Destaques das revistas
Carta Capital
Negócio da China
A cada um segundo, um motorista deixa 126 reais num posto de pedágio de São Paulo. O estado sempre teve a tarifa mais cara do País. O motivo, segundo o secretário estadual de Transportes, Mauro Arce, é São Paulo contar com as melhores estradas e fazer frequentes investimentos. Mas as coisas já eram mais ou menos assim antes de serem privatizadas.
O cidadão comum não entende por que a tarifa não pode ser reduzida. A insatisfação é maior quando se faz uma comparação entre o valor das tarifas estaduais e federais.
Enquanto um motorista paga 17,60 reais de pedágio por uma viagem de 1.124 quilômetros entre São Paulo e Belo Horizonte, ida e volta, pela rodovia federal Fernão Dias, num percurso menor até São José do Rio Preto – a 440 quilômetros de distância da capital paulista –, desembolsa 118 reais nos dois sentidos.
A realidade é nossa
De que maneira a regulamentação da produção de petróleo na camada pré-sal diz respeito aos interesses reais do País? Difícil encontrar uma reflexão mais séria por parte dos principais nomes dos jornais e tevês mais influentes, para os quais o pré-sal é mero discurso a usar ou atacar nas eleições de 2010. Cai além desse estreito campo de visão o modo como isso pode afetar o destino dos cidadãos brasileiros a partir de 2020.
Pois quantos, nesse meio, levam o real a sério enquanto ele não os atropelar? Conversar com alguns contatos políticos, desconstruir pós-modernamente o discurso – como se nada fosse real por trás dele – e avaliar a habilidade do político ou marqueteiro ao vender seu peixe é mais fácil do que aprofundar as minúcias de um assunto técnico e complexo que mais cedo ou mais tarde cederá o alto da pauta a outro.
Suprema incoerência
Há nove meses, a Procuradoria-Geral da República foi instada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a investigar as ligações entre um coronel da reserva do Exército, Sérgio de Souza Cirillo, e um professor especialista em propina, Hugo Sérgio Chicaroni. À época, Mendes não havia gostado da publicidade em torno do nome de Cirillo, ex-servidor do STF contratado por ele. Chicaroni acabara de ser condenado por subornar, a mando do banqueiro Daniel Dantas, um delegado da Operação Satiagraha. A informação sobre a ligação entre os dois constava, para irritação do ministro, justamente em uma sentença proferida pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
Para dar seguimento à representação de Mendes, o então procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza encaminhou o pedido de investigação ao procurador da República Rodrigo De Grandis, do Ministério Público Federal de São Paulo. De Grandis havia sido responsável pela denúncia contra a quadrilha de Dantas, com base nas informações levantadas pelo delegado Protógenes Queiroz. Mas logo o procurador iria perceber que a indignação do presidente do STF estava com validade vencida.
Uma troca de ofícios iniciada por De Grandis, em março deste ano, mas encerrada bruscamente por Mendes, três meses depois, demonstra a absoluta falta de interesse do presidente do STF em levar adiante a investigação solicitada por ele – com o tradicional estardalhaço da imprensa amiga – em 4 de dezembro de 2008. Desde então, Mendes tem se negado a fornecer uma informação básica e necessária ao Ministério Público para levar o processo adiante: as fichas funcionais de Sérgio Cirillo e de outro coronel, Joaquim Gabriel Alonso Gonçalves, ex-chefe da Secretaria de Segurança do Supremo. Estranhamente, o ministro vetou o fornecimento dos dados sob a alegação de que a competência investigatória do MP ainda não é reconhecida pelo tribunal. Então, pergunta-se: porque Mendes pediu à Procuradoria uma investigação sobre o caso?
O poder que mais falhou no Brasil
Rui barbosa deixou escrito que a “majestade dos tribunais se assenta na estima pública”. Essa estima, Rui Barbosa, como homem público, auxiliou o Judiciário a conquistar. Com a Constituição de 1891 em vigor, foi o primeiro a sustentar caber aos tribunais o exame da constitucionalidade das leis e dos atos administrativos.
Juízes e desembargadores passaram então a responder a processos criminais por terem declarado a inconstitucionalidade de leis e de atos administrativos estaduais e federais. No particular, os magistrados ganharam o apoio e o respeito da população, que precisava de órgãos isentos para dirimir controvérsias.
