Diego Moraes
“A palavra ‘renúncia’ não está no meu vocabulário”, afirmava o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) na última sexta-feira. Contrariando seu próprio discurso, o pernambucano abriu mão ontem de seu mandato. Aliás, palavras e vocabulário nunca foram os grandes aliados de Severino. Pelo contrário. Durante os quase oito meses em que o ex-parlamentar ocupou a cadeira mais importante da Câmara, elas sempre estiveram lá para fazer a vida do eleitor mais divertida e produzir pérolas que vão ficar na história do Congresso.
A crise individual de Severino, que resultou em seu pedido de renúncia, começou justamente quando ele aceitou usar a retórica, seu instrumento mais perigoso. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada no último dia 30 de agosto, o então presidente da Câmara garantiu, com todas as letras, que não houve pagamento de mesadas pelo PT a deputados, conforme denunciou o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em junho passado.
Para completar, Severino defendeu penas mais brandas, “talvez uma advertência”, para os 16 parlamentares acusados, pelas CPIs dos Correios e do Mensalão, de sacar dinheiro das contas do empresário Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão. “A pena deveria ser uma repreensão, uma censura”, afirmou.
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As declarações causaram reações imediatas entre os parlamentares. Vários deputados criticaram a postura de Severino. Afirmavam que o presidente começava a preparar a massa da “pizza”, que seria assada em breve caso ele permanecesse no cargo. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), o mais irritado de todos, resolveu peitar o pernambucano. “O senhor na presidência da Câmara é um desastre para o Brasil”, afirmou. A valentia, no entanto, teve troco. Gabeira foi obrigado a ouvir Severino usar as palavras.
“Eu não ando com maconha nem tóxico nem defendo que a juventude freqüente bares para fumar maconha”, destilou o ex-presidente da Câmara, numa entrevista coletiva, em pleno domingo 11 de setembro, para explicar as acusações de que recebeu propina quando era primeiro-secretário. Severino aproveitou a coletiva para reforçar suas tendências homofóbicas – convicção esta que fez o ex-parlamentar emplacar falas indecorosas nos jornais durante sua gestão – e deixou mais uma pérola para a posteridade.
Publicidade“Eu irei trabalhar, eu irei votar contra vocês (os gays), pode ficar certo disso. Eu descerei da tribuna, como presidente, e vou para a tribuna para dizer que lutarei contra aqueles que querem fazer o que Gabeira faz. O que eu não faço”, afirmou o então presidente da Câmara, o segundo homem na hierarquia de sucessão da presidência da República, atrás apenas do vice-presidente.
Igrejinha é isso aí
A arte de formular frases peculiares, que renderam várias manchetes nos 217 dias de presidência, não é uma habilidade nova de Severino Cavalcanti. Na primeira entrevista coletiva concedida após sua vitória nas eleições da Câmara, em fevereiro deste ano, o então parlamentar já deixava claro que os discursos seriam a principal característica que o destacariam no cenário político.
O então presidente, eleito para atender as reivindicações do baixo-clero, grupo de parlamentares com pouca expressão, anunciava o fim da “igrejinha”, como ele classificou os deputados mais atuantes “que sempre comandaram a Câmara”.
“Não aceitarei esses preconceitos que podem ter ocorrido até agora ou que grupinhos fiquem comandando a Câmara. A ‘igrejinha’ vai acabar. Deputado tem que ser tratado com igualdade”, afirmou Severino. Questionado a respeito do que seria a tal “igrejinha”, respondeu: “É aquilo que… é… Ah, vocês devem saber melhor do que eu.”
Semanas após assumir o mandato, quando aplicou a maior surra política do governo Luiz Inácio Lula da Silva até hoje, o pernambucano estava por cima da carne seca, assim como todo o PP. Eufórico, já pensava até em criar raízes no cargo – ou, pelo menos, ficar nele por mais dois anos. “Por que não? Pode dizer que sou candidato a deputado federal e pode dizer que sou candidato também à presidência da Câmara”, enfatizava o parlamentar.
O PP também colaborava para inflar o ego de Severino e cogitou lançá-lo como candidato do partido à presidência da República. “O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, me disse que, pelas pesquisas que eles têm, logo, logo Severino será mais popular que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, afirmava o presidente do partido, o conterrâneo e deputado Pedro Corrêa. Inebriado pelo poder que invadiu seu gabinete, lotado de parentes, Severino Cavalcanti sentia-se o dono de Brasília. E, mais uma vez, enfiou os pés pelas mãos.
“Se o presidente não assinar a indicação do Ciro (Nogueira), amanhã o PP vai apoiar o PFL”, disparou o recém-empossado presidente, em março. O ultimato caiu como uma bomba-desculpa no colo do presidente Lula para implodir a complicada reforma ministerial, ansiosamente aguardada pelos partidos, em especial pelo PMDB.
O PP dificilmente levaria alguma pasta nesse jogo, mas com a eleição de Severino, o governo foi obrigado a colocar a legenda na lista dos agraciados. Os líderes do partido começavam a negociar o espaço do PP na Esplanada, quando Severino decidiu participar das conversas. Pouco humilde, o pernambucano passou a interferir diretamente nas negociações. Sonhava alto e chegou a dar palpites que fizeram o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o mais forte do governo Lula, dar boas risadas.
“Prefiro o (ministério) da Fazenda, que é para gente tomar logo conta de tudo”, dizia Severino pelos corredores. No entanto, após o ultimato, Lula decretou o fim da reforma e definiu apenas dois nomes: Paulo Bernardo (PT), para o Planejamento, e Romero Jucá (PMDB), para a Previdência. O PP, assim como todos os partidos que almejavam uma pasta, ficou de fora do primeiro escalão.
Sem emplacar um ministro, o rei do baixo clero mirou os olhos no segundo escalão: “(Quero) aquela diretoria que fura poço e acha petróleo”, afirmou Severino sobre o cargo da Diretoria de Exploração e Produção da Petrobras, no dia 22 de maio. Novamente, a investida não deu certo e o PP ficou sem a bilionária diretoria da estatal.
O governo, aliás, sempre foi a musa inspiradora de Severino. Em uma de suas mais célebres frases, Severino Cavalcanti protestava contra o modelo escolhido pelo presidente da República para tomar suas decisões. Irritado com o excesso de medidas provisórias editadas pelo Planalto, o presidente da Câmara mandou um recado pouco anatômico para Lula. “O legislativo não será apenas o supositório do Executivo”, disparou o pernambucano. A pérola, que virou notícia até em jornais internacionais, não foi suficiente, no entanto, para frear a caneta de Lula, que continuou empenhado em enviar medidas ao Congresso.
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