Sônia Mossri
|
Ele tem 69 anos e conhece tudo de processo legislativo. É um dos funcionários mais antigos da Câmara e é respeitado tanto pela esquerda quanto pela direita. Trata-se de Osvaldo Ferreira, o assessor técnico mais antigo do PMDB. Do alto dos seus 41 anos de trabalho na Câmara, seu Osvaldo se mostra decepcionado com o governo Lula. E ele conhece bem o presidente: assessorou por dois anos a primeira bancada eleita do PT, entre 1983 e 1984. Guarda boas lembranças de Lula, na época deputado distrital, mas não hesita em criticar o presidente petista. "Eu sempre considerei um abuso que o presidente da República editar muitas medidas provisórias e dizer que o culpado é o Congresso. Eu nunca esperei que o PT, no governo, fosse ser pior que os outros. O Lula já bateu o recorde de medidas provisórias", reclama. Leia também Osvaldo assessorou o PMDB nos momentos mais duros da ditadura e também evitou qualquer erro que pudesse levar o então presidente Fernando Collor de Mello a contestar a aprovação, pela Câmara, do início do processo de impeachment. Por causa da sua atuação no processo de impeachment, foi chamado por Ulysses Guimarães (deputado e presidente do PMDB, morto em um acidade de helicóptero em 1992) para assessorar a liderança do partido na casa. Osvaldo, que só deixou o PMDB para a curta temporada de dois anos no PT, compara a si próprio com os rebeldes do partido de Lula, que custam a acreditar que o presidente esteja fazendo o que sempre criticou. "Esse governo do PT me chocou", resume. Para ele, o governo petista pratica tudo o que sempre criticou quando era oposição: troca cargos por votos e é recordista de envio de medidas provisórias ao Congresso. Muita coisa mudou desde que Osvaldo chegou à Câmara, um ano antes do golpe militar de 64. "Antes, o deputado era o que nós chamávamos político. Hoje, ele é muito menos político. Antigamente, o jornalista era menos fofoqueiro e mais analista", observou o assessor. Congresso em Foco – Há quanto tempo o senhor trabalha com o PMDB? Osvaldo Ferreira – Comecei com o MDB, em 1974. Eu era assessor do lado do MDB e o Hargreaves (Henrique Hargreaves, ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Itamar Franco) era assessor do lado do governo, Arena. Hargreaves vivia no meio de jornalistas. Eu sempre fui mais recolhido. Deixa eu contar um caso. Teve uma sessão aqui na Câmara, que começou à uma hora da tarde para votar um projeto de lei que introduzia a sublegenda (modalidade mediante a qual cada partido apresentava até três candidatos por vaga em disputa. O partido que obtivesse mais votos no total elegia o candidato, no caso, quem teve mais votos no interior da sublegenda) para governador na eleição de 1982. Nós, na época, éramos aliados do PT, PDT e mais dois partidos que faziam a oposição, que era minoritária. Começou a sessão conjunta para votar o projeto da sublegenda. Evidentemente, havia muitos senadores e deputados que eram da Arena e que não queriam isso. Por que? Se houvesse sublegenda, eles estariam concorrendo dentro do próprio partido. O Jarbas Passarinho (ex-senador, ministro da Educação e Previdência) era o presidente do Senado. Nós fizemos uma tática para não deixar aprovar esse troço. Nós fomos para plenário. O Odacir Klein era o líder do PMDB na Câmara. Éramos muito bons em obstruir. Nós tínhamos que obrigar que todas as votações fossem nominais porque, aquela que fosse simbólica, eles ganhavam por causa do líder da maioria. Eu digo sempre que ninguém obstrui nessa casa se não tiver o beneplácito do presidente. Se o presidente quiser, não tem como obstruir porque ele atropela.Então, como o Jarbas Passarinho estava jogando com a gente, nós fizemos cinco ou seis votações e, no final, nós derrotamos o governo. "Ninguém obstrui nessa casa se não tiver o beneplácito Antes de chegar ao Congresso, onde o senhor trabalhava? Era diretor de pessoal do Ministério das Comunicações. Eu fui requisitado da Câmara para o Executivo. Quando eu voltei para a Câmara, assumi a assessoria do líder do PMDB. O senhor tem 30 anos de Câmara. O que mudou nesse período? Aí, é uma história grande. A Câmara mudou toda. Antes, o deputado era o que nós chamávamos político. Hoje, ele é muito menos político. Como assim? Márcio Moreira Alves reproduziu na coluna dele uma conversa que teve com o Pedro Aleixo em 1967. Nessa conversa, o Pedro Aleixo (vice-presidente no governo Costa e Silva) dizia para o Márcio Moreira Alves o seguinte: o Congresso deve ser visto como uma casa política onde tem muito pouco negocista. Ele falou "a casa tem homens políticos". Eram muito poucos aqueles que vinham aqui para fazer negócios. Pedro Aleixo disse que José Maria Alkmin (deputado mineiro com um extenso floclore e vice-presidente no governo Castelo Branco), que era adversário dele, era "um homem que faz um tipo de política que eu abomino terrivelmente e eu combato até a morte". Mas disse também: “respeito José Maria Alkmin como um homem íntegro, que não leva proveito pessoal em momento algum da atividade política". "Eram muito poucos aqueles (deputados) que Então, hoje, sobretudo com a política fisiológica dos