O Senado analisa nova proposta de emenda à Constituição (PEC) que retira o poder de investigação criminal do Ministério Público, a exemplo da PEC 37, rejeitada pelo Congresso Nacional após ser bombardeada nos protestos de junho do ano passado. Novo alvo da polêmica, a PEC 102/11 também diz que só a polícia poderá fazer investigações criminais, e o seu controle externo não será mais exercido pelas promotorias e procuradorias, com ocorre hoje, mas pelo Conselho Nacional de Polícia, ainda a ser criado. A proposta, que aguarda relatório na semana que vem, ainda permite aos Estados unificar as polícias civil e militar. Apesar disso, trechos da PEC são criticados pelo Ministério Público, pelo relator e até por setores das polícias. ”
Leia também
O secretário de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República (PGR), Nicolao Dino, é autor de uma nota técnica de 18 páginas que pede o arquivamento da proposta que, para ele, “é pior que a PEC 37”. “Estamos caminhando para o risco de criação de um Estado policial, porque há um empoderamento excessivo da polícia, com concessão de autonomia administrativa, investigação privativa. e ausência de controle por parte do Ministério Público”, afirmou o procurador em entrevista ao Congresso em Foco.
O principal efeito da retirada do poder de investigação do Ministério Público, segundo ele, será o aumento da impunidade. “Se você estabelece monopólio, você afunila a investigação e aumenta o grau de impunidade, um resultado social negativo.” A missão de Dino é comandar uma tentativa de arquivamento da proposta no Congresso.
O relator da PEC 102, senador Humberto Costa (PT-PE), é contra proibir o Ministério Público de fazer investigações criminais, ao mesmo tempo em que defende mais rigor na atuação de promotores e procuradores nesse trabalho. “Não dá para ficar com uma investigação anos a fio e não fazer denúncia e deixar uma espada sobre a cabeça das pessoas”, disse o senador, que é líder do PT na Casa, ao Congresso em Foco.
Humberto Costa disse à reportagem que vai propor um relatório semana que vem simplesmente pedindo mais prazo para analisar este e outros temas de segurança pública que ele considerou complexos demais para serem tratados com pouco tempo e num ano eleitoral.
Já a Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) sempre defendeu a PEC 37, por entender que ela dá legalidade aos inquéritos e ainda prevê mais garantias e direitos aos cidadãos, que podem ser investigados em determinadas situações. O autor da proposta, o senador licenciado Blairo Maggi (PR-MT), também. Na justificativa do projeto, ele disse que o texto foi feito por “pessoas comprometidas com a defesa dos direitos do cidadão”. O presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro, reagiu às análises de Nicolau Dino. “E vamos ter o Estado ministerial? O Ministério Público entende que a polícia trabalha para ele, mas nós trabalhamos para a sociedade”, criticou o delegado, em entrevista ao Congresso em Foco. O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Paulo Roberto D’Almeida, se disse contrário à fusão entre as polícias militar e civil, contida na proposta de mudança da Constituição, e pediu independência dos agentes e delegados em relação a presidentes, governadores, ministros da Justiça e secretários de Segurança.
Demora na apuração
Antes de o texto chegar às mãos de Humberto Costa, o senador Waldemir Moka (PMDB-MS) chegou a fazer um relatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), rejeitando a restrição às investigações criminais do Ministério Público, mencionando a derrubada da PEC 37, e também a criação do Conselho Nacional da Polícia. Mas o relatório não foi votado porque o projeto foi enviado antes à Comissão Temporária de Soluções para o Financiamento da Segurança Pública.
Lá, o caso é analisado por Humberto Costa. No início da noite de quarta-feira (19), o líder petista disse à reportagem que o tema é complexo e merece mais tempo para ser analisado. Por isso, ele defende que o caso seja remetido de volta à CCJ para ser debatido sem as pressões do calendário eleitoral, possivelmente em 2015.
