Dois dias depois de a oposição voltar a falar em impeachment, duas novas denúncias, publicadas ontem por Veja, colocaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no centro da crise política. Baseando-se no relato gravado por dois ex-assessores de Palocci, a revista afirma que a campanha eleitoral de Lula recebeu dinheiro de Cuba entre agosto e setembro de 2002. Em outra reportagem, diz que o próprio presidente avalizou o empresário Marcos Valério para pressionar o Banco Central (BC) a encerrar a liquidação nos bancos Econômico e Mercantil. O negócio, que renderia uma comissão de R$ 200 milhões a Valério e gordos dividendos ao PT, não se consumou.
A primeira acusação, porém, causou maior impacto. A legislação eleitoral veda o financiamento de campanha política com recursos enviados do exterior. A irregularidade é passível de cassação do registro partidário. Ou seja, caso as informações sejam comprovadas, Lula e todos os demais petistas correm o risco de ficar sem partido e, por extensão, fora da disputa eleitoral de 2006.
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Na matéria, o advogado Rogério Buratti e o economista Vladimir Poleto, que assessoraram Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto (SP), contam como o dinheiro teria sido transportado de Brasília a Campinas (SP) e, de lá, a São Paulo. A versão apresentada pelos dois é classificada por Palocci na reportagem assinada por Policarpo Junior como “fantasiosa”. A investigação de Veja não conseguiu apurar como os recursos teriam entrado no país.
Poleto relata que transportou o dinheiro em um avião Seneca, do empresário Roberto Colnaghi, de Brasília a Campinas. O montante estava guardado em duas caixas de uísque Johnnie Walker e uma do rum cubano Havana Club. Segundo ele, o valor seria de US$ 1,4 milhão. De acordo com Buratti, os recursos chegavam a US$ 3 milhões.
Os dois só teriam ficado sabendo da procedência do dinheiro depois, por intermédio de outro ex-auxiliar de Palocci, Ralf Barquete, morto em junho de 2004, vítima de câncer. No Brasil, o dinheiro teria ficado sob a tutela de Sérgio Cervantes, ex-diplomata cubano, apontado como amigo do ex-ministro José Dirceu, com trabalhos prestados ao governo de Cuba em Brasília e no Rio de Janeiro.
“Eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida", disse. "Depois do acontecimento, fiquei sabendo que tinha dinheiro dentro de uma das caixas", completou Poleto. De acordo com a reportagem, a suposta doação ao PT teria como origem os cofres do Partido Comunista Cubano ou o governo de Fidel Castro. Cervantes nega que tenha havido ajuda financeira para Lula. "Cuba está é precisando de dinheiro. Como é que pode mandar?", disse. "Isso não é verdade."
Barquete teria recebido o dinheiro no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e transportado a encomenda num Omega preto, supostamente dirigido por Éder Eustáquio Soares Macedo, até o comitê de Lula na capital paulista. Conforme o relato de Poleto, as caixas foram entregues ao então tesoureiro nacional do PT, Delúbio Soares. A informação é contestada por Delúbio.
Mas a denúncia é reforçada por Buratti. "Ele (Barquete) me perguntou certa vez sobre como trazer US$ 3 milhões de Cuba. Disse que poderia ser através de doleiros. Sei que o dinheiro veio, mas não sei como", afirmou o advogado à Veja. Há dois meses, Buratti acusou o atual ministro da Fazenda de ter participado de um esquema de corrupção em Ribeirão Preto, quando o petista administrava o município. A propina de R$ 50 mil, paga por uma empreiteira, serviria para abastecer campanhas eleitorais do PT.
Colnaghi, dono do Seneca responsável pelo transporte do dinheiro, é amigo de Palocci. O proprietário da locadora que cedeu os serviços do motorista do Omega preto é Roberto Carlos Kurzweil, outro empresário de Ribeirão Preto. À revista, Kurzweil confirmou que Éder Macedo trabalhou para o PT. O motorista trabalha hoje no Ministério da Fazenda, no Rio.
A Lei 9096/95 proíbe um partido político de receber recursos do exterior. Segundo a revista, Lula não pode ser responsabilizado pelo crime eleitoral, já que sua diplomação ocorreu há quase três anos. No entanto, a confirmação da denúncia pode acabar com as pretensões do petista em disputar a reeleição. “É tão grave, mas tão grave, que é a primeira das quatro situações previstas na lei para cassar o registro de um partido político. Isso é um atentado à soberania do país. É letal", comenta o ex-ministro do STF Valter Costa Porto, em entrevista à Veja.
Lobby no BC
Veja também traz informações novas sobre o lobby feito por Marcos Valério para pôr fim à liquidação dos bancos Econômico (da Bahia) e Mercantil (de Pernambuco). A revista já havia publicado, em julho, que Valério chantageou o governo para fechar a operação, que custaria R$ 1 bilhão aos cofres públicos e renderia ao publicitário R$ 200 milhões. Em troca, manteria em segredo aspectos comprometedores de suas relações com a cúpula petista.
Segundo a matéria, o negócio só não se concretizou porque “Valério se tornou uma figura nacional e passou a ser conhecido como ‘aquele carequinha mineiro que falava de dinheiro como se ele caísse do céu’ – nas palavras do ex-deputado Roberto Jefferson, responsável pela súbita notoriedade do operador financeiro do PT”. Os beneficiários seriam o banqueiro Ângelo Calmon de Sá, do Econômico, que sonha com a reabertura do banco, e o Banco Rural, interessado na compra do Mercantil.
Calmon de Sá confirmou à revista a ação do empresário mineiro em seu favor. ‘Valério disse que era capaz de resolver meu problema, que poderia fazer o Banco Central suspender a liquidação do Econômico. Disse ainda que não queria nada em troca para ele mesmo. Queria que eu contribuísse com o PT quando estivesse tudo resolvido. Concordei com essa proposta, é claro”.
Veja conta que o presidente do BC, Henrique Meirelles, foi convocado por Palocci para uma reunião com Lula no Palácio do Planalto. No encontro, do qual Palocci terminou não participando, o presidente da República teria demonstrado aborrecimento com a resistência do Banco Central ao fim da liquidação pretendido por Valério. Lula teria repetido “a mesmíssima argumentação que ouvira do ministro da Fazenda a respeito da resistência técnica do BC ao pleito de Marcos Valério: ‘Não dá para vocês ganharem todas’”.
De acordo com a revista, o ex-ministro José Dirceu também pressionou em favor da medida.
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