Sylvia Maria Mendonça do Amaral*
Segmentos do Congresso Nacional iniciaram uma cruzada que vai contra a evolução da sociedade e das novas famílias que existem e não podem ser ignoradas. Comandados por um grupo de religiosos, principalmente evangélicos, alguns de nossos parlamentares estão realizando protestos contra a aprovação do projeto que criminaliza a homofobia e a discriminação contra homossexuais no país.
Mas alguns outros dados confirmam o que todos nós sabemos: um assunto polêmico como esse traz grandes contradições. A sociedade quer evoluir, mas parte dela teme aceitar determinadas transformações e outra parcela luta contra isso de forma veemente, por intolerância e preconceito.
Por um lado, legisladores estudam a viabilidade de se aprovar um projeto de lei que criminaliza a homofobia. De outro, estão os representantes do Senado fazendo manifestações contra o projeto de lei, alegando que ela irá ferir preceitos religiosos. E para ouvir a população acerca do tema, o Senado realizou pesquisa através do DataSenado, cujo resultado, divulgado recentemente, revelou que 70% dos entrevistados querem que atos de discriminação ou preconceito contra homossexuais se tornem crime, como prevê o Projeto de Lei Complementar nº. 122/2006.
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Foram ouvidas 1120 pessoas de todo o país. A elevada aprovação ao projeto se repete em quase todos os segmentos, com pouca variação segundo região, sexo e idade. Ou seja, não aprovar este projeto é caminhar contra a voz dos seus próprios eleitores.
Atualmente, o projeto de lei está em discussão na CAS (Comissão de Assuntos Sociais) do Senado, sem previsão de entrar na pauta de votações do plenário. Mas, pelo que vem sendo noticiado e visto no Congresso Nacional, será uma grande batalha.
As bancadas do Senado formadas por grupos religiosos lutam contra os interesses de grande parcela da sociedade baseados em preceitos de sua religião, incentivando, de certa forma, a discriminação e a homofobia em relação ao segmento GLBTT.
A intolerância deve ser freada. O texto atual do projeto, de autoria da ex-deputada Iara Bernardi (PT-SP), já foi aprovado na Câmara no ano passado e tramita no Senado e considera crime o preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.
Trava-se a luta que persiste desde os primórdios da civilização envolvendo princípios religiosos e políticos. A política e a religião andam lado a lado, muitas vezes em duelos onde forças são medidas, porém, muitas vezes, ignorando os anseios da própria sociedade que representam. Mas não podemos esquecer que nosso país é laico e que nossa Constituição Federal, no seu artigo 5°, garante a todos o direito à igualdade, à dignidade e à privacidade.
Esses pilares, que deveriam nortear e amparar todos os cidadãos, não são obedecidos plenamente no momento em que se permite discriminar determinados grupos. Um desses grupos é o formado por indivíduos que pertencem ao segmento GLBTT, que, apesar de marginalizados pelo próprio Estado, lutam, baseando a busca por seus direitos nos princípios constitucionais, inclusive nos casos de ações indenizatórias pela prática de atos discriminatórios.
O Legislativo deveria estar acima de quaisquer preceitos religiosos, exercendo sua primordial função de proteger a todos, mesmo que isso signifique aprovar projeto de lei criminalizando a homofobia, tão rejeitado pelos religiosos. Já se permitiu a inclusão no texto da Lei Maria da Penha a proteção abrangendo todas as mulheres, independentemente de sua orientação sexual, contra a violência doméstica. É um avanço incontestável, mas precisamos mais do que isso.
Os representantes do povo que integram bancadas religiosas manifestam-se contrários ao projeto de lei sob a alegação de que a homossexualidade vai contra todos os princípios de todas e quaisquer religiões. E mais: que, com a aprovação da lei, estarão impedidos de expressar seu pensamento, que deveria ser livre, ao condenar a orientação sexual diferente da heterossexual. Em suma, são contrários porque não poderiam mais discriminar.
A comunidade GLBTT sabe da urgência de aprovação de leis que protejam seus integrantes, incluindo-se aí o projeto de lei que regulamenta a “união estável” entre pessoas do mesmo sexo, parado há mais de uma década, exigindo, portanto, atualizações em seu texto.
A segurança da sociedade e das novas famílias deve estar acima de pensamentos retrógrados. Nossos representantes podem e devem acompanhar a evolução da sociedade ao legislar. Só com atitudes dessa natureza, conseguiremos iniciar a transformação de um quadro trágico, onde homossexuais e transexuais são mortos ou agredidos diariamente apenas em função de uma orientação sexual não heterossexual.
Precisamos mais do que leis para demonstrar e convencer os preconceituosos de que não se pode negar seja a quem for o direito à igualdade. Algo deve dar início a esse processo e, no caso, essa tarefa cabe ao Legislativo, que deve ter a coragem necessária para proteger aqueles que são insistentemente marginalizados.
*Sylvia Maria Mendonça do Amaral é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões do escritório Mendonça do Amaral Advocacia, autora do livro Manual Prático dos Direitos de Homossexuais e Transexuais e editora do site Amor Legal.
Artigo publicado em 04/07/2008. Última atualização em 12/08/2008.
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