Tanto tempo dentro do transporte público, chegando a pegar até cinco ônibus por dia, tem um preço alto. “A passagem de onde eu moro é a mais cara do Entorno, custa R$ 6,45. Dá R$ 12,90 por dia, mais os R$ 7 do coletivo para o Aeroporto, R$ 3,50 para ir e voltar. Minha passagem dá, ao todo, mais de R$ 400 por mês. É o cúmulo do absurdo. E você ainda anda parecendo bicho. Tem dia que não consigo me mexer dentro do ônibus, de tão lotado”, reclama ela.
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O caos no transporte público em Brasília, que se repete em quase todas as cidades do país, e suas possíveis soluções serão discutidos, no próximo sábado (20), na cidade de Santa Maria (DF), a 26 km do Plano Piloto. O debate “Transporte coletivo em Brasília. Tem solução?” é promovido pelo Congresso em Foco, com o apoio do Observatório Social de Brasília (OSBrasília), da ONG Café com Política e da rede DF em Movimento. O encontro, marcado para as 14h, será feito no ginásio poliesportivo do Setor Central de Santa Maria. Qualquer pessoa pode participar gratuitamente. A iniciativa faz parte da série Diálogos Congresso em Foco, que tem debatido importantes temas para a sociedade em busca de soluções para os problemas.
Para Everardo Aguiar, representante da rede DF em Movimento, a qualidade, a fiscalização e a transparência são fatores fundamentais para um transporte coletivo mais eficiente, coisa que ainda não acontece em Brasília. Daí a importância de se discutir o tema com a população da capital federal, além do Plano Piloto. “As pessoas têm o direito de circular, de ir e vir aonde quiserem, a hora que for possível. Fazer um debate sobre esse tema em qualquer localidade, e no caso especial de Santa Maria, é muito importante. É uma cidade que cresce de forma assustadora, com muita gente, e o uso de transporte de massa é necessário. Isso é sair do Plano Piloto, de Taguatinga, de Ceilândia, e ampliar esse debate para todo o DF”, constata.
Ele cobra da administração pública mais transparência, principalmente com relação ao que é investido no transporte público. “As licitações, os custos, quantas pessoas utilizam de forma gratuita, quantos jovens, estudantes, idosos, deficientes. É muito importante esses dados estarem disponíveis de forma transparente para a população. Uma outra dificuldade que encontro, e eu sou usuário do transporte coletivo, é que não tem fiscalização. Você não sabe a hora que passa o ônibus. Às vezes passam dois, três ônibus da mesma linha, e depois passa meia hora sem ter outro. É importante que os pontos de ônibus não sejam apenas um lugar onde as pessoas ficam aglomeradas esperando o transporte, que sejam locais que também tenham informação, sobre que ônibus vai passar, qual o horário. Isso é uma coisa básica que a gente não consegue resolver, e não é de hoje”, considera.
Problemas eternos
O drama comum à Marilda e Everardo é o mesmo compartilhado pelos cerca de 700 mil passageiros que fazem uso do transporte coletivo diariamente no Distrito Federal, segundo dados da Agência Brasília. Mesmo com os recentes investimentos feitos pelo Governo do DF em novas linhas, renovação da frota de ônibus e criação do Bilhete Único, por meio do programa Circula Brasília, as reclamações continuam as mesmas: não existem linhas suficientes, os veículos estão sucateados, as passagens são caras, o tempo de espera é elevado e os horários são imprevisíveis, tanto de ônibus como de metrôs.
“A maior dificuldade que a gente passa no transporte público de Brasília é pegar o ônibus, porque não tem”, desabafa a jornaleira Francisca Raimunda, de 41 anos. Moradora de Brazlândia (DF), cidade localizada a 45 km do Plano Piloto, ela tem de estar na Rodoviária de Brasília às 5h30 todos dias para conseguir chegar ao trabalho às 6h30. A situação se agrava nos meses de férias, como janeiro, fevereiro, julho e dezembro, quando o número de ônibus nas ruas cai de 20 a 30%.
“Está pior ainda. O ônibus demora a passar e não tem horário. Isso prejudica e muito no trabalho. Não é à toa que prefiro chegar aqui às 5h30 a pegar outro ônibus para chegar atrasada. Para variar, os ônibus ainda vêm quebrados. Já foram três vezes só nesta semana. A gente fica ali no meio do nada, às 4h da manhã. É perigoso, tanto para os cobradores e motoristas quanto para os passageiros. A passagem é cara, mas para melhorar o serviço eles não fazem nada. Gastar quase R$ 300 por mês de passagem é complicado. Mas a gente tem de aguentar e ficar calado”, critica.
Criador do portal Gama Cidadão, o jornalista Israel Carvalho sente na pele os problemas que os cidadãos da cidade e regiões adjacentes, como Santa Maria, vivem com o transporte público, principalmente quando se fala no BRT, sigla para Bus Rapid Transit. “A situação aqui é muito ruim, e o problema é de gestão mesmo. Eu passei por isso, outras pessoas reclamam também. As pessoas não conseguem gerar o cartão no DFTrans para circular. Por exemplo, se a pessoa perder o cartão e precisar ir lá para carregar um novo, ela não pode. Tem que cancelar o antigo, e isso leva dois dias. Ou seja, nesses dias ela não transita”, explica.
