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O brasileiro gasta mais água que a média mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com a entidade, uma pessoa precisa de cerca de 110 litros de água por dia para higiene pessoal e consumo geral. Segundo levantamento do Ministério das Cidades, o DF é a quinta unidade da federação em gasto médio de água por pessoa: um morador do Distrito Federal consome 189,91 litros de água por dia, quase o dobro da média recomendada pela OMS. O Rio de Janeiro encabeça a lista com 253,08 litros/dia, seguido do Maranhão (230,80 litros/dia), do Amapá (194,88 litros por dia) e do Espírito Santo (191,14 litros/dia).
Desigualdade no consumo
Dona do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do quarto maior índice de desigualdade social do Brasil, Brasília também reflete suas contradições no uso dos recursos hídricos. Segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), um morador do Lago Sul, considerado o bairro mais nobre da capital, consome 384 litros/dia, enquanto um morador da Itapoã, uma das cidades mais pobres do DF, consome 96 litros/dia, abaixo do recomendado pela OMS.
“As diferenças são espantosas. Pesquisa que fiz com meus alunos mostra que um morador do Plano Piloto chega a consumir 500 litros por dia, enquanto um do Park Way [outro bairro nobre de Brasília] pode consumir até 1.000 litros por pessoa por dia. A população precisa se conscientizar disso”, alerta a geógrafa Mônica Veríssimo, representante do Conselho de Meio Ambiente e do Conselho de Recurso Hídricos do DF e integrante do Fórum das ONGs Ambientalistas. “O deficit de água para abastecimento em Brasília já existe, buscamos água fora do DF, em Corumbá (GO). Não vamos tapar o sol com a peneira: existe um estado de escassez e o período de estiagem está ficando longo por conta de mudanças climáticas. Temos de levar isso para a sociedade”, acrescenta.
A Agência Nacional de Água (ANA) classifica o Distrito Federal como uma região de “baixa garantia hídrica” e suas bacias como “trechos críticos”. No DF, o consumo para abastecimento urbano representa a maior parte da vazão de água captada (80%), seguido de irrigação (16,2%), animal (2,0%) e rural (1,5%). Os números destoam da média nacional, na qual 72% vão para o consumo do setor agrícola.
Mudança de cultura
Para evitar a repetição das graves consequências políticas da crise da água em São Paulo – a maior da história do país –, o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu se antecipar diante do risco de um colapso hídrico. A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) lançou uma campanha de conscientização da população. A intenção é mobilizar a população para o uso consciente da água. O Lago Sul, o Lago Norte e o Park Way são as localidades com o maior gasto, por conta da irrigação de áreas verdes.
Para a assessora de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Caesb Raquel Brostel, a população dessas áreas precisa repensar os seus próprios sistemas. “Há outros tipos de solução como reuso da água e captação e uso de água da chuva para a irrigação. É preciso uma mudança de cultura. A crise vem para repensar como usar nosso recurso hídrico”, afirma.
Perdas do sistema com vazamentos e ligações clandestinas e fraudes também ameaçam o abastecimento. De acordo com Raquel, o índice de perda por vazamento na rede da Caesb chega a 35%. No Japão, por exemplo, o índice é de 2%. Ainda assim, no ano passado, a Caesb apresentou o menor índice de perda de água entre as companhias estaduais de saneamento do país, segundo o Ministério das Cidades. “Estamos com um financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para garantir o controle dessas perdas, especialmente em regiões de invasão em São Sebastião e Sol Nascente. Mas os resultados efetivos vão levar três anos”, diz a assessora da Caesb.
Medidas emergenciais
A preocupação com uma crise de água ainda em 2016 levou a Agência Reguladora das Águas do Distrito Federal (Adasa) a apresentar uma resolução com medidas de ação em caso de falta d’água nos principais reservatórios que abastecem a capital do país: o de Santa Maria, que abastece 75% da população do Plano Piloto, e o do rio Descoberto, que serve 65% dos moradores do Distrito Federal. A medida foi tomada devido ao cenário climático que aponta para um período longo de estiagem este ano.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a tendência é que chova menos do que o esperado na região até dezembro. Com a falta de chuva no ano passado, os reservatórios já começaram 2016 com menos água. “Se a chuva não estiver dentro do esperado até o final de setembro, é possível que os moradores do DF sofram restrições no uso da água”, afirma o superintendente de Recursos Hídrico da Adasa, Rafael Mello. “É uma resolução que esperamos não adotar este ano. Mas não podemos deixar acontecer o que aconteceu em São Paulo, em que a população foi pega de surpresa”, complementa.
