A última conversa gravada pelo ex-secretário de Assuntos Institucionais Durval Barbosa é reveladora. Nela, o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, dá detalhes comprometedores de como se operava o esquema, de quem estava dentro e fora dele, e qual seria o papel de Durval na operação. Foi uma longa conversa gravada em áudio, dentro da própria residência oficial de Águas Claras, numa reunião entre Durval e o governador. Muito mais poderia ter sido dito em outras conversas depois.
Mas, logo depois desse episódio, porém, Arruda dirá a Durval que soube que havia uma investigação do Ministério Público contra ele. Mais adiante, o hoje ex-governador já tem mesmo a informação de que a investigação está contida no inquérito de número 650-DF. Arruda está nervoso. Quer saber quem repassa informações sobre o esquema para os investigadores. Ele não desconfia ainda de Durval, talvez por considerar que o secretário está tão metido no rolo quanto ele. Mas passar a desconfiar de Durval seria apenas uma questão de tempo. Apavorado, Durval entra em contato com a Polícia Federal e pede que se encerre a colaboração.
“Se ele tivesse colaborado por mais dois meses, talvez não precisássemos de intervenção, porque tudo seria desvendado”, lamenta a promotora Alessandra Queiroga, na última parte de sua entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
Alessandra fala também de um detalhe constrangedor da investigação. Por imposição de Durval ao negociar a delação premiada, ela teve de esconder a operação de seu chefe superior, o procurador do Distrito Federal e Territórios, Leonardo Bandarra. Durval acusava Bandarra de receber dinheiro do esquema. Assim, o chefe de Alessandra passava a ser de certa forma investigado por ela. Ele só soube da operação quando os mandados de busca e apreensão que desencadearam a crise que culminou com a prisão de José Roberto Arruda já estavam sendo cumpridos. A partir disso, as relações entre Bandarra e Alessandra nunca mais foram as mesmas. Ela conta que foi vista por muitos como alguém que traiu a confiança de seu chefe.
Na entrevista, ela acredita ter convicção da inocência de Bandarra ao final da investigação. “Não há prova contra ele, e o tempo lhe fará justiça”, acredita. Alessandra explica que não poderia ter agido de outra forma até por dever de ofício: se Bandarra podia ser um dos investigados, ele não podia mesmo vir a saber da operação.
Congresso em Foco – Há um aspecto de toda essa investigação extremamente delicado para a senhora. A senhora viu-se obrigada, pelo acerto feito com Durval, a manter sigilo total da investigação de seu chefe imediato, o Procurador do Distrito Federal e Territórios, Leonardo Bandarra. E Durval acusa diretamente o procurador Bandarra de fazer parte do esquema. Por que a senhora aceitou essas condições e qual a sua impressão sobre o envolvimento do procurador no caso?
Alessandra Queiroga – Até agora, que eu saiba, não há nenhuma prova contra o doutor Bandarra. Eu, por várias vezes, perguntei a Durval se existia algo de concreto contra o Bandarra. Ele sempre disse que não. Que ele ouvia dizer que Bandarra recebia dinheiro. A postura que eu tomei, partilhada com os colegas, foi muito a partir do respeito que o Bandarra tinha por nós. Ele nunca interferiu no nosso trabalho. Ele aparelhou a nossa seção. Trouxe técnicos para trabalhar conosco. Ele nunca descia para dizer o que a gente devia ou não fazer. E, de repente, tinha uma pessoa que podia fazer uma confusão na cidade, trazer um material probatório consistente para a gente desvendar, e que impunha uma condição: que o Bandarra não ficasse sabendo. Além disso, diversas pessoas já tinham assistido às fitas. Então, Bandarra não ficar sabendo era até uma forma de protegê-lo. Porque, se vazasse alguma coisa, certamente esse vazamento acabaria atribuído a ele. Ele não sabia de nada até o dia da operação, isso eu posso garantir. A segunda questão é que, como o Durval chegava acusando um membro do Ministério Público – ele é meu chefe, é o procurador-geral, eu sou assessora dele -, eu não podia, sob pena de cometer uma pena funcional muito grave, avisar alguém que poderia ser objeto de investigação. Então, mesmo tendo consciência da delicadeza da situação, eu e o [procurador] Wilton Queiroz optamos por levar ao conhecimento do procurador-geral da República. E era o procurador-geral da República quem tinha a atribuição. O Durval dizia que quem dava o dinheiro era o Arruda. Eu não tinha atribuição para investigar o governador. Na verdade, sempre achei incongruente e inconsistente que houvesse envolvimento do Bandarra. Acho que o tempo vai fazer justiça a ele. Porque, ao que eu saiba, não há até agora acusação específica a ele. Eu sei que muitas pessoas ficaram olhando feio para mim, como se eu tivesse feito uma traição, mas eu tenho certeza que o Bandarra faria a mesma coisa. Porque não é uma questão pessoal. É uma questão profissional. Eu sou Ministério Público. Eu não poderia agir de maneira diferente.
