Fábio Flora *
Faz nem um ano que o rompimento da barragem da mineradora Samarco (empresa controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton) despejou milhões de metros cúbicos de lama tóxica no Rio Doce: 663 quilômetros de afluentes e córregos foram atingidos; 1.469 hectares de vegetação foram comprometidos; 207 de 251 edificações foram soterradas só no distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais.
Os números podiam ser do Livro do Apocalipse ou de um pergaminho esquecido de Nostradamus – mas são de um site do governo federal.
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De acordo com o Ibama, das mais de oitenta espécies de peixes apontadas como nativas antes da tragédia, onze estão ameaçadas de extinção e doze existiam apenas lá. “O nível de impacto foi tão profundo e perverso, ao longo de diversos estratos ecológicos, que é impossível estimar um prazo de retorno da fauna ao local, visando ao reequilíbrio das espécies na bacia”, revela um documento divulgado pelo instituto.
Em suma, a maior catástrofe ambiental da história do Brasil.
Mesmo diante desse cenário distópico (cuidadosamente desenhado pela ganância e negligência de agentes públicos e privados), senadores acabam de aprovar uma proposta de emenda à Constituição que anula a necessidade de licenciamento ambiental para execução de obras no país. A tal PEC estabelece que, havendo um estudo de impacto ambiental apresentado pelo próprio empreendedor – PELO PRÓPRIO EMPREENDEDOR –, nenhuma obra pode ser suspensa ou cancelada.
Deixa de existir assim o processo (feito por órgãos independentes) que analisa se um projeto é viável ou não a partir dos danos socioambientais que ele pode causar.
A mudança, claro, acontece sob o pretexto de estimular investimentos e gerar empregos em tempos de crise – a velha desculpa neoliberal para continuamente pleitear menos regulação do Estado. Segundo os parlamentares que apoiaram a PEC, ela ainda “tem por objetivo garantir a celeridade e a economia de recursos em obras públicas sujeitas ao licenciamento ambiental, ao impossibilitar a suspensão ou cancelamento de sua execução após a concessão da licença”.
Ou seja: em nome da defesa dos recursos financeiros, atacam-se os recursos naturais.
Confesso que nem me dei ao trabalho de saber quem foram os financiadores das campanhas eleitorais dos senadores que disseram sim a mais esse golpe no meio ambiente. Só desconfio de que não tenham sido ativistas do Greenpeace ou moradores de alguma área alagada pela construção de uma usina hidrelétrica.
Pobre mãe-natureza, que depende dos filhos desta mãe gentil para não virar o canteiro de obras da mãe-joana. Ô, nave-mãe dos ETs, me leva daqui.
* Cronista residente no Rio de Janeiro, Fábio Flora mantém o blog Pasmatório e perfil no Twitter.
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