Lúcio Lambranho
Servidores de 47 unidades do Judiciário brasileiro gastaram, de 1º de janeiro a 31 de julho deste ano, R$ 1,1 milhão por meio de cartões corporativos, reproduzindo prática do Executivo. Desse total, segundo levantamento ao qual o Congresso em Foco teve acesso, R$ 730 mil (66,36%) foram sacados em espécie – modalidade que, apesar de também consagrada pelo governo federal, contraria decreto assinado em 2005 pelo presidente Lula.
Os gastos com cartões corporativos no Judiciário estão distribuídos nas unidades da Justiça Federal de Primeiro Grau em 16 estados, em 18 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), no Tribunal Superior de Justiça (TST), em dez Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e no Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. No Distrito Federal, os gastos ficaram por conta do Tribunal de Justiça (TJDF).
Ao todo, 578 servidores da Justiça Federal utilizaram cartões corporativos, nos últimos sete meses, para pagar despesas consideradas urgentes e de pequeno valor, conforme as justificativas enviadas por Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) à reportagem.
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Margem a suposições
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes, declarou ter ficado surpreso com a utilização de cartões no Judiciário, principalmente na administração da Justiça Federal de Primeiro Grau. Para o presidente da Ajufe, o uso do cartão, principalmente na modalidade de saques em espécie, dá margem a suposições sobre a maneira como o dinheiro público é utilizado e “vulnera” o gasto público.
Nunes disse que durante sua administração na Seção Judiciária Federal no Rio Grande do Norte não sentiu necessidade de usar cartões corporativos para o pagamento de despesas. O juiz também condenou o uso do cartão para compra de material de consumo, como informaram os TRTs nos quais os saques em dinheiro foram superiores a R$ 10 mil.
“Esse uso pode criar a imagem de fracionamento de compras, um dos mecanismos para fugir das licitações usadas em fraudes”, avaliou o magistrado. “Sinceramente, não vejo com bons olhos o uso do cartão corporativo mesmo com o argumento de que é prático e facilita o pagamento de pequenas despesas”, completou o presidente da Ajufe.
O deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) disse que estuda uma medida regimental na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, da qual é integrante, para investigar os gastos com cartões corporativos. Segundo o parlamentar, se estiver configurado o descumprimento do decreto que regulamentou o uso dos cartões poderá caber uma representação criminal ao Ministério Público Federal.
“Na iniciativa privada, executivos e diretores de empresas também usam cartões corporativos. Eu duvido que a prestação de contas, principalmente quando existem saques, não tenha que ser seguida de uma boa justificativa”, afirmou.
“O outro problema é que tem muita gente com cartão corporativo, o que deve levar a um desperdício do dinheiro público”, acrescentou o tucano, que também defende a divulgação dos gastos mesmo nos casos de sigilo previsto em lei por medida de segurança nacional.
Cheque em branco
“É um problema sério de gestão de orçamento. Esses cartões não podem ser tratados como cheques em branco para que não exista nenhuma dúvida sobre sua utilização. É um tema novo e que não minha opinião precisa ser revisto”, avalia o juiz do Trabalho Douglas De Alencar Rodrigues, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O juiz trabalhista disse ter ficado surpreso com a informação sobre os gastos do Judiciário com cartões corporativos. “Isso precisa ser analisado com muita cautela porque com os gastos é preciso absoluta transparência”, ponderou.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o CNJ informou que existe por enquanto apenas um projeto para reunir informações orçamentárias do Judiciário e que, no momento, não há informações sobre o uso dos cartões corporativos.
Já o presidente da OAB, César Brito, afirmou que o CNJ deve regulamentar o uso dos cartões corporativos no Judiciário e também apurar eventuais abusos feitos a partir dos saques em dinheiro. Segundo Brito, o cartão corporativo é uma boa idéia para melhorar o uso em gastos urgentes, mas não pode ficar sem uma regra pré-estabelecida.
“Gastos em espécie devem ser uma exceção, em valores pequenos, e precisam de uma prestação de contas ainda mais rigorosa sob pena de autorizar desvios de verbas públicas”, afirmou o presidente da OAB. “Se a transparência é um valor do poder público, ela deve ser redobrada no Judiciário. A credibilidade é fundamental”, disse.
Saques
Não há qualquer denúncia ou suspeição sobre os autores dos saques feitos com cartões corporativos no Judiciário. Mas, para esclarecer a justificativa dos gastos, o Congresso em Foco entrou em contato com os Tribunais Regionais do Trabalho onde foram localizados os seis servidores que fizeram saques acima de R$ 10 mil. Foram eles:
– Olinto José Batista, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (R$ 40 mil);
– Zuara Saraiva dos Reis, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (R$ 23.040 mil);
– Ernani Graczyk Jardim, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (R$ 20 mil);
– Paulo César Cosimato, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (R$ 19.990 mil);
– Alexandre Moreira Mendes de Carvalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (R$ 13.525,00), e
– Paulo César José da Silva, do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (R$ 13.215,00).
Três dos quatro TRTs citados acima responderam aos questionamentos da reportagem (leia a íntegra das respostas). Apenas o TRT da 5ª Região não retornou o contato feito pelo site.
De acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, os cartões cobriram “despesas urgentes para o Tribunal e as 115 Varas localizadas no interior do Rio Grande do Sul”. Com os cartões, segundo a assessoria de imprensa do órgão, foram adquiridos desde material para manutenção, limpeza e conservação dos prédios, a materiais elétricos e de uso gráfico, entre outros.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região informou que cancelou os cartões em maio por opção gerencial. “As despesas com o cartão corporativo cobriram gastos que se impuseram, necessários à manutenção geral e prioritária nas áreas de eletricidade, hidráulica e outros serviços majoritariamente de reparos técnicos”, justificou a assessoria.
Já o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região alegou ter como base legal para o uso dos cartões corporativos os decretos presidenciais 5355 e 5635, ambos de 2005. Esse último, como mostrou o Congresso em Foco na semana passada, determina a restrição dos saques em espécie.
A ordem, no entanto, também não tem sido cumprida pelo próprio Executivo. Além de gastar somente nos primeiros sete meses de 2007 mais do que durante todo o ano passado com os cartões corporativos, o governo federal ainda viu 77,7% do total desses gastos serem sacados em espécie para o pagamento de despesas consideradas urgentes de mais de 6 mil servidores, como mostrou este site na semana passada (leia mais).
O farto uso dos cartões já rendeu um procedimento administrativo a cargo da procuradora Eliana Pires Rocha, da Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF). O procedimento administrativo foi aberto, ainda em 2004, após representação do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), atual ouvidor-geral da Câmara.
A reportagem entrou em contato com a procuradora da República, mas ela informou, por meio da Assessoria de Comunicação da PR-DF, que não concederia a entrevista. O último movimento do procedimento é de fevereiro deste ano.
MATÉRIA PUBLICADA EM 14.08.2007. ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO EM 19.03.2008
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