Sônia Mossri
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Em 1993, antes da euforia provocada pelo Plano Real, o PT despontava nas pesquisas de opinião pública como favorito para as eleições presidenciais do ano seguinte. O então deputado federal José Dirceu temia um golpe militar caso Luiz Inácio Lula da Silva ganhasse as eleições e começou uma maratona de visitas a oficiais generais. Entre os militares que se reuniram com Dirceu estava o general Murillo Neves Tavares da Silva. Quase onze anos depois, o mesmo Murillo afirma que “o Lula é incapaz de governar". Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o general Murillo é uma prova de que ainda estão latentes entre os militares os pontos de vista e o tipo de insatisfação que gerou o golpe de 1964, chamado por ele de "contra-golpe". O general disse que não ganhou a quarta estrela, correspondente ao posto máximo da hierarquia militar, o de general-de-exército, por falar demais. Parece que não perdeu o velho hábito. Ele afirma, por exemplo, que a imprensa é infestada de comunistas e que, por isso, os meios de comunicação protegem o governo do PT. Leia também Sentado numa poltrona na sala de estar de um confortável apartamento na Asa Norte, bairro de classe média de Brasília, o general Murillo repete várias vezes que o presidente Lula não governa. Quem faz isso, segundo ele, é o “núcleo” composto pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e pelo ministro de Comunicação Institucional, Luiz Gushiken. Crítico severo da criação do Ministério da Defesa pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, o general Murillo considera que isso é nada mais é do que "retirar das mesas de decisão os militares”. Se, para o general, o presidente Lula não governa, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, cumpre apenas uma função protocolar. De acordo com o militar, quem dita as regras da política externa é Marco Aurélio Garcia, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República. O Congresso em Foco procurou a assessoria do presidente Lula no Palácio do Planalto, a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a do Ministério da Defesa para ouvir as respostas às críticas do general, mas ninguém quis comentar as declarações. Congresso em Foco – Como o senhor vê ex-guerrilheiros que combateram o movimento de 31 de março no poder? General Murillo Neves Tavares da Silva – O Lula é a boina do PT, como a boina foi para Guevara a figura do guerrilheiro místico, olhar perdido no horizonte. Se você retirar a boina do Che Guevara, você vai ver um médico esquelético, um guerrilheiro que fracassou na África, que fracassou aqui na América Latina, mas ele virou ícone das estudantes de jornalismo. Então, eu acho o seguinte: o PT sabe que o Lula é incapaz de governar o país. Uma coisa é porta de fábrica e a outra é realmente sentar-se em uma cadeira e assumir as responsabilidades. O PT sabe que ele nem sequer tem a liturgia do cargo, mas tem plena consciência que sem ele também não conseguiria os votos necessários pelo carisma há muito forjado pela imprensa. "O PT sabe que (Lula) nem sequer tem a liturgia do Congresso em Foco- O senhor realmente acredita mesmo nisso? O que acontece é o seguinte: como o PT tem uma grande acolhida na imprensa, as ratas e as boçalidades que o Lula diz são absolutamente acochambradas, minimizadas pela imprensa. Como foi o seu encontro com José Dirceu em 1993? Em dezembro de 1993, eu era chefe do Comando do Estado-Maior do Sudeste. Em abril, ligou-me um companheiro de turma que havia trabalhado na transição da prefeitura Jânio-Erundina, daí ele ter ficado conhecido pelos elementos do PT. Me disse que o Dirceu e o Genoino gostariam de encontrar-se comigo, mas fora do quartel. Eles não querem ir a quartel. Por que não queriam ir ao quartel? O quartel em São Paulo é em frente à Assembléia Legislativa do estado e ali, claro, há um enxame de abelhas jornalistas. "Olha, tão entrando do quartel-general. Tão indo pedir a bênção…" Coisas do gênero. Eles não queriam ir lá. Na época, eu disse a esse coronel, muito meu amigo, que não poderia recebê-los porque, sendo um general de duas estrelas diretamente subordinado a um general de quatro estrelas, eu não via o porquê de conversarem comigo e não com ele. Me comprometi a agendar uma conversa entre eles e o comandante militar do sudeste, que houve.Como eu estava em vias de ser promovido a general-de-divisão, fui removido para Brasília. Houve essa reunião e o general fez questão de recebê-los no quartel. Era o general Freitas Almeida, comandante militar do Sudeste. Mas eles insistiam em conversar comigo. O que eles queriam? Quando o Dirceu chegou à minha casa em Brasília, no dia 15 de dezembro de 1993, ele disse: “Muito obrigado por me receber. O Genoino não pôde vir”. Ele deu uma desculpa na época. Ele disse que acompanharam a minha atuação em São Paulo. Em São Paulo, eu fui