A festa do Natal está toda concentrada na figura da Divina Criança (Puer aeternus), Jesus, o Filho de Deus que decidiu morar entre nós. A celebração do Natal vai além deste fato. Restringindo-nos somente a ele, caímos no erro teológico do cristomonismo (só Cristo conta), olvidando que existe ainda o Espírito e o Pai que sempre atuam conjuntamente.
Cabe realçar a figura de sua mãe, Miriam de Nazaré. Se ela não tivesse dito o seu “sim”, Jesus não teria nascido. E não haveria Natal.
Como ainda somos reféns da era do patriarcado, este nos impede de compreender e valorizar o que diz o Evangelho de Lucas a respeito de Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti e a energia (dínamis) do Altíssimo armará sua tenda sobre ti e é por isso que o Santo gerado será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).
As traduções comuns, dependentes de uma leitura masculinista, dizem “a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. Lendo o original grego, não é isso o que se diz. Literalmente se afirma: “A energia (dínamis) do Altíssimo armará sua tenda sobre ti (episkiásei soi)”. Trata-se de um modismo linguístico hebraico para significar “morar não passageira, mas definitivamente” sobre ti, Maria. A palavra que se usa é skené que significa tenda. Armar a tenda sobre alguém (epi-skiásei), como afirma o texto, significa: a partir de agora Maria de Nazaré sera a portadora permanente do Espírito. Ela foi “espiritualizada”, quer dizer, o Espírito faz parte dela.
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Curiosamente a mesma palavra skené (tenda) o evangelista São João aplica à encarnação do Verbo. “E o Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós (eskénosen, é o mesmo verbo de base)”, quer dizer, morou definitivamente entre nós.
Qual a conclusão que tiramos disso? Que a primeira Pessoa divina enviada ao mundo não foi o Filho, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Foi o Espírito Santo. Quem é terceiro na ordem da Trindade é primeiro na ordem da Criação, isto é, o Espírito Santo. O receptáculo desta vinda foi uma mulher do povo, simples e piedosa como todas as mulheres camponesas da Galiléia, de nome Miriam ou Maria.
Ao acolher a vinda do Espírito, ela foi elevada à altura da divindade do Espírito. Por isso, com razão diz o evangelista Lucas: “Por isso (diò óti) ou poe causa disso o Santo gerado será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35). Somente alguém que está na altura de Deus pode gerar um Filho de Deus. Maria, por esta razão, será divinizada semelhantemente ao homem Jesus de Nazaré que foi assumido pelo Filho eterno e assim foi divinizado. É o Filho eterno encarnado em nossa realidade humana que celebramos no Natal.
Eis que num momento da história, o centro é ocupado por uma mulher, Miriam de Nazaré. Nela está atuando o Espírito Santo que nela habita e que está criando a santa humanidade do Filho de Deus. Nela estão presentes duas Pessoas divinas: o Espírito Santo e o Filho eterno do Pai. Ela é o templo que alberga a ambos.
Nossa Senhora de Guadalupe, tão venerada pelo povo mexicano, com traços mestiços, aparece como uma mulher grávida com todos os símbolos da gravidez da cultura nauatl (dos aztecas). Sempre que vou ao México me misturo às multidões que lá acorrem e visito a bela imagem de pano da Guadalupe. Vestido de frade, várias vezes perguntei a um peregrino anônimo: “Hermanito, tu adoras a la Virgen de Guadalupe”? E recebia sempre a mesma resposta: “Si, frailecido, como no voy adorar a la Virgen de Guadalupe? Si que la adoro”.
O devoto respondia com toda razão, pois nessa mulher se escondem as duas Pessoas divinas, o Filho que crescia em suas entranhas pela energia do Espírito que morava nela. E ambas, sendo Deus, podem e devem ser adoradas. E Maria é inseparável deles, por isso merece a mesma adoração. Daí nasceu a inspiração para o meu livro, dos mais lidos, O Rosto materno de Deus.
Sempre lamentei que a maioria das mulheres, mesmo teólogas, não tenha assumido ainda sua porção divina, presente em Maria, por obra do Espírito Santo. Ficam com só com o Cristo, o homem divinizado.
O Natal será mais completo se junto ao Menino que tirita de frio na manjedoura, incluirmos sua Mãe que o acalenta amparada por seu esposo o bom José. Ele também mereceria uma reflexão especial, coisa que já fiz nas páginas do Jornal do Brasil: sua relação com o Pai celeste.
No meio da crise de nosso país há ainda uma Estrela como a de Belém a nos dar esperança.
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