governos, temos muito mais negocistas do que políticos? Você está acabando de dizer o que o Pedro Aleixo dizia. E hoje, como estamos? Hoje, inverteu. Tem muito pouco político. Isso não é ruim para a democracia? Olha, eu acho que o mundo é assim hoje. Não é somente o Brasil. É generalizado. Agora, o prestígio dos políticos não era maior antigamente? Exatamente por causa disso. Ele era político. E a relação do Executivo com o Legislativo? O senhor atravessou momentos diferentes, passando da ditadura à democracia. Fica muito difícil eu falar disso porque ainda sou funcionário da Câmara. Eu costumo sempre dizer o seguinte: nem na ditadura eu senti nessa casa uma ingerência maior do Executivo no Legislativo como tem ocorrido agora, a partir de 1984 para cá. Na ditadura, os militares, quando tinham que resolver alguma coisa, resolviam na marra, mas não vinham para cá fazer pressão. Eles resolviam na força, baixando ato inconstitucional, ato complementar ou decreto-lei. O Congresso não precisava se flexibilizar tanto perante o Executivo. "Nem na ditadura eu senti nessa casa uma ingerência Como o senhor analisa o fato de termos, pela primeira vez, um presidente de esquerda e que, para muitos, tem uma das relações mais fisiológicas com o Congresso? Esse governo do PT me chocou. Eu fui assessor da primeira bancada eleita pelo PT durante dois anos, em 1983 e 1984. O líder era o Airton Soares. O que o senhor achou da experiência? Era muito engraçado por que o PT era chamado por muita gente como uma espécie de seita. Eu era um corpo estranho ali dentro. Eu topava muito com esses militantes. Uma vez, eu fiz até uma grosseria com um militante, que eu não posso falar quem é porque ele está hoje no alto. Esse militante questionou por que eu assessorava o PT e não era filiado ao partido. Eu respondi que o partido está procurando competência e não militância. Eu peguei minha pasta e saí pela porta. O Eduardo Suplicy saiu correndo atrás de mim até o estacionamento para me trazer de volta. Muita gente considera que o PT ainda não caiu na real. Não se percebem como governo. O que o senhor acha disso? Quando eu fui assessor do PT, toda quarta-feira havia uma reunião da bancada em que vinha o Lula. O Lula me pegava pelos corredores. Era Osvaldinho para cá e para lá. Ele me tratava com muito carinho. Depois que ele foi eleito, nunca mais tive oportunidade de chegar perto dele. Por causa disso, muita gente acha que eu sou petista. "O Lula me pegava pelos corredores. Gostaria que o senhor falasse sobre a falta de percepção de muitos petistas como governo. Aí que está! Tem uma parcela do PT que virou governo e outra está chocada como eu estou. Muita gente do PT deve estar chocada com o que o governo está fazendo. Eu sempre considerei um abuso o presidente da República editar muitas medidas provisórias e dizer que o culpado é o Congresso. Eu nunca esperei que o PT, no governo, fosse ser pior que os outros. O Lula já bateu o recorde de medidas provisórias. Surpreendeu o senhor o modo do PT negociar com o Congresso, trocando cargos por votos? Eu acho que, para governar, você tem que fazer governos. Agora, o que estão fazendo é tudo que o PT combatia. Essa troca de verbas, essa liberação de verbas na hora de votações e essas situações de nego trocando cargos por votação… "O que estão fazendo é tudo que o PT combatia. Essa troca de verbas, essa liberação de verbas na hora de votações e essas situações de nego trocando cargos por votação…" O senhor veio do Rio de Janeiro para Brasília? Não, quando eu fiz concurso para a Câmara, em 1963, ela já estava em Brasília. Quando houve o golpe, em 1964, eu já estava aqui. Me aposentei em 1991 e continuei trabalhando no PMDB como assessor. Que avaliação que o senhor faz dos jornalistas, principalmente dos repórteres de política? Antigamente, o jornalista era menos fofoqueiro e mais analista. Eles viviam essa casa. O Flamarion (Flamarion Mossri, jornalista falecido recentemente), por exemplo, vivia na casa. Acompanhava tudo e fazia análise. "Antigamente, o jornalista era menos O que o Ulysses Guimarães falou para o senhor antes de morrer? O doutor Ulysses era uma pessoa muito alta. Algumas vezes eu passava por ele e o doutor Ulysses me dizia: “Bom dia”. Outras vezes, ele nem sabia quem eu era. Ele foi presidente da Câmara, subia as escadas e dizia bom dia. Outras vezes, quando ele estava presidindo uma sessão, perguntava: “quem é aquele de bengala?”. Tinham que dizer que era eu, o assessor do PMDB. Na época do impeachment, eu fui chamado pela presidência da Câmara para ajudar. Eu participava de todas aquelas reuniões, preparando o processo de impeachment para evitar que houvesse uma derrubada no Supremo Tribunal Federal. O velho Ulysses participava de todas essas reuniões porque era presidente do PMDB. No dia da votação, quando a Câmara autorizou o processo, eu estava saindo à noite, o doutor Ulysses vinha entrando. No meio do caminho, o velho inclinou-se na minha direção e eu o cumprimentei pela vitória. Ele disse: “não, é o senhor que está de parabéns. O senhor é o oráculo do PMDB”. Logo depois, ele morreu. |
Deixe um comentário