comandante da Polícia do Exército por três anos e chefe do Estado-Maior do Comando do Sudeste por mais três anos. O PT tem um sistema de arapongagem, como eles chamam pejorativamente. Eles têm um sistema de espionagem que consegue realmente os passos de uma pessoa. Você sabe que eles tiveram acesso a extratos bancários na época do Collor. Conversamos aqui três horas na minha casa, autorizado pelo ministro do Exército, que era o Zenildo Zoroastro de Lucena. Fundamentalmente, ele queria saber se o Lula, se elegendo, assumiria. "O PT tem um sistema de arapongagem que consegue realmente os passos de uma pessoa. Tiveram acesso Ele temia um golpe militar? Isso era em dezembro de 1993. Eu disse: “Olha, eu não sou a pessoa mais indicada para lhe dizer isso porque eu sou apenas um general do serviço ativo. Quero crer pelas minhas conversas que assume, não há mais esse clima de não assumir”. Se você for buscar as pesquisas de dezembro de 1993, Fernando Henrique não era nada nas pesquisas e o Lula era um dos que tinha de 30% a 40% da preferência popular. "(Dirceu) queria saber se o Lula, O que o senhor achou do José Dirceu? Ele é uma pessoa hábil? Muito hábil. Agora, não sei até que ponto ele se mostrava em dezembro de 1993 desinformado. Porque, quando ele me revelou que era candidato ao governo de São Paulo, eu disse que ele ficaria quatro anos sem mandato. Disse que os estamentos de esquerda votariam no Mário Covas. "Quando (Dirceu) me revelou que era candidato Como o senhor vê o relacionamento do presidente Lula com os militares e, mais especificamente, o do diplomata José Viegas, ministro da Defesa, com a tropa? Eu não tenho maiores informações sobre o ministro da Defesa porque eu estou afastado. Eu pedi a minha transferência para a reserva em 1995 e esse senhor foi escolhido ministro da defesa em 2002. Então, eu já estava afastado e não sei quais foram as motivações que o levaram. Ele foi aluno do colégio militar do Rio de Janeiro, fez todo o curso no Colégio Militar do Rio de Janeiro que, na época, era ginásio e científico. Então, ele tem sete anos de colégio militar. Isso lhe deu algum conhecimento entre a geração atual de generais. Vejo como um indivíduo ponderado, mas eu sempre fui radicalmente contra o Ministério da Defesa, particularmente em face da nossa peculiaridade latino-americana. A leniência com que agiram os ministros Zenildo (Zenildo Zoroastro de Lucena, ex-ministro do Exército), Alberto Cardoso (ex-ministro da Segurança Institucional) e Leonel (Benedito Leonel , ex-ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas) permitiram a implantação desse ministério da Defesa, que nada mais é do que retirar das mesas de decisão os militares. Essa foi a finalidade básica porque o desprestígio das Forças Armadas e a falta de recursos não vêm de agora. È preciso que saibamos que desde 1991 já vínhamos sofrendo sérias restrições orçamentárias. O regime de meio expediente não foi implantado pelo Lula. Já existia. O contingenciamento de recursos do Fusex (Fundo de Saúde do Exército) já existia. "Esse ministério da Defesa nada mais é do que O senhor não acha que parte desse desprestígio dos militares vem em decorrência do golpe militar de 64, com vocês ficando vinte e um anos no poder? Não vem. Há dez dias, pesquisa feita pela Confederação Nacional de Transportes, colocou as Forças Armadas com 78% de aprovação da sociedade. Os militares nunca fizeram uso da comunicação social como arma inteligente. Agora, por exemplo, o José Dirceu é um santo. Bandido é o senhor Waldomiro (Waldomiro Diniz, ex-assessor da Presidência da República acusado de corrupção), que vem seguindo esse santo há doze anos. O José Dirceu já foi citado no inquérito de Santo André sobre a morte do prefeito Celso Daniel. Agora, citaram de novo, um assessor dele manobrando com bingos, mas o partido preserva imediatamente. Onde nós, militares, pecamos? Cada um de nós que éramos atacados, a instituição não defendia. "Os militares nunca fizeram uso da comunicação Como o senhor vê o fato de o presidente Lula pregar a defesa dos direitos humanos e visitar ditaduras como as de Cuba e Líbia? Eu vejo isso como uma das incoerências maiores da esquerda brasileira. Hoje, parece que o Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores) está conseguindo se impor porque nós tínhamos, e creio que ainda temos, dois ministros das Relações Exteriores. Um para os efeitos de protocolo, para assinar documentos, tratados e convenções, que é o Celso Amorim, um diplomata de carreira. O outro chama-se Marco Aurélio Garcia, que é um esquerdista de primeira linha. Então, a dicotomia que se vê na esquerda brasileira é que Fidel Castro é o grande comandante. Quando as locutoras de televisão falam no comandante Fidel Castro é aquilo que eles chamam o famoso cio político. O Stroessner (Alfredo Stroessner, ex-ditador do Paraguai) era o grande canalha. Agora, o Fidel Castro (ditador