com a simpatia do deputado Ricardo Izar (PTB-SP), que preside o colegiado. Os dois entraram em colisão nas últimas semanas por causa da celeridade defendida por Izar para a análise dos processos de cassação contra os deputados acusados de receber dinheiro irregularmente do empresário Marcos Valério Fernandes.
Severino se diz vítima de extorsão
A pedido de Severino, a Polícia Federal entrou no caso. O presidente da Câmara acusa o empresário Sebastião Augusto Buani, que controla o grupo Fiorella, de tentar extorqui-lo. A PF deve ouvir Buani na sexta-feira. Reportagens publicadas pelas revistas Veja e Época no último fim de semana revelam que ele teria pagado R$ 10 mil mensais a Severino ao longo de 2003 para manter a concessão.
A causa da suposta tentativa de extorsão seria o término do contrato de Sebastião Buani com a Câmara. O contrato vence no próximo dia 14 de setembro e não seria renovado, já que a empresa deve R$ 150 mil em aluguéis atrasados. O débito seria um pouco menor, já que a Buani & Paulucci Ltda. tem crédito de R$ 30 mil junto à Câmara por serviços prestados e ainda não pagos. Na nota oficial divulgada no sábado, Severino diz que a Buani passou a fazer pressão sobre a direção da Casa para que a dívida não fosse executada e o contrato fosse renovado.
De acordo com a reportagem das revistas, o empresário teria pagado uma propina inicial de R$ 40 mil e, em seguida, R$ 10 mil por mês, para continuar a explorar a concessão sem licitação. A cobrança teria sido feita em 2002, quando Severino era o primeiro-secretário da Câmara.
Crime de concussão
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Buani prometeu apresentar pelo menos uma testemunha e documentos para comprovar que foi obrigado a pagar propinas ao deputado pernambucano. "Eu nunca fiz chantagem, nunca fiz ameaça e nunca falei em dinheiro", disse o empresário. Os advogados de Buani alegam que Severino praticou crime de concussão, que é a extorsão praticada por funcionário público. A mesada também teria sido cobrada pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), que nega qualquer envolvimento com o caso.
De acordo com registros de Buani, o primeiro pagamento de propina a Severino foi feito em 12 de março de 2003, no valor de R$ 10 mil. O pagamento da mesada teria sido feito até novembro daquele ano, totalizando, portanto, R$ 90 mil. Os pagamentos de abril e maio teriam sido feitos em duas parcelas.
Fogo cruzado com a oposição
Em entrevista ao blog do jornalista Jorge Bastos Moreno, de O Globo, Severino acusou o PSDB e o PFL de estarem por trás da denúncia. Segundo ele, a oposição (que o ajudou a eleger) pretende derrubá-lo do cargo.
“Eu soube que quem está aprontando isso contra mim é o PFL e o PSDB. Eles estão por trás dessas denúncias. Tudo porque eu defendo minhas idéias às claras. Tudo porque eu defendi punições diferenciadas para os deputados denunciados pela CPI. Eu não sou como eles. O PSDB fica defendendo aquele senador deles às escondidas, sem muita convicção. Eles têm vergonha de defender seu senador às claras. O mesmo faz o PFL com o seu deputado. Eu não defendo pizza nenhuma. Defendo penas diferenciadas. Eu tenho a coragem de fazer isso. E eles não têm.”
Sem diálogo
O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), reagiu à acusação de Severino. “O fato de ele ter nos acusado eliminou qualquer diálogo. Uma representação deve estar ligada à comprovação das denúncias”, disse o tucano. "Ou ele desmente ou pediremos a renúncia dele", completou. “Não haverá outro caminho senão investigação no Conselho de Ética”, defendeu o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ).
O líder da oposição, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), afirmou que a situação do presidente da Câmara é ainda mais complexa por causa das declarações feitas contra a punição de parlamentares e pela participação dele na versão apresentada pelo PP para justificar o dinheiro recebido do empresário Marcos Valério, acusado de ser o operador do mensalão. De acordo com Severino, os R$ 4 milhões destinados ao partido teriam sido usados para pagar honorários advocatícios do deputado Ronivon Santiago (PP-AC), um dos campeões em rolos judiciais no Congresso.
“O conjunto da obra de Severino é muito ruim. Ele precisa esclarecer as circunstâncias da ‘Operação Ronivon’, do ‘mensalinho’ e de fatos como a tentativa de abafar punições na Câmara. O Brasil quer a saída dele do comando da Câmara. Não dá mais para ele ficar. A situação dele ficou totalmente insustentável”, declarou Aleluia.
Gabeira defende renúncia
“Em qualquer país, Severino teria renunciado. Ele não tem condições de ser o condutor de um processo tão delicado que envolve a cassação de tantos deputados. Isso fere a imagem da Casa. Quanto ao documento, se o deputado Severino disser que assinou sem ler, então iremos pedir seu afastamento por incapacidade ou irresponsabilidade civil. Ele não tem como continuar no cargo”, reagiu o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).
Na semana passada, Gabeira travou ríspida discussão com Severino em plenário. Ao criticar a defesa do presidente da Câmara de penas brandas para parlamentares que usaram o valerioduto para fazer caixa dois de campanha eleitoral, o ex-guerrilheiro disse a Severino que ele representava um “atraso” para o país. O deputado pernambucano reagiu: “Vossa Excelência recolha-se à sua insignificância”. “Minha idéia era pedir uma investigação sobre Severino depois de encerrado o caso dos mensaleiros. Mas, com essa agora, acho que o processo contra Severino passa a ser prioritário", disse Gabeira à Veja .
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