Humberto ressalta que é contra proibir os procuradores e promotores de fazerem investigações criminais. Ele pondera, no entanto, que é necessário impor algumas regras para tornar a ação de procuradores e promotores mais eficaz, como a imposição de prazos para a duração das investigações e inquéritos.
Controle social
O relator da proposta também é contra retirar o controle externo da polícia das mãos do Ministério Público. Marcos Leôncio, da Associação dos Delegados de Polícia Federal, concorda com o senador neste ponto. Ele e o presidente da Adepol defendem que o sistema atual seja mantido, mas tenha o acréscimo de um controle da sociedade, por meio do Conselho Nacional da Polícia, que, segundo a PEC 102, terá a participação de advogados, representantes do Congresso e mesmo do Ministério Público. “Vamos ter um controle maior da sociedade. Não temos nenhum receio de ter um rol maior de controladores sobre nosso trabalho”, afirmou Leôncio.
O delegado lembrou que o modelo é o mesmo adotado pelo “Conselhão”, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Como o Ministério Público pode ser contra um modelo que é usado por ele?”, provocou Leôncio.
Poder para investigar abre guerra entre policiais e procuradores
Fusão das polícias
A PEC de Blairo Maggi permite que os estados unifiquem suas polícias militar e civil para que se chegue ao chamado “ciclo completo” da atividade, a prevenção e punição ao crime de maneira mais rápida e descomplicada. Na justificativa, ele lembra que aumentar penas de prisão não tem interrompido o aumento criminalidade, que não é devidamente combatida pelo Estado. “É hora de deixar o simbolismo penal e tocar na estrutura do problema da ineficácia de nossos órgãos de prevenção e repressão”, diz o senador licenciado.
Segundo Nicolao Dino, a Procuradoria não tem opinião formada sobre a união das polícias. Mas, para ele, o ciclo completo, defendido pelos procuradores, pode ser obtido mesmo sem a fusão da PM e da Civil. Para isso, exemplifica Dino, um policial militar poderia levar ao conhecimento do promotor de Justiça as provas que recolheu na rua e as pessoas a quem deu voz de prisão para que o Ministério Público ofereça ou não denúncia. Hoje, o PM é obrigado a levar tudo isso à Polícia Civil. “Isso gera burocracia, que retarda a detenção da pessoa”, disse o secretário. Por isso, ele defende a aprovação da PEC 51/13, também analisada por Humberto Costa na Comissão Temporária do Senado, para se chegar ao mesmo resultado buscado pela proposta de Blairo Maggi.
O senador Humberto Costa não sabe é necessário unir as polícias, tema que se arrasta no país desde os anos 1990. “Mais importante que isso é ter polícias integradas, com formação, inteligência e trabalho comuns”, avaliou. Na comissão temporária, o senador é relator de outras propostas sobre a estrutura da polícia brasileira. Mas ele quer esperar a passagem do ano eleitoral para enfrentar as polêmicas.
Força armada
A Adepol é contrária à fusão das polícias por considerar isso “inadequado”. Para Paulo D’Almeida, o mais importante é fazer mudanças na lei que deixem claro qual é o papel da PM e da Civil, equipar as duas corporações, aumentar o efetivo para as investigações e dar autonomia para os delegados e agentes.
Ele afirma que a independência financeira e funcional é necessária para que as apurações sejam feitas sem intromissão de presidentes, governadores, ministros e secretários. “Nós sofremos ingerências políticas. A Polícia Civil precisa ser uma polícia de Estado e não de governo, e com recursos próprios”, defendeu D’Almeida.
Nicolao Dino entende que a PEC 102, de forma implícita, dá essa autonomia administrativa às polícias. Apesar de criticar a subordinação dos delegados a pressões políticas, o procurador é contra usar a autonomia para driblar esse problema. “Nenhum estado sobrevive com a autonomia de uma força que é armada”, argumenta.
Mais sobre segurança pública, Ministério Público e polícia
Deixe um comentário