Edson Sardinha
Habilidoso e seguro em suas declarações, o banqueiro Daniel Dantas reproduziu em seu depoimento conjunto às CPIs dos Correios e do Mensalão duas das principais qualidades que o tornaram uma das figuras mais controvertidas do cenário financeiro e político nacional. Mesmo respaldado por um habeas-corpus que lhe garantia o direito de silenciar diante de perguntas que pudessem incriminá-lo, Dantas não se calou. Se falou a verdade, ignora-se. Sabe-se apenas que não contou tudo o que sabe.
O Congresso em Foco ousa apresentar uma série de questões que ainda carecem de esclarecimento por parte daquele que é protagonista – no litígio com o Citibank e os fundos de pensão – da maior disputa comercial da história do país, algo em torno de R$ 16 bilhões.
Dono do Grupo Opportunity, Dantas é conhecido pela facilidade com que acumula negócios lucrativos, amizades influentes e inimigos mordazes. Foram essas “relações perigosas” que o conduziram ontem ao Congresso. Das contas das empresas Telemig e Amazônia Celular, controladas pelo Opportunity, saíram R$ 145 milhões que abasteceram as agências de comunicação do empresário Marcos Valério Fernandes, acusado de ser o principal operador do mensalão.
Leia também
Ao longo de todo o dia, o banqueiro negou qualquer envolvimento com o repasse de recursos ilegais para partidos políticos e com o empresário mineiro. Apesar da desconfiança do mercado quanto à elevada cifra, Dantas insistiu que o dinheiro teve como único objetivo o pagamento de campanhas publicitárias feitas para as duas empresas de telefonia.
Contestou a informação de que teria enviado Valério a Lisboa na frustrada venda da Telemig e da Amazônia Celular para a Portugal Telecom. Segundo o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), a transação resultaria em uma compensação financeira para o PTB e o PT. Dantas negou ter tentado se aproximar do ex-ministro José Dirceu e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares com a intenção de alterar o conceito do governo sobre o seu grupo – conhecido pela boa convivência com tucanos e, sobretudo, pefelistas. E mais uma vez demonstrou habilidade com as palavras: “Essa construção é coerente, só que não é verdadeira. Por conta da coerência, ela consegue asas para voar”.
Encarnação de Lúcifer
Cortejado por parlamentares do PFL e do PSDB que integram as duas CPIs, Dantas passou por poucos momentos de constrangimento durante o seu depoimento. Acompanhou um esboço de pugilato entre a senadora Heloisa Helena (PSOL-AL) e os deputados Eduardo Valverde (PT-RO) e João Fontes (PDT-SE), e ouviu da ex-líder do PT no Senado Ideli Salvatti (SC) uma declaração nada lisonjeira: “(Dantas) deveria estar preso há muito tempo”. A pré-candidata à presidência pelo PSOL foi além comparando-o a Lúcifer.
Confortável na condição de uma das maiores fortunas do país, o sempre discreto banqueiro baiano não dispensou a polidez britânica que o caracteriza nem mesmo para atacar o governo. Acusou o ex-presidente do Banco do Brasil Cássio Casseb de pressionar o Opportunity a abrir mão dos direitos do grupo com os fundos de pensão e disse que interesses políticos causaram prejuízos aos fundos de pensão. Um exemplo, segundo ele, seria o episódio da compra pela Brasil Telecom, em 2000, da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). O negócio, fechado por US$ 800 milhões, poderia ter saído por US$ 550 milhões, avaliou.
Fundos de pensão
A bilionária disputa pelo controle da Brasil Telecom foi parar nas CPIs da maior crise política do governo Lula por causa das suspeitas que pairam sobre os antagonistas de Dantas, os fundos de pensão, e das relações do banqueiro com Valério. Parlamentares desconfiam de que os fundos de pensão drenaram recursos para o esquema financeiro ilegal do PT por meio das aplicações feitas nos bancos Rural e BMG.
Qualquer revelação que comprometa os fundos de pensão pode ser encarada como um ponto a favor para os negócios de Dantas na disputa judicial com os fundos. O eventual comprometimento do banqueiro com irregularidades pode, por outro lado, selar definitivamente sua derrota na disputa pela Brasil Telecom.
Espionagem e guerra jurídica
A briga pela Brasil Telecom, que vem desde 2000, reúne ingredientes emocionantes. Envolve uma guerra jurídica incomum e até lances policiais. A Polícia Federal concluiu, por exemplo, que Dantas incorreu em crime ao violar o sigilo de seus adversários no conflito. Um deles é o ex-ministro Luiz Gushiken, apontado como figura influente sobre os fundos de pensão.
Outro personagem que aproxima Dantas dos escândalos investigados pela CPI atende pelo nome de Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil e ex-presidente do Conselho Consultivo da Previ. Ele se tornou, de uma para outra, um dos críticos mais notórios ao acordo firmado entre o próprio fundo de pensão dos funcionários do BB, a Petros (da Petrobras), a Funcef (da Caixa Econômica Federal) e o maior conglomerado financeiro do mundo, o norte-americano Citigroup. Pizzolato, que teria se aproximado recentemente do banqueiro, aparece como beneficiário de R$ 326,7 mil sacados das contas de Marcos Valério.
