Aliel Machado *
O desastre no Rio Grande do Sul é uma tragédia que, infelizmente, já vinha sendo anunciada há tempos. A natureza vem dando seguidos recados de que precisamos nos relacionar com ela de outra forma. Tais sinais foram percebidos pelos cientistas brasileiros e de todo o mundo, que apontaram a necessidade de criarmos uma nova economia, capaz de gerar riqueza e prosperidade sem destruir o planeta.
O mercado de carbono é um dos instrumentos mais eficazes dessa nova economia. Ele alinha incentivos econômicos com o interesse público de reduzirmos o aquecimento global e protegermos a vida na Terra. O mercado de carbono gera mais riqueza para quem produz da forma menos prejudicial para o planeta. E a melhor notícia é que o Brasil está muito bem posicionado para desenvolver esse mercado e consolidar sua liderança ambiental no mundo, trazendo prosperidade e bem estar para o nosso povo. Não há tempo a perder.
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Abaixo, aponto dez razões para estruturarmos o quanto antes o mercado de carbono em nosso país.
1) Mitigação das mudanças climáticas.
2) Incentivo ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) da indústria.
3) Geração de riqueza.
4) Desenvolvimento socioeconômico de comunidades tradicionais e carentes.
5) Preservação da biodiversidade.
6) Geração de empregos
7) Melhora da reputação internacional do Brasil.
8) Recuperação de terras com solos degradados.
9) Incremento nas exportações de produtos brasileiros.
10) Cumulatividade entre doações internacionais e geração de créditos de carbono.
1) Mitigação das mudanças climáticas.
O mundo tem um enorme desafio pela frente. A meta mundial de limitar o aquecimento global a 2ºC, sendo dada preferência a 1,5ºC, mostra-se cada vez mais difícil de ser alcançada. Segundo estudo feito pelo Carbon Brief, o Brasil é o 4º maior emissor mundial de gases de efeito estufa (https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/10/27/brasil-e-4o-no-mundo-em-ranking-de-emissao-de-gases-poluentes-desde-1850.ghtml ).
Ao analisar a divisão das emissões do país, temos aproximadamente: 50% das emissões decorrentes da modificação do uso da terra (desmatamento), 25% da produção agropecuária e outros 25% vindos da indústria e energia. Estes últimos 25% podem ser bastante controlados e reduzidos com o implemento do mercado regulado de crédito de carbono. Além disso, os 50% de emissões relativos a desmatamento podem ser bastante reduzidos pelo mercado voluntário de crédito de carbono, à medida em que proprietários de terras e comunidades locais entendam que a floresta em pé pode ser mais lucrativa do que o desmatamento.
Atualmente estima-se que o valor da geração de crédito de crédito de carbono por hectare na Amazônia Legal encontra-se perto de fazer frente à renda da criação de gado por hectare. Por fim, mesmo com relação aos 25% restantes, o fato de sua cadeia de produção de alguma forma ser impactada pela redução de emissões derivada dos mercados regulado e voluntário de crédito de carbono também diminuiria sua pegada. Dessa forma, o Brasil tem todas as ferramentas para, com o alinhamento correto de incentivos proporcionado pelo mercado de crédito de carbono, se reposicionar como protagonista mundial em sequestro de carbono da atmosfera.
2) Incentivo ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) da indústria.
O mercado regulado de crédito de carbono, com seu sistema de Cap and Trade (“Teto e comercialização”), permite internalizar o que antes eram externalidades negativas de grandes emissores de gases de efeito estufa. Sendo estabelecido um teto de emissão, aqueles que ultrapassarem o limite devem comprar cotas de emissão de outros agentes que tenham cumprido suas metas. Isto faz com que aqueles que forem mais eficientes ambientalmente, passem a ter uma vantagem competitiva com relação aos que foram menos eficientes ambientalmente (uma vez que os primeiros poderão vender e os segundos deverão comprar cotas de emissão). Tudo isto leva a um enorme incentivo para o investimento em pesquisa e desenvolvimento das indústrias mais emissoras, já que serão obrigadas a reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa. Além disso, o Projeto de Lei prevê que, no mínimo, 80% dos recursos do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões sejam destinados ao BNDES justamente para o financiamento e subvenção de investimentos e atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, com a finalidade de promover a descarbonização da produção industrial.