No curso da vida republicana verificaram-se, porém, variações acerca da credibilidade no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Judiciário e inspirado na Suprema Corte norte-americana. Por aqui, o critério de arregimentação de ministros para o STF é sempre criticado, da mesma maneira que a vitaliciedade e a ineficácia do mecanismo tendente a distanciar o ministro de alguma coloração político-partidária. Nos EUA, durante anos, vigorou o detestável modelo do juiz wasp (branco, anglo-saxão e protestante), que a latina Sonia Sotomayor acaba de derrubar.
Nem Iraque nem Venezuela
Após deixar o comando da Eletrobrás, em 2004, o físico Luiz Pinguelli Rosa voltou à universidade decepcionado com a incapacidade do governo Lula de reorganizar o setor elétrico, destruído pela malfadada experiência de liberalização na administração de Fernando Henrique Cardoso e pelo racionamento de 2001. O físico, escaldado, alimentava uma renitente dúvida sobre o modelo de exploração do pré-sal alinhavado no Planalto. Mas desta vez seus piores temores não se concretizaram. “Saiu até melhor do que eu esperava”, disse à CartaCapital o atual diretor da Coppe, o centro que organiza os programas de pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo Pinguelli Rosa, o governo age certo ao dar sentido de urgência aos projetos encaminhados ao Congresso. Por quê? “A taxa de corrupção pode diminuir.”
Veja
“O Brasil é a quinta potência”
A perspectiva de que o petróleo pode ser o caminho para levar o Brasil ao patamar de uma grande potência econômica habita o imaginário coletivo desde o início do século XX. O escritor Monteiro Lobato foi um dos primeiros defensores da ideia. Nacionalista, ele montou uma empresa de pesquisa, perdeu tudo o que havia ganhado com a literatura e ainda acabou preso por ter criticado militares favoráveis à abertura da exploração de petróleo a estrangeiros. No governo do presidente Getúlio Vargas, na década de 50, os partidos de esquerda, entoando o mesmo discurso, levaram milhares de pessoas às ruas em defesa do monopólio da Petrobras. A crença na capacidade salvacionista do petróleo está tão arraigada em uma parcela da sociedade brasileira que mesmo nos períodos em que sopraram ventos mais liberais a privatização da Petrobras nem sequer chegou a ser discutida. Petróleo e política, em momentos distintos da história, também funcionaram como um eficiente combustível eleitoral – fórmula que será repetida pelo governo nas eleições presidenciais do ano que vem.
A estratégia oficial ficou evidente no lançamento, na semana passada, do marco regulatório para a exploração do petróleo na chamada camada do pré-sal – uma promissora reserva localizada no oceano, a 300 quilômetros da costa e a 7 quilômetros de profundidade. O novo modelo estabelece o monopólio de exploração da Petrobras, ao contrário do que prevê a legislação em vigor, que permite a participação de empresas privadas. O evento foi marcado pelo ufanismo, da decoração verde e amarela ao slogan “Pré-sal: patrimônio da União. Riqueza do povo. Futuro do Brasil”. Há quem se tenha assustado com a decisão do governo de assegurar o controle estatal sobre uma riqueza da qual ainda nem se sabe a dimensão. O governo encaminhou ao Congresso os projetos que regulamentam o pré-sal estatal em regime de urgência. Empresários e políticos, até mesmo da base aliada, consideraram haver pouco tempo para decidir sobre um assunto tão complexo. A proposta criou atritos entre os governadores (veja o quadro abaixo), e líderes do governo chegaram a procurar Lula para pedir que ele retirasse a urgência, mas o presidente se recusou. Quer que o projeto seja aprovado até o início de 2010, para que a exploração comercial e, principalmente, política já comece no ano eleitoral. Seria isso parte de um plano federal em direção à estatização da economia?
Uma CPI para investigar o MST
Está prevista para esta terça-feira a apresentação do requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que vai investigar a origem e o destino dos recursos que abastecem o milionário caixa de quatro organizações não governamentais (ONGs) – Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), Centro de Formação e Pesquisas Contestado (Cepatec) e Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac) – que foram usadas durante anos como cofre clandestino do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Na edição da semana passada, VEJA revelou que parte do dinheiro recebido pelas ONGs, obtido através de milionários convênios assinados com o governo federal e de milionárias doações enviadas do exterior, foi usada para financiar as atividades criminosas do MST. A movimentação bancária mostra que expressivas quantias foram transferidas para pessoas e empresas ligadas aos sem-terra, como gráficas, editoras e transportadoras.