Dantas na defensiva
O acordo representa a vitória definitiva dos três fundos contra Dantas na disputa pelo controle da terceira maior companhia de telecomunicações do país, a Brasil Telecom, e de várias outras empresas privatizadas no governo Fernando Henrique, como a Telemig Celular, a Amazônia Celular, a Sanepar, o Metrô Rio e a Santos Brasil (que opera o terminal de contêineres do porto de Santos).
O Opportunity havia sido encarregado de gerir os investimentos dos fundos de pensão e do Citigroup em todas essas empresas, nas quais as fundações e o banco americano têm em conjunto a maioria do capital, e ainda na Telemar, da qual eles são sócios minoritários. Mas foi afastado da gestão sob a acusação de prejudicar os investidores em proveito próprio.
Com o acordo, as três entidades de previdência complementar conquistaram o direito, que Dantas lhes negava, de participar do bloco de controle das companhias de que são acionistas. A mais cobiçada é a Brasil Telecom. Além de ser a principal telefônica das regiões Sul e Centro-Oeste do país, ela controla várias empresas importantes, como os portais IG e Ibest.
Os entendimentos entre os fundos e o Citigroup são criticados, sobretudo, porque as fundações se comprometem a comprar a participação do banco na Brasil Telecom e na Telemar se não venderem o controle delas até novembro de 2007.
Mais suspeita
O preço fixado para a aquisição da participação na Brasil Telecom toma por base a estimativa de que a empresa valha R$ 12,5 bilhões. O valor, dizem os críticos, seria alto demais. Ocorre que a Telecom Italia, maior interessada em adquirir o controle da operadora de telefonia, apresentou ano passado ao Citi proposta com uma estimativa implícita bem mais alta, R$ 13,5 bilhões. O Citi cobra na Justiça indenização de US$ 300 milhões do Opportunity por perdas e danos.
Em entrevista publicada ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo, Dantas disse que sua convocação para a CPI não era exatamente política, mas comercial. “Há muito valor em jogo para ser apenas uma disputa política”, afirmou.
Em meio a essa guerra bilionária deslocada para o Congresso, algumas perguntas continuam encobertas pela habilidade do banqueiro com as palavras, o mundo político e os negócios.
Veja o que ainda falta a Dantas responder, a quem o Congresso em Foco se reporta:
– Analistas do mercado publicitário consideram elevado o valor de R$ 145 milhões pago pelas empresas Telemig e Amazônia Celular às agências de Marcos Valério por campanhas publicitárias. Como explicar essa suspeita?
– Durante o depoimento, o senhor disse que a versão de que teria tentado se aproximar do governo do PT para favorecer seus negócios era coerente, mas não verdadeira. O que faltou para a coerência se tornar, nesse caso, verdade?
– A aproximação com membros da cúpula do governo faz parte do jogo político e comercial do Opportunity?
– Grampos telefônicos revelaram, em 1998, a interferência do governo FHC no leilão da Telebrás para pressionar a Previ a entrar no negócio do Opportunity. Como o banco conseguiu que o BNDES, que era coordenador do processo de privatização, entrasse como investidor do fundo administrado pelo Opportunity e ainda financiasse boa parte do valor do leilão?
– O ex-presidente do Banco do Brasil Cássio Casseb foi um dos principais alvos da espionagem da Kroll Associates no Brasil. Para a Polícia Federal, a empresa quebrou sigilos bancários e teve acesso a informações fiscais dos investigados por orientação do senhor e da direção da Brasil Telecom. O senhor acabou indiciado pela PF por crime de formação de quadrilha, participação em corrupção ativa e de divulgação de segredo. Qual a relação entre esse caso e a denúncia feita pelo senhor, na CPI, de que Casseb teria lhe pedido para abrir mão dos direitos do grupo com os fundos de pensão?
– As negociações entre o Opportunity e a Telecom Italia envolveram a venda de ações minoritárias do grupo por preço considerado acima do valor de mercado e a retirada de ações jurídicas da Brasil Telecom contra os italianos. Por que a Telecom Italia pagou R$ 73 por ações que poderiam ser adquiridas na Bolsa de Valores por R$ 21?
– Pela retirada das ações, o Opportunity receberia US$ 65 milhões. Por que o Opportunity receberia ele mesmo indenização para retirar ações que eram do interesse da empresa Brasil Telecom e não do Opportunity?
– Por que o dinheiro não vai para a empresa que era autora das ações e era prejudicada pela Telecom Italia?
– O Citibank acusa o Opportunity de quebra de contrato, fraude, enriquecimento indevido e atuação profissional incorreta. O que falta para comprovar a sua inocência?
Deixe um comentário