Andrea Vianna
Pouca gente percebeu, mas a pergunta está na pauta da convocação do Congresso: os pais podem ou não dar palmada nos filhos? Depois de apanharem em público por causa dos ganhos extras com a convocação, os deputados poderão votar, já no retorno aos trabalhos, uma proposta que proíbe os adultos de darem palmadas, tapinhas ou chineladas nos filhos, em qualquer situação. Nem mesmo sob o argumento de que é para educar.
Incluído na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o Projeto de Lei 2654/03, da deputada Maria do Rosário (PT-RS), parte do pressuposto de que a agressão física, por mais leve que seja, deseduca e, por isso, deve ser proibida. Apesar de não prever a perda da guarda dos filhos, a proposta estabelece, entre outras punições, o encaminhamento dos pais a programas oficiais ou comunitários de proteção à família.
“Não se trata da criminalização da violência moderada, mas da explicitação de que essa conduta não condiz com o direito”, assinala Maria do Rosário na justificativa do projeto. O polêmico “Projeto da Palmada” acrescenta novos dispositivos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para tachar como ilícito qualquer castigo físico aplicado a crianças e adolescentes, ainda que sob o pretexto de educá-los.
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Segundo a proposta, que não precisa ser apreciada pelo Plenário, o menor tem o direito de não ser submetido a qualquer forma de punição corporal, sejam castigos moderados (tapinhas e afins) ou imoderados (espancamento, surras de cinto), em casa, na escola ou em locais públicos, por parte de pais, responsáveis legais ou professores.
Proteção legal
A proposta tem respaldo na própria legislação brasileira e em leis internacionais. O ECA já ressalva, no artigo 5º, que meninos e meninas não podem ser vítimas de qualquer tipo de violência. E a Convenção Sobre os Direitos da Criança, tratado internacional do qual o Brasil é signatário desde setembro de 1990, também exige, no artigo 19, que os Estados-membros das Nações Unidas se empenhem em proteger crianças e adolescentes contra agressões de qualquer natureza.
O projeto também modifica o Código Civil, dispondo que compete aos pais exigir dos filhos menores, sem o uso da força física, que lhes prestem obediência e respeito e cumpram os deveres inerentes à sua idade e condição. Mas a principal mudança, segundo a autora do projeto, é cultural. “Assim como o castigo físico foi punido das escolas há cerca de 50 anos e assim como se mudou o olhar para a violência contra a mulher, vai mudar a visão dos pais quanto aos castigos físicos sobre os filhos”, diz Maria do Rosário.
“Enquanto a lei tem coibido a violência praticada contra adultos, nas mais diversas formas, a violência contra crianças tem sido admitida, disfarçada de recurso pedagógico. O castigo físico imposto a uma criança, ainda que ‘moderado’, constitui ato de violência, com traumas significativos”, frisou a deputada Sandra Rosado (PSB-RN), relatora do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“Se uma pessoa for esbofeteada, com o objetivo de se atingir a sua honra, estará caracterizado o crime de injúria real, em que a violência física, ainda que moderada, constitui elemento objetivo do tipo penal”, lembrou a deputada, equiparando os tapas na face de um adulto aos tapas e palmadas desferidos pelos pais ou responsáveis contra os menores sob sua responsabilidade.
Violência banalizada
No parecer que apresentou à Comissão de Seguridade Social e Família, a deputada Teté Bezerra (PMDB-MT) destacou que, “embora nossa cultura e senso comum encarem as ‘palmadas’ como instrumento corretivo ou preventivo, ela encerra um problema maior, que é a banalização do uso da violência como meio de solucionar conflitos”. Segundo ela, essa forma de violência, ainda que vista como moderada, pode ter reflexos negativos no desenvolvimento da criança.
Conscientização
Para erradicar ou tentar conter a prática da punição corporal dos pais aos filhos, o “Projeto da Palmada” aposta na conscientização. De acordo com a proposta, os governos ficam responsáveis pela realização de campanhas educativas sobre a ilegalidade da violência, seja ela em doses moderadas ou excessivas, e de divulgação de canais de denúncias de agressões.
O projeto prevê, ainda, que passem a constar dos currículos de escolas do ensino fundamental e médio disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente.
“Queremos que o Estado proporcione aos pais informações para que substituam a palmada por outras formas de educação, de caráter afetivo e de proteção, e nunca por coerção física”, afirma a deputada Maria do Rosário, que defende o caráter pedagógico e não punitivo do projeto. Segundo a petista, a idéia não é punir os pais, mas estimular o poder público, por meio das escolas, postos de saúde e outras instituições públicas, a propor formas educacionais alternativas para que os pais imponham limites aos filhos sem agressão física.
Denúncias
Caso o projeto seja transformado em lei, as denúncias poderão ser feitas nos Conselhos Tutelares dos Juizados da Infância e da Juventude. Nas cidades onde não houver os Conselhos, a pessoa deve buscar as promotorias de Justiça, as delegacias de polícia ou as próprias escolas, que já têm poder para encaminhar essas denúncias. Pela proposta, qualquer pessoa pode denunciar, vizinho, amigo, parente, desde que, de acordo com sua convicção pessoal e senso de limites, considere haver abuso nos castigos impostos à criança ou ao adolescente.
Na hipótese de se verificar a punição corporal do menor de 18 anos, o autor da agressão ficará sujeito às penalidades previstas no artigo 129 do ECA. Em outras palavras, os pais agressores poderão ser encaminhados a programas oficiais ou comunitários de proteção à família, ou a cursos de orientação a pais e educadores. Pela proposta, os pais também podem ser submetidos a tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, assim como a criança agredida.
Tramitação
Apresentado na Câmara em dezembro de 2003, o “Projeto da Palmada” passou pelas comissões de Educação e Cultura, e de Seguridade Social e Família. Está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde o deputado Paulo Afonso (PMDB-SC) pediu vista do parecer da deputada Sandra Rosado. A análise da proposta deve ser retomada durante a convocação extraordinária. Caso seja aprovado, o texto será encaminhado diretamente ao Senado.
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