Desde pequenino, o que mais me toca nesse período do Natal é a armação do presépio: nas casas, nas igrejas, nas praças públicas. A cena bíblica, recriada por Francisco de Assis no século XIII, comove por conter elementos que nos constituem: a terra, o abrigo precário – curral ou gruta –, os animais (nossos parentes). Um homem, uma mulher; os magos, mais que reis, que chegam do Oriente. A estrela da noite e d´alva, do amanhecer: luz! E um anjo anunciando a utopia de um Deus Menino que é sinal de “paz na Terra às pessoas de boa vontade”.
Desde pequeno, sempre me intrigou o berço, o cocho, a manjedoura vazia. Falta a criança! Com o tempo, fui aprendendo que aquela ausência também nos constitui. Somos carência, somos espera. Há zonas sombrias na nossa alma. Desconfio que muitos ficam tristes no Natal porque somos a nostalgia do que já recebemos e perdemos: ilusões infantis, entes queridos, amores, até mesmo conquistas profissionais. Somos nossas saudades. Somos também a dor do que aqui e agora nos machuca e faz sofrer.
Natal é redescobrir, entre sorrisos, afetos e lágrimas, que somos o que almejamos. Acresce-nos o que nos falta. Habita-nos o desejo do que ainda não chegou ou nunca chegará: parcerias fiéis, paixões imorredouras, reconhecimento, saúde perene, superação das injustiças e misérias do cotidiano.
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Para o que não tem solução, para os nós que não conseguimos desatar, armemos um presépio dentro de nós: com o que nos alegra, acalma e nutre, da gramínea que alimenta a ovelhinha aos corpos estelares que nos convocam ao Infinito. Dos portadores da magia que recria o mundo igualitário e fraterno ao casal sem teto, sem terra. Um José e uma Maria, despojados como os migrantes de hoje, como os desvalidos de sempre, mas, ao mesmo tempo, com tudo: o fruto mais bendito do ventre do seu e nosso amor.
Natal é a alegria da presença dos que amamos. É também o soluço escondido pelas perdas irreversíveis – tragédias, derrotas, incompreensões, frustrações, declínio físico, indiferença – que tanto queremos afastar do nosso presépio imaginário.Quero lhe convidar para suprir, então, o que falta na cena e na ceia, antes e depois da passagem do 24 para o 25 de dezembro. Traga em suas mãos a vela que aquece e o Cristo bebê, para acomodá-lo no berço de palha. Aquele a quem Fernando Pessoa tinha certeza de ser o Menino Jesus verdadeiro, pois “mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. O humano que é natural, o divino que brinca e sorri”.
Essa Criança há de seguir morando dentro de nós e nos animando, como é próprio dos miúdos que chegam. Até nas inevitáveis horas mais frias das noites vazias. Que esta seja de luz. Acenda-a dentro de você. Noite feliz: afinal, nascemos para renascer.
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