A Folha de S. Paulo publicou, nessa quarta-feira (10), o debate entre Ivo Herzog, filho do Vlado, e José Maria Marin, o mau-caráter que secundou um ataque feito na Assembléia Legislativa contra a “infiltração comunista” na TV Cultura. Os dois artigos podem ser acessados, na íntegra, aqui. Marin está certo ao dizer que a repressão ditatorial não precisava de tais estímulos para agir como agia. É o que sempre afirmei: a operação contra os inofensivos e manjadíssimos esquerdistas da emissora estatal de São Paulo não passou de uma provocação.
Em 1975, quando a paz dos cemitérios já fora imposta ao país, o ditador Geisel pretendia desativar o DOI-Codi que, além de haver-se tornado desnecessário, era um dos responsáveis pela péssima imagem do Brasil no exterior. Seus integrantes, contudo, tudo faziam para não perderem as benesses de que desfrutavam – principalmente a divisão entre si do que apreendiam com os militantes e as gratificações recebidas de empresários canalhas.
Então, prendendo Vladimir Herzog e outros jornalistas com os quais até então não se haviam incomodado, os torturadores tencionavam fazer um dramalhão mexicano sobre o imenso risco que os paulistas estariam correndo ao ficarem expostos às deletérias transmissões subversivas da TV Cultura e sua enorme audiência média… de 1%!
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De quebra, acreditavam que, sendo o Vlado muito querido na USP, o movimento estudantil sairia às ruas para protestar, dando-lhes um argumento a mais para alegarem que seu infame trabalho ainda era imprescindível para a ditadura.
Quando o tiro saiu pela culatra e a morte de Herzog (um óbvio acidente de trabalho: todos que éramos torturados com descargas elétricas estávamos sujeitos a enfartar, caso tivéssemos o menor problema cardíaco) provocou imensa indignação, um que apanhou as sobras foi o jornalista Cláudio Marques: no igualmente desimportante Diário Comércio & Indústria, ele fizera campanha contra “os comunistas” da TV Cultura. Execrado pelos colegas, desceu a ladeira tão rapidamente quanto subira.
O Cláudio Marques 2 é José Maria Marin, pelo aparte que deu em apoio à diatribe anticomunista de outro puxa-saco dos militares, o deputado Wadih Helu; e também por haver, em discurso próprio, rasgado seda para uma das figuras mais infames dos anos de chumbo, o delegado Sérgio Fleury, tocaieiro do Marighella.
Eu não considero Marques e Marin responsáveis factuais pelo assassinato do Vlado; mas, responsáveis morais, indiscutivelmente, ambos são. Seria o mesmo que um jornalista e um parlamentar do III Reich virem a público pedir medidas contra os judeus. O fato de que Hitler já estava determinado a exterminá-los não eximiria tais personagens de terem se portado da forma mais abjeta possível.
Marin argui a própria insignificância como atenuante: “É sabido por todos que atuavam naqueles tempos que os deputados não tinham o menor poder sobre os órgãos de Estado”.
Então, se não tinha poder real nenhum, por que ele se empenhou tanto em ser visto… como um vil dedo-duro?! Ao invés de uma defesa, esta é uma agravante. Diz muito sobre o caráter dos cúmplices menores da ditadura, aqueles que surfavam na onda do totalitarismo apenas para colherem benefícios pessoais, indiferentes aos horrores que coonestavam.
Está certíssimo o Ivo Herzog: alguém com tal pequenez moral não pode, jamais, representar-nos no evento máximo do futebol mundial.
Portanto, subscrevo o parágrafo final do seu artigo e assino embaixo:
“Pensar em recompensar um desses personagens com a glória de ser o responsável por receber o mundo em nome do povo brasileiro na ocasião da Copa do Mundo é inaceitável. Intolerável. A Copa do Mundo é nossa. Não do Marin”.
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