Por seis anos, de 2013 a 2019, Camila de Souza Valdívia foi sócia e braço direito de Sidnei Piva de Jesus, à frente de diversas empresas em recuperação judicial, que a dupla comprava com a promessa de reestruturação das companhias. Juntos, são acusados de terem praticado golpes contra algumas dessas, como a Matrizaria Morillo e a Grampos Aço. Porém, a parceria comercial só azedou em 2019, quando Camila se posicionou contra Piva a respeito da criação da Itapemirim Transportes Aéreos no meio de uma recuperação judicial. E, pelo menos desse imbroglio, Camila faz questão de se isentar.
“Não fui eu que tirei dinheiro de recuperação judicial para criar empresa aérea e não fui eu que deixei 43 mil pessoas na rua na semana de Natal”, dispara Camila Valdívia contra o ex-sócio Sidnei Piva, dono da Itapemirim Linhas Aéreas a quem acusa de ter desviado dinheiro das recuperandas (Transportadora Itapemirim S.A., Ita Itapemirim Transportes S.A., Imobiliária Bianca Ltda., Cola Comércio e Distribuidora Ltda. e Flecha S.A. Turismo, Comércio e Indústria). “Não tenho medo de ser presa porque até a minha saída não houve crime nenhum. O crime é pessoal e por isso eu vim me manifestar”, afirma ela, nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
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A empresária revela que o início do rompimento comercial com Piva, que culminou com o seu afastamento da Viação Itapemirim, em recuperação judicial, da qual detinha 50% das cotas, se deu durante o período em que enfrentou um câncer e uma gravidez. De acordo com o relato da empresária, hoje proprietária da Viação Amarelinho, criada em 2019, seu posicionamento sempre foi contrário à criação de uma empresa aérea, que seria um sonho particular de Piva.
“Durante esse tempo em que eu fiquei longe da empresa, o Sidnei emitiu, sem o meu conhecimento, títulos, duplicatas para um factoring, que começa, então, a se apossar dos recebíveis do grupo Itapemirim. E aí começa uma sequência de problemas, atraso de salários, de benefícios. Eu consegui cancelar esses títulos, mas ele chegou a pagar parte deles. Em torno de R$ 3,5 milhões, R$ 4 milhões, e manda esse dinheiro para a Bombardier”, revela Camila.
De acordo com um dossiê preparado pela Associação de Credores e Ex-funcionários da Itapemirim, a factoring mencionada seria a SRM Factoring que, segundo dados do relatório da administradora da recuperação judicial da Itapemirim, recebeu R$ 3.256.100,00. Consta também no dossiê que, em 18 de setembro de 2017, foi enviada uma proposta (P2672-R3) confidencial pelo departamento comercial da multinacional Bombardier, direcionada a Sidnei Piva, para a aquisição de 15 aeronaves Q400 nº DHC-8-402 pelo preço de US$ 32.200.000,00. Apesar da compra não ter sido concretizada, Piva teria enviado, da conta bancária da Itapemirim, a quantia de R$ 1.612.500,00.
A briga entre Camila e Piva se estende para acusações de que o ex-sócio, a quem vendeu os seus 50% de participação no Grupo Itapemirim, não a teria pagado pela sua parte na sociedade.
“Me sinto mal de ver meu nome arrastado para o problema da Itapemirim Transportes Aéreos, porque além de tudo eu fui lesada por um decisão judicial que me afastou do grupo e ainda respondo a todos os processos da empresa”, conta Camila referindo-se à Viação Itapemirim. “Eu me vejo no meio de um furacão e não sou eu que tenho que me preocupar com isso. Ele (Sidnei Piva) é que tem que se preocupar se eu sentar e falar.”
Desvios de dinheiro
Camila afirma que, até o seu afastamento da vice-presidência e da diretoria financeira da Viação Itapemirim, determinado pelo desembargador Azuma Nishi, em 19 de dezembro de 2019, não houve nenhum desvio de dinheiro nas recuperandas.
