Daniela Lima
“Como pode um parlamentar usar dinheiro público para pagar passagens aéreas para amantes, namoradas e sogras? Para festa de carnaval fora de época? Isso é falta de educação com o povo, que vive amontoado em ônibus e trens lotados, sem segurança, sem saúde, e, o pior, sem uma educação de qualidade.”
A afirmação acima é de um dos leitores do Congresso em Foco, Mário Liberato. Assim como ele, outras centenas de eleitores reagiram com comentários críticos às revelações exclusivas deste site de que parlamentares e outras autoridades promoveram, com dinheiro público, um tour pelos destinos mais valorizados do Brasil e do mundo.
Miami, nos Estados Unidos; Milão, na Itália; Paris, na França; Natal, no estado do Rio Grande do Norte. Esses foram alguns dos lugares visitados por deputados, senadores, ministros, seus familiares, assessores e amigos. Viagens pagas pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por meio da cota de passagens aéreas.
Diante de uma sucessão de escândalos, o leitor cobrou, além de respostas, mudanças. “A Câmara tem que tomar medidas imediatamente, punindo os responsáveis por esses desvios. Não pode legalizar essa rotina. Os dependentes legais (dos parlamentares) não foram eleitos pelo povo”, protestou o leitor Hércules Alves.
Os leitores se mostravam indignados mesmo antes de tomarem conhecimento das viagens da apresentadora de TV Adriane Galisteu pagas pela Câmara com autorização do deputado e namorado Fábio Faria (PMN-RN). Pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em março deste ano, mostrou que 37% dos eleitores brasileiros rejeitavam o Congresso Nacional.
O percentual preocupa especialistas, que aconselham: os números deveriam ser observados com mais cautela pelos parlamentares. “O percentual da população descrente na democracia cresce no Brasil. Isso é assustador. Esses desmandos fazem o parlamento perder a credibilidade, e suscitam na população o pensamento da volta de um regime sem o Poder Legislativo”, pondera o cientista político David Fleisher.
Mudanças efetivas
A onda crescente de denúncias fez com que os dirigentes do Congresso anunciassem, na última quinta-feira (16), medidas emergenciais. Na Câmara, foi promovido um corte de 20% na verba de passagens dos parlamentares de todos os estados.
A redução nas benesses, no entanto, não atingiu familiares e assessores dos deputados. A nova norma, que tinha como missão aumentar a regulamentação, acabou legalizando o uso da cota parlamentar por cônjuges e dependentes diretos.
A medida emergencial não aplacou a insatisfação do eleitorado. Após o anúncio do corte na verba, o Congresso em Foco revelou a possível existência de uma rede de comércio ilegal de passagens aéreas da Câmara. Reportagem do site revelou revelou que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro da corte, Eros Grau, tiveram passagens emitidas em seus nomes pela cota da Câmara. Mendes comprovou que pagou as viagens do próprio bolso.
O ministro enviou à redação do site cópia de extrato do cartão de crédito. As viagens foram parceladas em cinco vezes. Mendes exigiu explicações do Congresso. Quis saber como passagens pagas por ele, foram cobradas também da Câmara.
Após publicação da reportagem, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), instaurou sindicância para apurar o caso. No mesmo dia, o leitor Cássio Roberto Marques enviou ao site o seguinte questionamento: “Onde é que vamos chegar com toda essa bandalheira?”
Para o experiente cientista político, Octaciano Nogueira, a reação dos leitores deve ser interpretada como um alerta. “Basta observar os comentários para perceber que o eleitor está cada vez mais crítico. Que ele faz questão de dizer: ‘esse Congresso não atende mais às minhas expectativas’”, analisou o hoje professor da Universidade do Legislativo (Unilegis).
A constatação do especialista encontra apoio farto nas páginas deste site, onde o eleitorado indica que pode cobrar a conta dos parlamentares em 2010. “Nas próximas eleições para deputados e senadores não votarei mais em nenhum dos que estão envolvidos nesse tipo de procedimento, e que representem o meu estado”, escreveu um leitor que se identificou como Fred.
Mas há também os que não querem esperar até lá. “O povo brasileiro não sabe o poder que tem. Se pressionar, o Congresso pode mudar muito. Temos de começar”, provocou Luisa Maher de Pádua.
Se a força do regime democrático está nas mãos do povo, este se posiciona pela mudança, se mostra impaciente com o cenário atual. Diante informações prestadas pela reportagem do Congresso em Foco de que metade dos 23 líderes da Câmara utilizou a cota de passagens em viagens internacionais, o leitor entendeu que as falhas não se prendem a cores ou tendências partidárias.
“É possível que este modelo político esteja com os dias contados. Já existem murmúrios em vários guetos, e em encontros de intelectuais, que é necessário repensar a política e o seu modelo no Brasil. E não são os partidos que vão mudar isso. Esse modelo está tão podre que até os recém-formados como o PSOL, logo ingressam nos caminhos do benefício próprio de seus representantes”, defendeu leitor que se identificou como Merelim.
E completa: “É um novo modelo de governar e cuidar dos recursos públicos que vai garantir a ética e moral na política brasileira. A crise do sistema financeiro mundial pede mudanças. Façamo-las, em todos os níveis. Principalmente, atingindo a corrupção”. O recado está dado. E vem das ruas.
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