Diante da reclamação de gestores da área de que não foram ouvidos na elaboração da primeira minuta da resolução, o Ministério Público do DF recomendou formalmente que o texto fosse revisto e os procedimentos de consulta pública, readequados. Para o MPDFT, o critério adotado pela Adasa para estabelecer alertas de escassez – o volume de água útil dos reservatórios – é insuficiente.
“Levar em consideração apenas se o nível da água está abaixo ou acima é bastante restrito. Outros critérios são importantes”, defende a promotora Marta Eliana. O Ministério Público recomenda que o governo implante postos de monitoramento da vazão dos rios, bem como campanhas educativas para a população, e melhore as estruturas hidráulicas existentes, para reduzir vazamentos de água. “Monitorar a vazão dos rios que enchem os reservatórios é fundamental. E, além das campanhas educativas, podemos também lançar mão de outras medidas como captação de água da chuva, uso de água cinza para irrigação e lavagem de quintais e calçadas”, sugere Eliana.
Crise anunciada
Em 1892, quando a Missão Cruls passou pelo Planalto Central fazendo suas investigações exploratórias para a mudança da capital do Rio para o centro do país, cientistas e técnicos identificaram uma vazão de 9 mil litros por segundo na bacia do Pipiripau, ribeirão que abastece as atuais cidades de Planaltina (DF) e Sobradinho (DF). Passados 124 anos, a vazão desse mesmo rio está em 900 litros por segundo: uma perda de 90%. A medição é uma prática fundamental para avaliar a quantidade de água disponível tanto para abastecimento humano, quanto para atividades de irrigação. A região do Pipiripau já teve racionamento de água decretado em períodos de seca.
“Dizer que a crise vai chegar em 2018, calma lá! O Pipiripau já está em crise e talvez outras bacias também estejam. Estamos num limite de oferta e demanda”, afirma o pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB (CDS) Osmar Coelho. Em sua dissertação, Céu de Pipiripau: da tragédia dos comuns à sustentabilidade hídrica, Coelho questiona a lógica por trás da gestão pública da água no país. “Hoje se planeja o desenvolvimento e depois se buscam os recursos ambientais e as mitigações. Constrói-se o planejamento em cima da demanda, e não da oferta. Precisamos de novos instrumentos de gestão e planejamento”, defende.
Ação humana
A ocupação desordenada é apontada como uma das principais causas da escassez de água no DF. Construções em áreas de nascentes, veredas, além da retirada indiscriminada de vegetação nativa, assim como a impermeabilização do solo com adensamento demográfico, são fatores que comprometem a recarga dos lençóis freáticos.
Uma das maiores preocupações de especialistas é com a região conhecida como Serrinha do Paranoá, área de alta sensibilidade ambiental responsável por cerca de 40% da água limpa do Lago Paranoá. O GDF prevê a expansão urbana na região, com o adensamento do condomínio Taquari e a construção de novos condôminos.
“É uma região de recarga de aquíferos. Ao construir um bairro de alta densidade, a região passa a ficar impermeabilizada, o que vai dificultar a infiltração da água no solo e aumentar riscos de erosão”, afirma José Roberto Furquim, presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável do DF e morador da região. “A renovação da água do Lago Paranoá vai ficar comprometida e aumentará o custo de tratamento”, acrescenta. O governo pretende utilizar o Paranoá como uma das fontes de abastecimento de água potável no DF.
Oportunidade de mudança
Um dos critérios para a escolha de Brasília como a cidade-sede do Fórum Mundial da Água foi o reconhecimento de esforços do Brasil na administração dos recursos hídricos. Para especialistas, o encontro será uma grande oportunidade para dar um salto de qualidade na gestão da água. Mas é preciso considerar a realidade que o país está vivendo. “É uma oportunidade de intensificar o debate com a sociedade, discutindo temas como a despoluição de rios e lagos e bons programas como o Cultivando Água Boa. Mas o governo tem de ter humildade. Os especialistas não virão para uma região confortável com os recursos hídricos. Não somos exemplo”, afirma Osmar Coelho.
O Fórum Mundial da Água é o maior evento global a tratar sobre a temática dos recursos hídricos. Brasília derrotou Copenhague na disputa para sediar o encontro com o tema “Compartilhando Água”. Esta será a primeira vez que um país no Hemisfério Sul sediará o evento, promovido pelo Conselho Mundial da Água (WWC, sigla em inglês). O fórum, que chega à sua oitava edição, é realizado a cada três anos. Pela relevância, o evento se tornou um marco no processo decisório sobre a água em nível global, com abrangência política, técnica e institucional. Na pauta do próximo encontro, estão a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030 e o Relatório Global de Riscos.
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