3) Geração de riqueza decorrente da preservação do meio ambiente.
Um estudo da renomada consultoria internacional McKinsey estima que, a partir de 2030, o mercado voluntário global de crédito de carbono gerará, anualmente, 50 bilhões de dólares (250 bilhões de reais por ano). O mesmo estudo estima que, por conter uma vasta diversidade de florestas espalhadas em todo o território, o Brasil responderá por parte relevante dessa geração de riqueza, correspondente a 15% do mercado mundial. Ou seja, o mercado voluntário brasileiro gerará, anualmente, a partir de 2030, 7,5 bilhões de dólares (37,5 bilhões de reais). Essa geração anual de riqueza deve durar, ao menos, até 2050, ou seja, nos 20 anos entre 2030 e 2050 o Brasil deve gerar 150 bilhões de dólares (750 bilhões de reais), aumentando significativamente o PIB brasileiro a partir de 2030.
4) Desenvolvimento socioeconômico de comunidades tradicionais e carentes.
As comunidades tradicionais e carentes da Amazônia e de outros biomas são as principais responsáveis pela preservação de florestas do Brasil. Ao mesmo tempo, tais comunidades agonizam os piores indicadores socioeconômicos do país. Isso ocorre porque há uma aparente conflituosidade interna entre direitos fundamentais: de um lado, há a necessidade de preservação ambiental, de outro, há a urgência de desenvolvimento socioeconômico dessas comunidades.
O mercado de crédito de carbono pode ajudar a superar essa aparente contradição, ao permitir que as comunidades, justamente fazendo aquilo que já fazem tão bem, a preservação florestal, consigam angariar recursos para destravar outros potenciais econômicos sustentáveis e investir no fortalecimento de suas culturas tradicionais. O mercado de crédito de carbono, dessa maneira, ajudará as comunidades tradicionais, as quais são as que mais merecem e precisam desses recursos.
5) Preservação da biodiversidade.
Em que pese a gravidade e a urgência das mudanças climáticas decorrentes das emissões de gases de efeito estufa, a questão ambiental está longe de se reduzir a tais mudanças. Há inúmeros outros aspectos de gravidade na questão ambiental, como, por exemplo, a ameaça à biodiversidade do planeta. Embora projetos de crédito de carbono de preservação das florestas tenham como principal finalidade a redução de emissão de gases de efeito estufa por mudanças de uso do solo (responsável por aproximadamente 50% das emissões do país), eles ainda têm o benefício adicional de preservar a diversidade da fauna e da flora destas florestas, sendo que muitas espécies são endêmicas das áreas protegidas, contribuindo significativamente para a preservação da biodiversidade do planeta.
6) Geração de empregos
Segundo estudo apresentado na Escola Nacional de Administração Pública, o mercado de crédito de carbono pode gerar até 8,5 milhões de empregos até 2050. (https://www.enap.gov.br/pt/acontece/noticias/brasil-pode-gerar-mais-de-8-milhoes-de-empregos-com-o-mercado-de-carbono#:~:text=Duranteo%20evento%2C%20Laura%20destacou%20que,milh%C3%B5es%20de%20empregos%20at%C3%A9%202050 ).
7) Melhora da reputação internacional do Brasil.