“Não existe qualquer desvio de recurso até porque a empresa não tinha dinheiro sobrando. Isso não acontecia na Itapemirim”, afirma a empresária.
Entretanto, de acordo com o relatório de setembro de 2021 da administradora da recuperação judicial EXM, já divulgado em sua íntegra pelo Congresso em Foco, é possível ler nas considerações finais que “as recuperandas apresentaram no período acumulado até 31 de dezembro de 2018 significativos prejuízos no montante de -R$ 176.334.550”.
Ainda de acordo com o relatório preparado por Paulo Adame, que trabalhou durante 22 anos no grupo, e hoje preside a Associação de Credores e Ex-funcionários da Itapemirim, o total desviado durante a gestão de Sidnei Piva, Camila Valdívia e Milton Rodrigues Junior seria de R$ 81.808.201,76.
“Em 30 de novembro de 2019 existia um saldo contábil nos caixas das Recuperandas no valor de R$ 503.833 – Viação Itapemirim – e R$ 12.508.221 – Viação Caiçara -, totalizando o montante de R$ 13.032.054. Entretando, tais quantias não existem efetivamente. Sendo assim, a diferença (recorrente desde exercício anteriores) evidencia a utlização de recursos de caixa, sem o efetivo reconhecimento contábil”, diz trecho do RMA anexado pela associação em seu dossiê que também aponta desvio de R$ 19.177.569,76 para empresas de Camila e Piva, além de outros que totalizam os R$ 81 milhões.
Carros de luxo com dinheiro da Itapemirim
Parte do dinheiro das recuperandas também foi utilizado para aquisição de carros de luxo. Em 14 de fevereiro de 2017, Camila Valdívia comprou, com recursos do Grupo Itapemirim, um veículo Mercedes Benz GLE43AMG Coupe, chassi WDCED6EW2Ha057729, no valor de R$ 964.676, na CLA Distribuidora de Veículos e Importação e Exportação Ltda. Foram realizados 5 depósitos à CLA, sendo um deles da Viação I.S.A.
“Segundo as declarações apresentadas pela concessionária, ela teria recebido os seguintes valores, nas respectivas datas: 14/02/17 – R$ 5.000,00, R$ 4.900,00, R$ 4.900,00, R$ 4.900,00, R$ 300,00 da Viação Itapemirim S/A; 30/03/17 – R$ 949.616,00 da Viação I.S.A. […] Embora tenha sido comentado que a maior parte do pagamento teria saído da empresa “Viação I.S.A.”, pertencente à Camila e Sidnei e que não faria parte do Grupo Itapemirim, os registros contábeis/bancários comprovam que R$ 949.616,00 tiveram por origem recursos advindos da Viação Itapemirim S/A”, aponta o relatório da associação.
Camila argumenta, porém, que pagou pelo carro de luxo com seus próprios recursos. “Paguei com recursos do pró-labore e já foram devidamente justificados na recuperação judicial e arquivado o processo”, explica Camila, que diz que a Itapemirim teria pago “apenas uma parte mínima” do valor.
Apesar de criticar o valor do pró-labore do ex-sócio Sidnei Piva, que receberia das empresas com dificuldades financeiras cerca de R$ 300 mil por mês, o valor do de Camila também não ficava atrás. De acordo com ela o seu pró-labore era de R$ 100 mil e era recebido na conta pessoal do seu marido, Adib Aldorghan.
“Devido aos diversos problemas da recuperação nenhum banco aceitava eu abrir conta, então eu fazia doação do meu pro labore para meu ex-marido e isso era devidamente informado a contabilidade e a Receita Federal”, explica.
O Congresso em Foco enviou email ao senhor Sidnei Piva pedindo um posicionamento sobre as declarações de sua ex-sócia Camila Piva e, até a publicação dessa matéria, não houve retorno. O espaço permanece aberto às manifestações que serão publicadas tão logo sejam enviadas.