Em 13 de março de 1934, uma médica paulista fez história no Palácio do Tiradentes, sede da Câmara e da Assembleia Constituinte, no Rio de Janeiro, então capital federal do país. Naquele dia, Carlota Pereira Queirós se tornou a primeira mulher a ocupar a tribuna do Parlamento para se pronunciar. Decisão que tomou cinco meses após ser a única deputada empossada entre os 253 integrantes da Casa à época.
Nascida em uma família rica, Carlota entrou para a política se engajando na Revolução Constitucionalista de 1932, por meio da qual São Paulo se insurgiu contra o governo de Getúlio Vargas. Organizou, à frente de 700 mulheres, serviços de assistência aos feridos. Foi eleita com 5.311 votos, no primeiro turno, e com 176.916, no segundo (sistema de votação à época para a composição da Constituinte).
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Em seu discurso de estreia (leia a íntegra abaixo), ressaltou a importância daquele momento não só para ela, mas para todas as mulheres do país. “Apesar do silêncio que tenho mantido desde o início dos trabalhos desta Casa, cabe-me a honra com a minha simples presença aqui de deixar escrito um capítulo novo para a história do Brasil, o da colaboração feminina na política do país”.
Ainda em seu pronunciamento, a deputada atribuiu sua chegada ao Legislativo federal a uma “evolução” da sociedade que permitia à mulher avançar na conquista de direitos políticos e civis. “Não obtive o mandato por merecimento pessoal e nem guardo a impressão de o haver conquistado”, discursou. “A honra desta representação caberá sempre à mulher brasileira, de que me orgulho de ser apagada sombra”, acrescentou.
Segundo Carlota, era chegada a hora de a política brasileira se diversificar. “Se a voz feminina, interpretando os trechos clássicos da política nacional, não atingir as profundezas e a gravidade das vozes que têm ecoado neste recinto, produzirá ao menos vibrações novas, alcançando na sua agudez notas inéditas para os ouvidos, habituados a estas sessões.”
PublicidadeVisões divergentes
A primeira parlamentar brasileira nunca se assumiu feminista. “Nunca fui, nem sou feminista, entendendo-se por feminismo as mulheres que pediam o direito de votar e falavam em reivindicações. Partidária da emancipação da mulher pelo trabalho, adaptei a minha ideia”, disse a deputada, logo após sua eleição, em entrevista ao Globo. Preferia se referir a discussões “femininas”. E acabou tendo desentendimentos com outras ativistas à época, como Bertha Lutz, deputada eleita pelo então Distrito Federal na legislatura seguinte e um dos ícones do feminino no Brasil. Próximas inicialmente, as duas se afastaram gradativamente por visões divergentes sobre como deveriam pautar seus mandatos. Para Bertha, Carlota se distanciou da luta das mulheres ao encampar um discurso mais regionalista, em defesa dos interesses de São Paulo, em vez de se assumir como representante da população feminina.
Na Constituinte, Carlota fez parte da Comissão de Saúde e Educação, elegendo a alfabetização e a assistência social como suas prioridades. Foi de autoria dela o primeiro projeto sobre a criação de serviços sociais. Uma emenda da deputada viabilizou a criação da Casa do Jornaleiro e do Laboratório de Biologia Infantil. Após a promulgação da Constituição, em 17 de julho de 1934, ela teve o mandato prorrogado até maio de 1935. Reeleita pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, seguiu na Câmara até 1937, quando foi instaurado o Estado Novo (1937-1945).
Carlota lutou pela redemocratização e, depois, tentou sem sucesso voltar à Câmara. Em 1950, Carlota fundou a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, entidade que chegou a presidir. Em 1964, declarou apoio ao golpe militar que derrubou o então presidente João Goulart. A primeira deputada da história do país morreu em 1982, aos 90 anos, em São Paulo.
Leia abaixo o primeiro discurso feito por uma mulher no Parlamento brasileiro, da deputada Carlota Pereira Queirós em 1934:
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Todas as deputadas federais da história do país ocupariam apenas meio plenário da Câmara
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Aqui se vê a diferença inquestionável entre uma grande mulher e uma qualquer. Por um mundo com mais Carlotas (cheio delas !) e menos Berthas.