Ao longo desta primeira semana sob a hipótese concreta de impeachment da presidente Dilma, alguns dos melhores analistas de política vêm acertando em seus comentários sobre o sombrio duelo de faroeste em que se transformou Brasília, onde tanto Dilma quanto Cunha faltam com a verdade para se defenderem. Ou melhor, aumentaram a dose de meias verdades em suas falas.
Parece que isso a mídia captou, e segue fazendo a sua meia cobertura. Ouve, esmiúça, deglute e digere cada declaração de nossos políticos. Analisa alternativas, detalha possíveis jogadas, especula sobre os próximos movimentos, denuncia conchavos nada republicanos. E, assim, acredita que está fazendo a sua parte. E, mais uma vez, não enxerga o “outro lado”, a sociedade, os movimentos civis e as novas lideranças dos agentes de cidadania. Cidadãos conscientes e atuantes que têm opinião formada, com propostas a fazer ao país e se engajam na busca pela adesão dos demais cidadãos.
Recentemente, analistas têm divulgado a tese de que é preciso “mais de 2 milhões nas ruas” para que o impeachment “decole” no Congresso. Esqueceram-se de perguntar à sociedade se os ânimos estão para isso. Aliás, esquecem-se de perguntar a si mesmos se essa cobertura exagerada de delitos e crimes de políticos e gestores públicos, na verdade, não está apenas contribuindo para desmotivar ainda mais os cidadãos.
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Nas redes sociais, grupos mais articulados como o Nas Ruas, o Vem Pra Rua e o Brasil Livre estão desde já convocando para manifestações em todo o país no próximo dia 13 de dezembro, domingo. No Rio de Janeiro, o movimento 31 de Julho avisa que vai fazer um evento preparatório já no dia 6, a partir das 10 horas, no Posto 12 da praia do Leblon.
Caso o comparecimento fique abaixo do esperado nesses eventos, qual será a leitura da grande mídia? A de que os cidadãos estão acomodados ou concordando com o que se passa? Se não se voltarem à sociedade e procurarem perceber melhor o que se passa, provavelmente vai ser essa a interpretação.
A sociedade hoje está mais atenta do que se supõe e não pode ser subestimada. Não é à toa que uma recente pesquisa Datafolha traz uma revelação: o cidadão brasileiro começa a perceber a corrupção como o maior mal a ser enfrentado no Brasil, desbancando a pauta campeã desde 1996, a saúde pública. Ou seja, estamos mudando, e tanto a mídia quanto a classe política não estão percebendo isso com a velocidade que deveriam. Passamos a compreender que o dinheiro público perdido para a corrupção, se bem fiscalizado e gerido, poderia resolver todos os outros problemas. E com bastante folga, pelos valores bilionários mencionados na Lava Jato.
A questão é outra e passa pela completa desorganização da economia, onde 8% da população economicamente ativa estão fora do mercado de trabalho e o número de empresas fechando as portas é assustador. O momento é de garantir o sustento das famílias e não será fácil mobilizar para manifestações de rua.
Hoje, as manifestações pela internet são mais numerosas, e produzem um efeito tão ou mais eficaz em termos de adesão, do que as do mundo real. Para se ter uma ideia, só numa dessas redes sociais, o Facebook, juntos os quatro principais movimentos (Vem Pra Rua, Brasil Livre, Nas Ruas e Revoltados On Line) já somam o expressivo número de mais de 2 milhões e duzentos mil seguidores. Não dá para ignorar.
Esse cenário ainda não recebeu a devida atenção da grande mídia, ocupada que está com o baile sinistro do impeachment. Uma mídia que corre atrás dos grandes espetáculos de massa nas ruas. Uma mídia que tem lido mais os lábios daqueles que já tem voz, ao invés de dar voz aos cidadãos. Uma mídia que cobre os políticos profissionais que, estes sim, têm seus empregos garantidos mesmo em tempos de recessão. Uma mídia que deixou passar em branco a recondução de Aroldo Cedraz ao cargo de presidente do Tribunal de Contas da União, uma das instituições mais fundamentais da República, responsável pela fiscalização de bilhões de reais em repasses de verbas públicas e gastos governamentais. Como se sabe, Aroldo e seu filho estão no centro de uma polêmica de favorecimento indevido e diversas entidades de membros de tribunais de contas já haviam se declarado contra a sua recondução, até mesmo o procurador de contas junto ao tribunal, Julio Marcelo de Oliveira. Um verdadeiro acinte que não foi noticiado com a devida amplitude.
Pois sobre esse distanciamento da mídia, o jornalista José Luiz Sombra foi muito feliz em seu depoimento para o programa Agentes de Cidadania, aqui da Voz do Cidadão. Para ele, é fundamental que a cobertura da mídia se volte mais para a sociedade. Citando as manifestações de 2013, Sombra observa que “a cobertura da mídia deixou muito a desejar. Ela ficou atrás dos acontecimentos, sobretudo ao reboque de um novo canal de comunicação que são as redes sociais. As redes sociais são a grande novidade. Elas deram voz a quem não tinha, ela está ensinando a mídia a trabalhar e pautando essa mídia naquilo que ela não sabe mais fazer. Ou seja, ela está dizendo para a mídia: ´olha, aconteceu isso e você não deu´.” Sombra propõe que a grande mídia se aproxime mais das redes sociais e “abra espaço para a opinião pública, para que ela externe a sua opinião, e detalhe as informações“.
Fazendo isso, teremos de fato uma revolução cidadã num curto espaço de tempo. Lembrar da sociedade e de suas organizações apenas quando gritam palavras de ordem ou batem panelas, é um grande desserviço à cidadania e perda de um tempo que já não temos mais.
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