Ricardo Ramos e Guillermo Rivera
Não poderia ter sido melhor a escolha do pugilista Acelino “Popó” Freitas, convidado pelo senador Magno Malta (PL-ES) para acompanhar o início dos trabalhos da CPI dos Bingos, para ilustrar o quão baixa está a guarda do governo na comissão. Popó, que só assistiu ao primeiro encontro do colegiado, não teve tempo para ver os golpes que o governo petista vem recebendo de seus adversários políticos desde o dia 29 de junho.
De lá para cá, a oposição – que jamais perdeu um round na votação de requerimentos – nocauteou Juscelino Dourado, chefe-de-gabinete do ministro da Fazenda, reavivou os casos Celso Daniel/Santo André e Gtech/Caixa e empurrou para as cordas o ministro Antonio Palocci e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, constrangidos com as investigações sobre o caixa dois do PT. Na comissão instalada no Senado, os oposicionistas vão à forra e tentam equilibrar a disputa com o governo, que controla as CPIs mistas dos Correios e do Mensalão.
Até agora, a CPI se propôs a investigar tudo: de assassinatos a manipulação de resultados de partidas de futebol. Só se esquiva da apurar o fato que determinou a criação da CPI – as casas de jogos continuam distantes do ringue em que a oposição ameaça nocautear o governo. A comissão, que já se reuniu 27 vezes e ouviu cerca de 30 pessoas, só chamou um único dono de casa de jogos, Carlos Cachoeira. Mesmo assim, Cachoeira depôs como testemunha – e não como acusado. “Veja o absurdo!”, protesta a senadora Ideli Salvati (PT-SC), que apresentou um requerimento para ouvir o empresário Nagib Fayad, dono de casa de jogos envolvido no escândalo da “máfia do apito”.
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“Depois de quatro meses de investigação, ele seria o primeiro dono de casa de bingo que sentaria naquela CPI para prestar depoimento”, critica a ex-líder do PT no Senado. Ontem, o presidente Lula acusou o golpe e criticou pela primeira vez, desde o início da crise, a atuação de uma das CPIs. Não poderia ter escolhido outro alvo. “Estou esperando a CPI dos Bingos chamar um bingueiro”, ironizou Lula. O presidente questionou a falta de foco das investigações da comissão, que decidiu fazer uma acareação entre João Francisco Daniel e Bruno Daniel, irmãos de Celso Daniel, prefeito assassinado de Santo André (SP), e Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete de Lula.
Na versão dos irmãos Daniel, Carvalho teria contado a eles que o ex-prefeito foi vítima de um esquema de corrupção cujos recursos teriam sido usados no financiamento da campanha presidencial de 2002. Em depoimento prestado a portas fechadas na CPI, o assessor do presidente contestou a informação.
A declaração de Lula provocou reações imediatas no Senado. “A CPI está apurando a interferência dos jogos com relação a atividades políticas, formação de quadrilha, crime organizado”, argumenta o relator, senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). “Então o problema desta CPI é o entrelaçamento. Jogos não são legais, então, por isso, são alvo dessas quadrilhas. Confunde-se ainda com empresas de transporte, de lixo”, tenta justificar o relator o rumo das investigações.
O presidente da comissão, senador Efraim Morais (PFL-PB), também rebateu a crítica de Lula. “Não estamos fora da rota nenhum minuto”, declarou. “Esta CPI pode até ir ao fim do mundo, mas até lá vai buscar a verdade”, afirmou.
A apenas três semanas do fim do prazo regimental de seus trabalhos, a comissão chega hoje ao ápice do constrangimento para os petistas com a megaacareação de cinco figuras envolvidas no caso Gtech/Caixa. Estarão frente a frente o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o advogado e ex-secretário municipal de Ribeirão Preto (SP) Rogério Buratti, o ex-advogado da Gtech Enrico Gianelli e o ex-diretor de marketing da multinacional Marcelo Rovái. Os senadores querem saber qual foi a participação de cada um desses personagens no prejuízo de R$ 433 milhões acumulado pela Caixa desde que o banco assinou o contrato com a Gtech.
“A acareação é de vital importância para que a CPI possa descobrir quem está mentindo ou quem está falando a verdade”, afirma o presidente da comissão, senador Efraim Moraes (PFL-PB). Essa não é, porém, a opinião corrente entre os demais membros da oposição, que controla a maior parte dos 15 assentos do colegiado. O senador Geraldo Mesquita Júnior (PSOL-AC) acredita que o cara-a-cara não trará resultados práticos. “Estamos lidando com gente experiente que não vai abrir a boca dessa forma”, pondera.
Salvo pelo gongo
Coube à ala mais conservadora da oposição, liderada pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), a tarefa de livrar Palocci de um golpe cruzado, adiando a análise dos requerimentos que pediam a convocação do ministro da Fazenda e do irmão dele, Adhemar Palocci. Para amenizar o ímpeto de Mesquita Junior, autor dos pedidos, os líderes do PFL e do PSDB recorreram ao discurso da manutenção da estabilidade econômica para livrar os irmãos Palocci do constrangimento de dar explicações sobre denúncias de envolvimento com o caixa dois petista. Diretor da Elenorte, Adhemar é suspeito de ter intermediado contrato com a seguradora Interbrazil para arrecadar dinheiro para campanha eleitoral em Goiânia (GO). A ida dos dois será apreciada futuramente.
Sem direito a esquivas
Ainda ontem, a CPI dos Bingos fustigou o governo com outros dois golpes. Decidiu convocar João Carlos da Rocha Mattos, juiz preso por vender sentenças judiciais e que declara ter ouvido fitas que comprometeriam o chefe-de-gabinete de Lula, e Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, que afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo no domingo, que toda a Executiva do partido sabia do esquema de caixa dois.
Após Popó, falta o papa
“Esta CPI tem sido chamada de CPI do Fim do Mundo e, embora eu acredite na responsabilidade e profissionalismo de seus membros, ela é uma CPI franca-atiradora”, afirma o senador Tião Vianna (PT-AC), da pequena tropa de choque do governo. “Não é bom para nenhum parlamentar que ela continue assim”. “Queremos passar esta CPI a limpo. Senão, depois vão chamar até o papa, para falar daquele bispo que está fazendo greve de fome”, brinca o petista.
Golpes em seqüência
Líder da oposição no Senado e integrante da CPI dos Bingos, o senador José Jorge (PFL-RN), faz a defesa das investigações. “A CPI tem seguido linha geral, tal qual se iniciou, que foi quando tiveram aquelas denúncias em questão do Waldomiro Diniz”, afirma. Na avaliação dele, a comissão “tem um sentido mais amplo do que os bingos”. “Quando começou a se investigar, um acontecimento puxou o outro. Apareceram os casos de Ribeirão Preto e Santo André, que estão ligados a um elo comum, o José Dirceu”, ressalta o senador, um dos primeiros a pedir a cassação do ex-ministro da Casa Civil.
“Não é a gosto dos acontecimentos políticos, é o vento que sopra com novas denúncias”, sustenta o senador Romeu Tuma (PFL-SP). “Você tem um foco, um objetivo, de repente uma coisa mais clara, você não pode virar as costas para determinadas acusações. Não existe denuncismo, e sim denúncias que precisam ser apuradas”, avalia.
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