cubano) está há mais tempo no poder do que teve o Stroessner. Eu, que morei no Paraguai, sei que as atrocidades eventualmente cometidas lá são infinitamente menores do que as que até hoje se cometem em Cuba. Fidel e Kadafi (Muamar Kadafi, ditador da Líbia), como são de esquerda, são endeusados. Já Stroessner, Salazar (Antônio de Oliveira Salazar, ex-ditador de Portugal) e Pinochet (Augusto Pinochet, ex-ditador do Chile) são os demônios. Então, ele (presidente Lula) está lá, boina do PT porque ele somente serve para voto, não governa. Não tem capacidade para governar esse país. "Temos dois ministros das Relações Exteriores. Um para os efeitos de protocolo, que é o Celso Amorim. O outro chama-se Marco Aurélio Garcia, que é um esquerdista de primeira linha" Se o presidente Lula não governa, quem o faz no lugar dele? O núcleo. Como o senhor acha que fica o ministro José Dirceu com as denúncias envolvendo o seu ex-assessor Waldomiro Diniz? Acho que ele fica na mesma situação em que ficou o Serjão (Sérgio Motta, ministro das Comunicações durante o governo Fernando Henrique Cardoso) quando sugiram as acusações de compra de voto. Ele fica desgastado. As pessoas não acreditam integralmente que não soubesse de nada que estava se passando, mas se ele tiver o prestígio, o suporte político do partido e de quem governa, ele vai continuar no cargo. A nossa imprensa é vulnerável. Vulnerável na medida em que é endividada. Estou ouvindo falar do Proer da imprensa. A imprensa tem sistematicamente, na sua maior parte, defendido os interesses governamentais porque ela não tem conseguido manter a cabeça em pé por questão de endividamento. José Dirceu? Vai passar. "A nossa imprensa é vulnerável. Vulnerável Como senhor vê o preconceito que ainda existe na sociedade contra os militares? Eu discordo fundamentalmente dessa sua afirmativa. A imprensa, cotidianamente, onde é possível, visa objetivamente jogar a população contra as Forças Armadas. "A imprensa, infiltrada pelos marxistas e pelos comunistas, visa jogar a população contra as Forças Armadas" Por que a imprensa faria isso? Por que a imprensa está infiltrada pelos marxistas e pelos comunistas. O grande óbice para que o comunismo vencesse aqui na América Latina foi a reação dos militares. O movimento de 64 foi uma contra-revolução. O que se viu em 64 foi uma tentativa deslavada de assalto ao poder. O poder constituído, o presidente da República, um homem fraco que era dominado por forças de esquerda, comparecia a comícios com sargentos no Automóvel Clube do Brasil. Em 1964, o que as Forças Armadas fizeram foi sob pressão da população. Leia os editoriais de 1964 do Estadão e do Globo porque ,agora, os filhos do Roberto Marinho dizem que ele nunca fez nada pela revolução e nunca foi amigo dos militares. Como o senhor vê os movimentos de entidades de defesa dos direitos humanos que buscam saber onde estão desaparecidos políticos? Os familiares querem enterrar seus mortos. A lei da anistia anistiou todos. Se anistiou o lado esquerdo, tem que anistiar o lado direito. Se os excessos existiram dos dois lados, porque somente alguns excessos são chamados e outros foram esquecidos. O José Dirceu foi para Cuba fazer curso de guerrilha. Não aplicou. Acho que ele não tem coragem física para isso. "O José Dirceu foi para Cuba fazer curso de guerrilha. Não aplicou. Acho que ele não tem coragem física para isso" O senhor acha que existe justificativa para tortura? Não. Eu sou um homem cristão. Sou religioso de praticar a religião. Eu sou incapaz de encostar a mão em uma pessoa. Comandei um batalhão da Polícia do Exército e nunca consenti que um soldado preso por desvio de arma levasse um peteleco. Acontece que existem métodos que eram usados nos dois lados. Você sabe que havia justiçamento entre a própria esquerda. Mas o Alto Comando do Exército sabia que havia tortura nos quartéis. Essa é uma afirmativa que você está fazendo. O senhor acredita que não se tinha conhecimento disso? Não vou dizer que não sabia. Não sei que intensidade isso era sabido. No âmbito em que eu trabalhei, em informações, eu nunca vi tortura. Agora, quem gerou a violência não fomos nós. Foram aqueles que se armaram e resolveram enfrentar o braço armado do Estado. Aí, perde. O que senhor acha do Movimento dos Sem Terra? Você já viu as bandeiras deles? Têm a cara do Guevara . Têm a foice e o martelo. As escolas de doutrinação. Que são os sem-terra? Eles são elementos para fazer uma ocupação política à beira de rodovias asfaltadas. As reformas começaram de forma errada na década de 60. Metade dos que acampam na beira das estradas nunca viu uma pá. São recrutados na periferia das cidades e levados para esses antros que eles chamam de acampamento com a promessa de que vão ter uma fazenda. O povo em si é ingênuo. Se não fosse, big brother não poderia ser um programa de televisão. |
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