Tarciso Nascimento
Está pra ser votada pelos deputados uma proposta de emenda constitucional (PEC) que, em um só tempo, cria mais 5.557 vagas de vereadores, sobretudo nas médias e grandes cidades, reduz o repasse a ser destinado pelas prefeituras para a manutenção das câmaras municipais. Discutida por uma comissão especial instalada na Câmara no mês passado, a PEC dos Vereadores deve ser votada pelo Plenário até abril.
O autor da proposição, deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), diz que a proposta pretende corrigir distorções de representatividade provocadas pela resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, em 2004, varreu 8.528 vereadores das câmaras municipais sem reduzir o orçamento dos legislativos. Caso a nova regra entre em vigor, o país passará a ter 57.305 vereadores – uma média de dez representantes pra cada município brasileiro.
“Com a resolução do TSE, algumas câmaras que tinham 21 parlamentares diminuíram para 10, mas o orçamento continuou o mesmo. Alguns aproveitaram para criar cota de celular, reformar os gabinetes e até aumentaram o salário. A PEC vem para corrigir essas distorções. É uma proposta ética, estabelece novos limites de repasses e recupera a representatividade, garantindo uma economia para o Estado. Ela acaba com o exagero de gastos”, aponta Mattos.
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De acordo com a proposição, o número de vereadores cairá de 9 para 7 nos 1.363 municípios com até 5 mil habitantes (24,5% do total de cidades do país) Na prática, pelo menos 2.726 gabinetes devem ser extintos nessas localidades. O teto, de 55 vereadores, continuará a valer apenas para São Paulo, única cidade com mais de 10 milhões de habitantes. A definição do número de cadeiras será feita conforme 25 faixas populacionais. Hoje a Constituição estabelece, em 36 faixas, um mínimo de 9 e um máximo de 55 vereadores por cidade.
Entre as grandes capitais, o Rio é a única que perde com a mudança: três das atuais 50 cadeiras. Em Salvador, por outro lado, o número de vereadores deve saltar dos atuais 35 para 39. Com isso, a capital baiana deve se igualar à mineira, que também ganharia mais duas vagas.
PublicidadeAo mesmo tempo em que cria vagas na maioria dos municípios brasileiros, a PEC também limita as despesas das câmaras de vereadores. Atualmente, os municípios com até 100 mil habitantes podem destinar 8% de sua receita para os seus respectivos legislativos. O teto para aqueles cuja população é superior a 500 mil é de 5% do orçamento. Pela proposta, a distribuição dos recursos será feita de acordo com seis faixas, que variam de 4% a 7,5%, proporcionais ao número de habitantes.
Pelos cálculos do presidente da Comissão Especial da PEC dos Vereadores, deputado Mário Heringer (PDT-MG), a matéria permitirá uma economia estimada em R$ 1,2 bilhão.
“Temos que reduzir a liberação de verbas. Precisamos mostrar que o dinheiro está sobrando e eles (os vereadores) deverão se adequar as novas regras. Nós gastamos muito com despesas administrativas. Tem vereador viajando até para Foz do Iguaçu (PR) para passear com tudo pago pela câmara”, afirma Heringer, numa referência à reportagem divulgada pelo Jornal Nacional que mostra vereadores fazendo turismo com dinheiro público no litoral sul do país, onde deveriam estar participando de cursos.
Vereadores protestam
A PEC 333/04 divide as entidades que representam os legisladores municipais. Por um lado, elas defendem a criação de novas vagas nas câmaras municipais. Por outro, não admitem sequer discutir a diminuição do repasse a que têm direito. “Com essa PEC, eu vejo o legislativo subtraindo recursos do próprio legislativo”, diz o presidente da União dos Vereadores de Pernambuco (UVB), João Batista Rodrigues (PL).
