Antônio Augusto de Queiroz*
Em palestra sobre o funcionamento do governo, costumo dizer, “de modo simplista”, que se alguém quiser resolver um problema na administração pública federal deve procurar um funcionário de carreira em posto de comando. Se quiser tirar uma foto, deve procurar o ministro ou presidente da empresa ou órgão. De preferência, deve fazer as duas coisas.
O governo – qualquer governo – possui a mesma lógica de funcionamento. Os ocupantes dos cargos de primeiro escalão falam para fora do governo, anunciando e sustentando as decisões políticas, enquanto o segundo escalão fala para dentro, dando efetividade às decisões, cujo cumprimento depende da credibilidade deste perante seus pares.
De fato, a área técnica ou a burocracia profissionalizada, que formula, valida e implementa as políticas, como regra, só coloca em prática uma ordem se estiver convencida de seu respaldo legal ou se tiver certeza da credibilidade e legitimidade do ordenador, em geral um profissional de carreira com legitimidade perante a burocracia do órgão.
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As políticas públicas podem ser decididas na cúpula ou nascer nos escalões intermediários da burocracia. No primeiro caso, para serem colocadas em prática, necessitam do respaldo técnico, sem o qual dificilmente são implementadas ou mesmo transformadas em ato legal. No segundo, as sugestões já chegam para a decisão política com análise de impacto e em harmonia com as diretrizes governamentais.
Essa referência ao método de atuação dos governos vem a propósito da notícia (às vezes apresentada sob a forma de denúncia) de que os governos estão sendo aparelhados por pessoas vinculadas a partidos e sem qualificação para o exercício de funções públicas. A burocracia profissionalizada – e a do Brasil é das mais competentes e preparadas do mundo – tem sido um bom antídoto para esse tipo de situação.
Existem exemplos, inclusive na área econômica, de ocupantes de cargos no governo cujas idéias e propostas, mesmo contestadas pelos escalões intermediários e técnicos de carreira, ganham corpo, e, graças à pressão política ou à ânsia do titular em mostrar serviço, terminam sendo incluídas em projetos de lei ou medidas provisórias. Mas isso é exceção. É o chamado efeito inibitório. Quem faz uso desse tipo de expediente, em geral, paga um preço alto, além de ganhar fama de mau gestor.
A verdade, entretanto, é que enquanto houver o presidencialismo de coalizão, no qual o presidente da República precisa compartilhar a gestão para arregimentar base parlamentar, continuará essa prática de trazer gente de fora para assumir postos de comando no Poder Executivo. Trazer de fora não é o principal problema, mas sim trazer gente sem qualificação. O suposto aparelhamento, entretanto, produz bem menos estragos do que a oposição e a imprensa noticiam. Os controles existentes sobre os gestores – de carreira ou de livre provimento – são rigorosos, tanto pela Controladoria Geral da União (CGU) quanto pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
É claro que há casos de incompetência e até de corrupção – em governo de esquerda e de direita –, mas ambas são rapidamente detectadas e denunciadas aos órgãos encarregados da orientação ou da aplicação de punição, seja penal ou civil. O importante é que haja mudança da cultura política e cada vez mais funcionários de carreira, sensíveis ao comando político mas capazes de dizer “não”, estejam próximos do poder de decisão e ocupem cargos de alta direção sem serem tachado de inimigos do povo ou de parte de uma suposta “herança maldita”.
As carreiras de Estado – que aguardam atualização salarial compatível com suas atribuições, importância e responsabilidade – são formadas por profissionais competentes e comprometidos com os ideais republicanos, estando em perfeitas condições de assumir as responsabilidades próprias da alta direção. Entre elas, merecem destaque, no Poder Executivo, a carreira de auditoria, os analistas e técnicos do Banco Central, da CGU, do Tesouro Nacional e os gestores governamentais. No Legislativo, os analistas e técnicos do TCU e os consultores legislativos, analistas e técnicos da Câmara e do Senado. No Judiciário e no Ministério Público, além dos membros, os analistas e técnicos.
A administração pública, pelo menos no plano federal, já deu significativos passos no sentido da profissionalização, a ponto de, como regra, nenhum gestor, de carreira ou de livre provimento, tomar decisões sem respaldo técnico de funcionários de carreira e sem a manifestação dos respectivos órgãos jurídicos. Apesar das resistências localizadas e de algumas tentativas de criação de “trens da alegria”, o sistema de mérito tem avançado e a política de remuneração também avança no sentido da valorização e retenção desses quadros no serviço público.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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