Daniela Lima*
A opinião pública está colocando o Congresso em xeque. Essa é a avaliação que especialistas fazem das manifestações do eleitorado após as revelações sobre o descontrole nos gastos e no uso das passagens aéreas dos parlamentares. Nas últimas três semanas, este site mostrou em uma série de reportagens como deputados e senadores presentearam parentes e amigos com bilhetes aéreos pagos com dinheiro público.
Ouvidos nas últimas semanas pelo Congresso em Foco, cientistas políticos avaliam que o parlamento tem dois caminhos a tomar. Numa direção, podem aproveitar o atual momento para implentar medidas de moralização da política brasileira. Na outra, ignoram os anseios da população e ajudam a consolidar conceito de que o Legislativo poderia ser banido do atual sistema político.
As mudanças nas regras decididas na Câmara e no Senado depois das denúncias demonstram que, pelo menos por enquanto, os parlamentares compreenderam a importância da opinião pública. “Os eleitores estão enviando um sinal ao Congresso de que não vão mais sustentar esse tipo de conduta. Essa indignação está extrapolando as colunas dos jornais. E os parlamentares estão sentindo”, explicou o cientista político Octaciano Nogueira, professor da Universidade do Legislativo (Unilegis).
Nogueira avalia ainda que entre os congressistas existe um movimento em função de normas mais transparentes e confiáveis, quando o assunto é o dinheiro público. “Há gente lá dentro indignada. Não os que pertencem à cúpula, mas deputados e senadores que estão vendo seus projetos políticos ameaçados pela crise”, ressaltou.
Os especialistas defendem que apenas uma reforma efetiva poderia melhorar a imagem do Congresso. “Quando o [presidente da Câmara, Michel] Temer anunciou as mudanças na norma da emissão de passagens, ele resolveu falar em mudar para não mudar. A única solução viável seria emitir passagens nominais apenas para os deputados, excluindo cônjuges e dependentes”, defende o também cientista político David Fleisher.
Resposta
Para Fleisher, essa crise agravou a avaliação do Congresso por parte da população. O cientista afirma que “antes dessas denúncias o Legislativo já tinha uma péssima avaliação, mas as novas denúncias agravaram o quadro”. “Mostrou que há uma máfia, uma quadrilha, dentro da Câmara e do Senado, que age em proveito próprio e que a culpa é dos próprios parlamentares, que não fazem uma fiscalização adequada”, afirma Fleisher.
A pouca credibilidade do Legislativo, segundo avalia Nogueira, pode causar uma revolução no Congresso, que vai partir do eleitorado. “O fechamento do Congresso é uma coisa inaceitável, um retrocesso. O que se pode esperar é o resultado disso nas eleições. O deputado que comete irregularidade pode até não ser cassado pela Câmara, mas um parlamentar cassado pelo povo não volta mais”, acredita.
Na avaliação do doutor em Ciências Políticas e colunista deste site Rogério Schmitt, essa maturidade do eleitor deve ainda demorar. Rogério afirma que é muito cedo para prever qual será a resposta vinda das urnas, mas aposta que essa crise – considerada por ele uma das cinco maiores da história do Congresso desde a ditadura – terá mais respostas dentro do próprio Congresso do que nas ruas.
“Não apostaria em um abalo estrutural, que deixaria marcas profundas. É ainda prematuro desenhar um cenário de crise estrutural. Essa crise é conjuntural”, defendeu. “Seria uma crise estrutural se tivesse explosão de votos em brancos e nulos, taxa de renovação acima da média, em que não fossem reeleitos a maioria dos atuais deputados e senadores. Mas acho que é muito cedo para afirmar isso”, completou.
Mudanças
Para Fleisher, um dos motivos que faz com que essa crise não resulte em mudanças estruturais profundas é a impunidade. O cientista compara o sistema político brasileiro e sistema norte-americano e afirma que, no Brasil, o mandato do parlamentar é usado, muitas vezes, para beneficiar o eleito com o foro privilegiado.
“Nos Estados Unidos, com um abaixo assinado de 2% da população um parlamentar pode ser investigado. E lá ele pode ser condenado por tribunais de primeira instância. Pode recorrer, mas vai recorrer da cadeia”, compara. “No Brasil, o que acontece é que a imunidade foi associada à impunidade. Muitas vezes, o mandato é usado por gente que quer escapar de julgamentos e se apoia no cargo para ter foro privilegiado”, explica.
O pesquisador defende que o eleitor brasileiro pode sim conceber a possibilidade de um regime sem o Legislativo. Ele afirma que todas as vezes que surgem esses “desmandos”, a credibilidade dos legisladores cai ainda mais.
“Isso é preocupante, pois cria na população o sentimento de que, talvez, um regime sem o Legislativo seria melhor”, alerta. “Os jovens de hoje não viram a ditadura, não a conheceram. Poucos se lembram dela. E é em momentos como este que esses conceitos ressurgem. E está nas mãos dos parlamentares adotar medidas moralizadoras que venham a coibir a disseminação desses ideais”, avalia Fleisher.
Contrário à tese de fechamento do Congresso, o cientista Rogério considera que a população é vulnerável a momentos de crise e ondas de indignação, mas que o fim dos trabalhos Legislativos não chegam a ser uma proposta viável, porque o papel do Congresso já está consolidado na democracia.
“Talvez essa decisão teria tido apoio a 10, 15 anos atrás. Hoje não tem fundamento, porque a democracia vem crescendo e fechar o Congresso é favorecer a ditadura. Acredito que no Brasil a democracia está consolidada e esse pesadelo de fechar o Congresso, apesar de assustar um pouco, não é nada viável. Nem por tentativa própria do Congresso nem por parte da sociedade”, considerou.
* Colaborou Renata Camargo
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