Como o MST não existe juridicamente, não pode ser responsabilizado penalmente pelas depredações e invasões de terra. Como não existe juridicamente, também não pode receber verbas oficiais. Para burlar o impedimento, militantes do movimento criaram ONGs que se credenciaram junto ao governo para treinar trabalhadores rurais. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal descobriram irregularidades na gestão desses convênios. A movimentação bancária revela o real destino do dinheiro. Apenas uma das entidades investigadas, a Anca, recebeu 14,5 milhões de reais de organizações do exterior, sem declarar isso à Receita Federal, que sugeriu a instauração de uma ação fiscal “para eventual identificação de ilícitos tributários”. Um detalhe curioso: a Anca funciona no mesmo endereço do MST, tem os mesmos funcionários do MST, atende no mesmo telefone do MST, repassa recursos para o MST, mas garante não ter nenhuma ligação com o MST.
A tentação de controlar tudo
O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, tentou. O Partido Comunista da China, com 70 milhões de declarados fiscais-militantes, também. Apesar dos fracassos, o Senado Federal brasileiro acreditou que poderia impor limitações ao uso livre da internet, a mais inovadora e democrática invenção humana recente. O vezo autoritário foi embutido na reforma eleitoral que tramita no Senado. A proposta, já aprovada por duas comissões, equipara a rede mundial de computadores ao rádio e à televisão, concessões públicas regulamentadas por lei. Debates eleitorais, quando realizados pela internet, exigiriam a participação de dois terços dos candidatos, inclusive os que nem o mediador conhece. Sites e blogueiros também ficariam impedidos de emitir opiniões sobre candidatos em período eleitoral. A boa notícia é que a ideia, por falta de lógica e aplicação prática, provocou tanta crítica que já deu pau. Se não houver nenhuma surpresa, ela será deletada da reforma e enviada à lixeira da história nesta semana.
Ignorando-se as novidades que mudam quase nada (veja o quadro), o saldo positivo da reforma eleitoral será a introdução da internet livre ao mundo das campanhas eleitorais. Doações a candidatos, antes realizadas por meio de depósito bancário e cheque, agora poderão ser feitas com cartão de crédito pela rede mundial. As prestações de contas dos partidos, cuja fiscalização hoje é meramente formal, terão de ser exibidas pelos sites da Justiça. O envio de e-mails pelos candidatos também será permitido desde que o eleitor possa excluir seu correio eletrônico da lista de destinatários. A multa para a infração é de 100 reais por mensagem ilegal. A única medida fiscalizatória que não deverá ser retirada é a restrição a propaganda paga na internet em períodos eleitorais – fato que já ocorre com jornais e revistas. “O recuo é uma vitória do bom senso e uma constatação de que a rede mundial, por natureza, é um território livre, como acontece na maior parte das democracias”, diz a advogada Patrícia Peck, especialista em direito digital e política na internet.
“Estou preparado para a morte”
Um dia desses me disseram que, ao morrer, iria encontrar meu pai, falecido há mais de cinquenta anos. Aquilo me emocionou profundamente. Se for para me encontrar com mamãe e papai, quero morrer agora”
Na semana passada, o vice-presidente da República, José Alencar, de 77 anos, deu início a mais uma batalha contra o câncer. É o 11º tratamento ao qual ele se submete na tentativa de controlar o sarcoma, um câncer agressivo e recidivo, diagnosticado pela primeira vez em 2006. A abordagem de agora consiste em quatro sessões semanais de quimioterapia. A químio foi decidida pelos médicos uma vez que o câncer de Alencar, com vários nódulos na região do abdômen, não respondeu a uma medicação ainda em fase experimental, em testes no hospital MD Anderson, centro de excelência em pesquisas oncológicas, nos Estados Unidos. Desde o início desse tratamento, em maio, o sarcoma cresceu cerca de 30%. A químio é uma tentativa de conter o alastramento do tumor. Visivelmente abatido, quase 10 quilos mais magro, Alencar recebeu a repórter Adriana Dias Lopes na sala 215 do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, enquanto passava pela primeira sessão de químio. O encontro durou cerca de uma hora. Nos primeiros dez minutos, o vice-presidente comeu dois hambúrgueres e tomou um copo de leite. Alencar chorou duas vezes. Ao falar de seus pais e da humildade, a virtude que, segundo ele, a doença lhe ensinou.