A mitigação das mudanças climáticas e a diminuição da emissão de gases de efeito estufa serão, sem sombra de dúvida, um dos maiores desafios globais das próximas décadas. O Brasil, pelas riquezas naturais de seus biomas e pela preservação realizada até aqui, encontra-se muito bem posicionado para liderar esse desafio e permitir que o mundo possa vencê-lo. Para tanto, é necessário que os incentivos econômicos estejam devidamente alinhados com o interesse público da preservação ambiental. É justamente esse o papel do mercado de crédito de carbono, que, através de mecanismos de mercado, faz com que indústrias, proprietários de terras, produtores rurais etc. se alinhem ao interesse público, ao lado das políticas de fiscalização e de comando e controle do Estado, para fazer frente a este enorme desafio e alçar o país ao posto de potência ambiental.
8) Recuperação de terras com solos degradados.
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, aproximadamente 140 milhões de hectares de terras brasileiras estão degradadas, o que corresponde a 16,5% do território nacional (https://www.semadesc.ms.gov.br/embrapa-coordenara-mapeamento-completo-dos-solos-brasileiros). Recuperar essas áreas de solo degradado poderia ter um duplo benefício para o planeta. Enquanto aumenta a produção alimentar de forma ambientalmente sustentável, promoveria a captura de gases de efeito estufa da atmosfera. A lógica do desmatamento da Amazônia, por exemplo, é a de primeiramente se “limpar a área” com queimada e posteriormente, colocar pasto para a criação pecuária. Como tal técnica arcaica empobrece o solo, retirando em poucos anos todas as suas riquezas minerais, em um curto espaço de tempo a área é abandonada com seu solo degradado. Parte-se, então, para o desmatamento de novas áreas, com a mesma técnica danosa da queimada. O mercado de crédito de carbono pode, ao mesmo tempo, financiar projetos de preservação que impeçam esse ciclo vicioso, como ainda promover projetos de produção sustentável, com recuperação dessas áreas degradadas. O resultado seria a diminuição da pressão de desmatamento na Amazônia e aumento da produção alimentar sustentável do país. Aqui os exemplos de projetos são múltiplos, tais como gado verde, sistemas agroflorestais (SAFs), sistemas de integração lavoura pecuária floresta (ILPF), biocarvão, agricultura de baixo carbono, etc. Além, é claro, da restauração florestal, restabelecendo equilíbrio ecossistêmico em solos degradados de áreas que, anteriormente, eram florestas.
9) Incremento nas exportações de produtos brasileiros.
À medida em que os países ao redor do mundo vão se conscientizando da gravidade e da urgência das mudanças climáticas, passa a ser cada vez mais comum que as importações, tanto de produtos industriais, quanto de produtos agropecuários, passem a ter um escrutínio cada vez maior com relação à pegada de carbono da cadeia produtiva de cada produto. Isto, que pode ser um problema para a balança comercial de qualquer país, pode ser também uma oportunidade para aqueles países que tiverem cadeias de produções rastreáveis e sustentáveis. Assim, o mercado de crédito de carbono, ao mesmo tempo em que regulará a indústria para que as emissões de gases de efeito estufa sejam cada vez menores, também propiciará, por meio do mercado voluntário, a preservação de florestas, a produção pecuária verde (com recuperação de pastos e intensificação de produção), sistemas agroflorestais, sistemas de integração lavoura pecuária floresta (ILPF), etc. Com isso, os produtos brasileiros podem se colocar de melhor forma no mercado internacional, aumentando sua participação nas exportações, bem como o preço de seus produtos, pelo selo de qualidade ambiental atrelado ao país.
10) Cumulatividade entre doações internacionais e geração de créditos de carbono.
O Projeto de Lei foi cuidadoso para, em consonância com os tratados internacionais, explicitar que o fato de serem gerados e comercializados créditos de carbono na Amazônia e em outros biomas, não impede o recebimento pelo Brasil de doações internacionais, a exemplo daquelas feitas para o Fundo Amazônia. Assim, as abordagens de mercado (crédito de carbono) somam-se às abordagens de não-mercado (doações ao Fundo Amazônia), para fazer frente ao enorme desafio de preservação das florestas no Brasil.
* Aliel Machado é deputado federal pelo PV-PR. Foi relator na Câmara do projeto que regulamenta o mercado de carbono no Brasil (PL 2148/15).
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