Pela proposta do deputado Pompeo de Mattos, o orçamento das câmaras das cidades com até 100 mil habitantes vai cair dos atuais 8% da receita municipal para 7,5%. “Os recursos atuais já são insignificantes. Imagine tendo uma redução de 0,5%! Isso vai gerar um caos. Algumas câmaras necessitam de uma redução, é verdade, mas, em outras, vai inviabilizar o funcionamento. Na maioria dos municípios há uma completa falta de aparelhamento”, protesta Rodrigues.
Na avaliação da presidente do Conselho de Representantes da Associação Brasileira de Servidores de Câmaras Municipais (Abrascam), Nara M. Jurkfitz, caso a PEC seja aprovada, as câmaras municipais vão perder orçamento sem um critério técnico.
“A proposta do deputado Pompeo de Mattos é demagógica. Tira das pequenas e repõe nas cidades médias. Num golpe de misericórdia, quer reduzir orçamentos inclusive onde vai aumentar o número de vereadores”. O autor da proposta rechaça a crítica. “Demagogia é quando se faz alguma coisa para favorecer alguém. A minha PEC é dura. Não é demagógica É realista”, rebate Pompeo.
Segundo Nara, em vez de corrigir, a PEC reforça as distorções na composição das câmaras municipais. “O problema está, na realidade, nas lacunas encontradas em nossa Carta Magna, onde 1 habitante pode significar 12 vereadores. Sim, parece absurdo, mas está lá. Até 1.000.000 de habitantes – 21 vereadores. Onde há 1.000.001 habitantes há 33 vereadores”, afirma.
Como exemplo, ela conta que o município de Santo Ângelo (RS), com 79.603 habitantes e 681 km² de área, tem 10 vereadores, enquanto a cidade vizinha de Sete de Setembro, com 2.180 habitantes e 130 km² de área, possui 9 vereadores.
Entre as câmaras que devem ganhar cadeiras e perder orçamento, estão as de municípios médios, como Londrina (PR). Com a mudança das regras, o município paranaense passará ter 21 vereadores – três a mais que o número atual – mas perderá 0,5% do orçamento. O mesmo vale para cidades como Porto Seguro (BA) e Garanhuns (PE), terra natal do presidente Lula, que, a despeito de ganharem oito vereadores cada, perderão 0,5% do orçamento anual com a aprovação da PEC.
Prioridade equivocada
O presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do TCU (Sindilegis), Ezequiel Sousa do Nascimento, considera que os deputados erraram ao começar as mudanças necessárias para melhorar o legislativo pelo número de vereadores e a redefinição dos percentuais de repasses. “Eu tenho a impressão que essa não era a discussão (o número de vereadores) mais importante, mas, sim, o papel efetivo da Câmara. Nós temos é que fortalecer a sociedade. Criar mecanismos de regulação sobre os vereadores. Qual é o controle que a sociedade e o município têm sobre eles?”.
Na opinião do presidente do Sindilegis, os parlamentares poderiam aproveitar o momento para introduzir temas importantes para o bom funcionamento das câmaras, como o fim do nepotismo e a estruturação do plano de carreira para o servidor público. “Temos que aproveitar esse bom momento, essa boa idéia, para melhorar a Câmara”, afirma.
O presidente da União dos Vereadores de Pernambuco, João Batista, concorda com o presidente do Sindilegis e acrescenta mais um item deixado de lado pelos congressistas: a instituição da fidelidade partidária. “O Congresso Nacional deveria votar era a questão da fidelidade partidária. O vereador não pode ficar mudando de partido quando ele bem quer. Nossa entidade defende é uma reforma mais ampla”.
Tramitação
A Comissão Especial da PEC dos Vereadores terá o prazo de 40 sessões plenárias para votar o parecer do relator, o deputado Luiz Carlos Greenhalgh (PT-SP). Só então a proposta poderá ser votada pelo Plenário, em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação. Para alterar a Constituição, são necessários pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações.
Depois de aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos. Caso os senadores aprovem o texto tal como o receberam da Câmara, a emenda é promulgada pelo Congresso. Se o texto for alterado, volta para nova análise dos deputados.
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