A senhora não está dizendo que não há nada contra o Bandarra por uma questão de amizade ou corporativa? A senhora não está dando ao procurador um crédito que não daria, digamos, ao governador Arruda?
Não. Se houvesse alguma prova contra ele, ele não seria mais procurador da República. Eu não acho que o Durval estivesse mentindo. Ele dizia coisas que falavam para ele. E ele acreditava nisso. A gente não viu nenhuma prova disso. Mas eu estou falando sem ter acesso agora ao desdobramento do inquérito, porque essa investigação não está mais comigo. Do que eu pude acompanhar e das minhas conversas com Durval, tudo não parece ter passado de uma bravata do Arruda. Porque era muito bom para ele dizer ao Durval: ‘Olha Durval, não se preocupe que do Bandarra eu cuido’. Mas foi justamente porque ele via o Bandarra todos os dias oferecendo denúncias novas, fazendo sustentação oral em plenário contra Durval que ele ficou irado: ‘Mas não tinham me garantido que não ia acontecer nada comigo?’. Eu não vi nada consistente. A gente lida com provas. Tanto que a primeira vez que os meus olhinhos viram os vídeos do Durval, eu disse: ‘Opa, isso aqui é o que estamos procurando’. Você põe a mão, é auto-explicativo. Sempre precisei de provas, de consistências. E o próprio Durval dizia que não tinha. Pode ser que um dia apareça. Vai ser uma grande decepção para todos nós. Mas desde o princípio a história não fazia sentido para mim, porque eu via a postura dele. O doutor Bandarra criou o Núcleo de Combate à Corrupção. Aparelhou o núcleo. Ele concordou que todos os promotores que trabalhassem lá não fossem politicamente ligados a ele e que fossem pessoas combativas, aguerridas, que realmente têm intolerância à corrupção. Desde o começo, eu fiz o meu papel. Eu não falei, toquei como tinha que tocar as coisas. Mas nunca tive realmente aquela desconfiança verdadeira de que pudesse ser verdade, porque não fazia sentido para mim.
Mas houve um vazamento. Um vazamento que permitiu a Arruda saber da existência da investigação e tentar, por seus advogados, obter informações sobre ela. Um vazamento, inclusive, que obrigou a antecipação da operação de busca e apreensão da Caixa de Pandora quando a intenção era manter Durval infiltrado para investigar mais. Não tendo sido o Bandarra, que não sabia de nada, de onde saiu esse vazamento?
Não sei. A Polícia Federal está apurando. De fato, prejudicou bastante. É muito difícil segurar. Sempre há a possibilidade de vazamento. Espero que a Polícia Federal seja rigorosa. Isso atrapalha muito o nosso trabalho. Se Durval tivesse ficado mais dois meses, talvez, então, nem precisasse de intervenção federal, porque aí todo o esquema seria desvendado.
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