Linhas removidas
Os problemas, segundo ele, não param por aí. “Além disso, falta investimento, eles removeram muitas linhas de ônibus. A reorganização com essa implementação do BRT nas cidades do Gama e de Santa Maria ficou desfalcada, porque tinham muitas outras linhas circulando ali dentro. A gente tem reclamação de usuários que sentem falta de linhas que passavam lá. Eles ficaram desassistidos. Nos terminais também falta organização, principalmente quando se fala nas pessoas especiais, cadeirantes. É preciso uma capacitação técnica para os rodoviários”, avalia Carvalho.
A desorganização também foi apontada como principal problema do transporte público de Brasília pela personal trainer Ana Kalliany, de 26 anos. Moradora de Ceilândia, a 26 km do Plano, ela reclamou da imprevisibilidade dos horários e da falta de informações sobre o trajeto dos ônibus.
“Eu entro às 7h no serviço, mas, se eu não pegar o ônibus às 5h, não consigo chegar na hora. Não é porque é tão longe, o problema é que ou você pega o ônibus muito cedo, ou ele só vai passar muito tarde, o que junta com o engarrafamento. Até mesmo no site que eles têm, as informações não são muito claras. Quando mudei de emprego, entrei várias vezes na página e tive uma dificuldade absurda para descobrir quais os ônibus que passavam, quais eram as melhores opções para mim. Até hoje eu não consigo saber quais são as melhores opções”, destaca.
Mudança de foco
Para o presidente da Associação dos Usuários de Transporte Público do Distrito Federal (Autrac-DF), Vidal Guerra, os planos de mobilidade de Brasília não foram feitos pensando nas pessoas, mas nos empresários do setor. “Houve uma renovação da frota, mas os ônibus são menores, pegam menos passageiros, e não existe nenhuma fiscalização no que diz respeito ao cumprimento de horários. Nós não tivemos nenhuma melhoria substancial nesse setor. Muita gente tem perdido o emprego em função disso, desse atraso. O funcionário chega atrasado no trabalho e o patrão às vezes não quer nem saber se foi uma questão do transporte ou se é realmente negligência do trabalhador”, justifica.
“Por se tratar do Distrito Federal, da capital da República do Brasil, o transporte público tinha que ser um modelo em tudo. O serviço tinha que ser de primeira qualidade, mas, na verdade, não é. O transporte de Brasília deixa muito a desejar. É um constrangimento e um sofrimento para quem depende dele”, acrescenta Guerra.
Coordenador-geral da ONG Rodas da Paz, Bruno Leite acredita que a solução para desafogar o transporte público do DF passa pela valorização das pessoas, e não dos veículos.
“Brasília ainda prioriza o transporte individual. Hoje, uma cidade moderna tem que ter como foco transportar pessoas, e não veículos. O transporte público, seja o metrô, o ônibus, ou mesmo o transporte ativo, que é a bicicleta ou o pedestre, é muito mais eficiente em termos de deslocamento de pessoas do que o carro. As grandes obras de Brasília hoje, na parte de mobilidade, ainda são voltadas para os carros. A partir do momento que ela não dá um transporte coletivo de qualidade, as pessoas acabam se vendo obrigadas a utilizar o carro”, avalia.
Perda de espaço
É o que confirma a pesquisa “Mobilidade da População Urbana 2017”, realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em parceria com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). De acordo com o levantamento, o ônibus já deixou de ser usado como principal meio de transporte por 38,2% da população do país. As principais razões apontadas foram a falta de flexibilidade dos serviços ofertados, o alto preço das tarifas e o desconforto do sistema de transporte público.
No DF, essa desproporção é ligeiramente maior. Quatro em cada dez brasilienses usam o carro para ir ao trabalho, o equivalente a 41%. O transporte coletivo aparece em segundo lugar, com 38% da preferência. Os dados são da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), feita pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
Procurada pelo Congresso em Foco, a Secretaria de Mobilidade (Semob) informou que trabalha em conjunto com a Subsecretaria de Fiscalização, Auditoria e Controle (Sufisa) para identificar as linhas de ônibus que apresentam problemas. Caso alguma das normas seja descumprida, a empresa responsável é autuada. A população também pode relatar os problemas para a Ouvidoria do GDF, ligando para o 162. Afirmou também que foram criadas 64 linhas de ônibus no Distrito Federal desde 2015 por meio do programa Circula Brasília. Os itinerários desses coletivos atendem regiões administrativas como Brazlândia, Ceilândia, Guará, Paranoá, Riacho Fundo II e Santa Maria. Desse total, 21 são de 2015; 13, de 2016, e 30, de 2017.
Sobre o horário dos ônibus, a assessoria da Semob afirmou que as informações se encontram disponíveis no site do DFTrans. Acrescentou ainda que o GPS na frota de Brasília, para monitorar o trajeto dos veículos, está em fase de implementação, e ainda dentro do prazo estabelecido pelo Governo do Distrito Federal.
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