Candidatura em estado de alerta
A estratégia oficial para eleger a ministra Dilma Rousseff presidente da República foi moldada dentro de um cenário político paradisíaco. Os arquitetos políticos do governo montaram em sua cabeça uma eleição plebiscitária em que os brasileiros iriam às urnas daqui a um ano apenas para dizer sim ou não às conquistas do governo Lula. A força da alta popularidade do governo se encarregaria de apontar o vencedor, independentemente dos personagens e das circunstâncias envolvidos na disputa – simples assim. O sim seria expresso pelo voto em Dilma e ganharia de lavada. Faltou combinar com os eleitores e com os verdes. A ministra tem perdido simpatizantes e as intenções de voto estão migrando para a senadora Marina Silva, do Partido Verde. Marina já ganhou o apelido de “criptonita”, a pedra esverdeada que intoxica as células do Superman, da Supergirl e do Superboy, criaturas imortais dos mestres dos quadrinhos Jerry Siegel, Joe Shuster e Otto Binder.
No princípio, a tática mostrou-se correta. Desconhecida da maioria da população, Dilma foi apresentada como a “mãe do PAC”, o Programa de Aceleração do Crescimento, e passou a frequentar palanques ao lado de Lula. Em pouco tempo, ela conquistou 20% das intenções de voto. Como um comprimido efervescente em um copo com água, aos poucos a fórmula foi perdendo gás. A última pesquisa divulgada pelo instituto Sensus revelou que a ministra não está ganhando novos adeptos e vem perdendo simpatizantes, que desembarcam do projeto carregando no peito até certo ressentimento – de apoiadores, eles passaram a rejeitar a candidata oficial. “Dilma não conseguiu ganhar força eleitoral por seus próprios méritos. Os votos que ela tem hoje são do eleitorado que segue cegamente a orientação do presidente Lula”, afirma Ricardo Guedes, diretor do Sensus. A rejeição à candidatura Dilma bateu na casa dos 37%. Para os especialistas, a derrocada de um candidato atinge seu ponto de não retorno quando a taxa de rejeição chega a 40%. Falta pouco.
São dois pra lá, dois pra cá
O presidente Lula selou a maior compra militar do estado brasileiro desde a II Guerra Mundial tomando caipirinha e comendo moqueca de peixe no Palácio da Alvorada, na noite de domingo, véspera do feriado da Independência do Brasil. Seu companheiro de mesa era Nicolas Sarkozy, presidente francês, que estava no Brasil cumprindo uma tarefa de caixeiro-viajante: vender à Força Aérea Brasileira 36 aviões de combate Rafale, produzidos pela francesa Dassault – uma operação de 4 bilhões de dólares. Há onze anos que o Brasil prepara a compra de caças desse tipo, os quais, pela imensa capacidade de destruição e defesa, elevarão o poder geopolítico do país na América Latina. Estudos técnicos foram feitos e refeitos, orçamentos foram calculados e recalculados, diálogos diplomáticos foram entabulados e reiniciados – e todos esses esforços dissiparam-se numa decisão política tomada na privacidade de um jantar. Lula regateou, Sarkozy prometeu comprar aviões da Embraer; Lula regateou novamente, Sarkozy prometeu “transferir tecnologia” para o Brasil. Conversa vai, conversa vem… e negócio fechado! O acordo foi anunciado pelo presidente no dia seguinte.
Licença para invadir mais
Não param de surgir evidências de que o Ministério do Desenvolvimento Agrário é uma extensão natural das vontades dos grupos de sem-terra. Há, por exemplo, o repasse de verbas públicas para entidades ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o aparelhamento dos escritórios regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com funcionários oriundos do movimento. A mais recente demonstração de submissão aos interesses dos sem-terra foi o esforço, nas últimas semanas, do ministro Guilherme Cassel em ver aprovada a alteração dos índices mínimos de produtividade rural – o principal critério usado para desapropriar terras para a reforma agrária. Se aprovada, a proposta terá como efeito o aumento das invasões de terra, porque propriedades hoje consideradas produtivas passariam para a lista negra do Incra. É exatamente do que o MST precisa: uma desculpa para invadir novas propriedades. Sob pressão do movimento, o presidente Lula prometeu, no mês passado, mudar os índices de produtividade. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, é contra a medida. Nos bastidores do governo, está quente o embate entre Agricultura e Desenvolvimento Agrário.
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