Em ação civil pública protocolada no último dia 10, o Ministério Público Federal na Bahia pede à Justiça a suspensão das obras do edifício La Vue Ladeira da Barra, pivô da saída do diplomata Marcelo Calero do comando do Ministério da Cultura. Com base em pareceres do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA), o procurador Pablo Coutinho Barreto alega que a “excessiva altura do empreendimento compromete a visibilidade e a ambiência de bens tombados” e põe em risco o investimento dos compradores das unidades habitacionais do prédio.
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Em entrevista à Folha de S.Paulo, Calero disse que entregou o cargo devido à pressão que recebeu do ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, para que o Iphan liberasse a obra. O ex-ministro afirmou que o próprio Geddel lhe contou, em duas oportunidades, ser proprietário de um imóvel no edifício. O chefe da articulação política do governo Michel Temer confirma que fez o pedido, mas nega ter pressionado o colega. Uma unidade no prédio de luxo custa de R$ 2,6 milhões a R$ 4,7 milhões.
O procurador ressalta, na ação civil pública (leia a íntegra), trecho de parecer do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam), instância do Iphan que zela pelo patrimônio cultural brasileiro de natureza material, para recomendar a paralisação das obras. Além da praia da Barra, também podem ser prejudicados pela construção, conforme o documento, sítios históricos como a Igreja e o Outeiro de Santo Antônio e o Forte de Santa Maria.
“Frente aos novos estudos realizados pelo Depam – reconhecer que o edifício residencial La Vue, em função de sua excessiva altura (97,88m, com 23 pavimentos tipo, dois duplex de cobertura, dois pavimentos sociais e três pavimentos de garagem), interfere claramente na paisagem urbana da praia da Barra (conforme comprovado pelas vistas aéreas ou tomadas do mar). comprometendo a visibilidade de, pelo menos, três bens tombados pelo Iphan: a Igreja de Santo Antônio, o Outeiro de Santo Antônio e o Forte de Santa Maria (conforme comprovado pelas sequências visuais produzidas). Especialmente em relação ao Outeiro, cabe salientar que o empreendimento impacta diretamente nos valores paisagísticos que justificaram o seu acautelamento”, destaca o Ministério Público Federal.
O procurador Pablo Coutinho pediu, além da suspensão das obras e da venda dos imóveis, que as construtoras depositem em juízo o valor obtido com as unidades já comercializadas para evitar possíveis danos aos proprietários. Uma das saídas apontadas por ele é a revisão do projeto para que o edifício tenha o equivalente a 20 andares, altura que não causaria prejuízos ao conjunto arquitetônico e urbanístico da região.
Incompatível com valores culturais
No último dia 16, a presidente nacional do Iphan, Kátia Bogéa, assinou parecer derrubando a autorização dada pela direção do órgão na Bahia. Kátia determinou o embargo das obras com base em parecer técnico da Câmara de Análise de Recursos do Iphan. O documento, segundo ela, é “contundente” ao afirmar que é “grande e prejudicial o possível impacto da construção do empreendimento sobre bens tombados em seu entorno”. Conforme o despacho, o estudo técnico mostra, “de modo incontestável”, que a construção do La Vue é “incompatível com os valores culturais atribuídos a estes bens”.
Em entrevista à Folha, Geddel admitiu ter feito pedido ao então ministro da Cultura para que o Iphan revisse sua posição em relação ao embargo da obra, mas negou que tenha feito pressão ou ameaçado procurar Temer para destituir a presidente do instituto. Segundo ele, seu objetivo era garantir os empregos gerados com o empreendimento em tempos de crise. Já Calero contou que o ministro ameaçou recorrer a Temer para destituir Kátia do cargo caso ela não liberasse a construção.
Apoio e confiança
“Em 2015, eu fiz uma promessa de compra e venda de uma unidade que estava lançada, sem nenhum problema, com todas as licenças colocadas e que vários outros adquiriram uma unidade de apartamento. O que não me tira, me dá legitimidade para levar a ele um problema por conhecer o que estava ocorrendo, estar preocupado, como todo cidadão fica preocupado em uma situação dessa. O que fica muito distante de pressão indevida. Tanto que o que prevaleceu foi a posição dele.” O ministro disse, ainda, que conversou com o presidente Michel Temer neste sábado e recebeu “apoio” e “confiança” do colega de partido.
Neste sábado, o deputado federal Jorge Solla (PT-BA) anunciou que apresentará requerimento de convocação de Marcelo Calero para que o ex-ministro da Cultura explique, em uma comissão da Câmara, as pressões que disse ter recebido de Geddel para liberar a construção.
“É uma expressa acusação de crime, tipificado no Artigo 319 do Código Penal, que trata da prevaricação, com pena de um a três anos de prisão. Se Calero acusou outro ministro de Estado ao sair, é um caso muito grave e precisa comprovar o que diz para que o caso tenha a consequência devida à luz do interesse público”, afirma o deputado.
A construção enfrentou resistência desde o início. Um parecer do Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização, composto por técnicos do Iphan, do Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (Ipac) e da Secretaria Municipal de Urbanismo se posicionou contra o empreendimento. Com base em parecer individual de um coordenador-técnico do Iphan na Bahia, a prefeitura de Salvador, comandada por ACM Neto (DEM), aliado de Geddel, autorizou a obra.
O Congresso em Foco tentou falar com Geddel, mas não conseguiu. Os donos do empreendimento não foram localizados pela reportagem.
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