As cenas finais e dramáticas da série que culminou na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram ocasião para que viralizassem nas redes sociais manifestações de cidadãos que eu chamaria de “desbrasileiros”, nativos que falam do Brasil, da cultura nacional e sobretudo dos políticos como se não estivessem intimamente implicados nos fenômenos que criticam. Luiz Inácio Lula da Silva é uma das figuras mais relevantes da história recente do Brasil. Sua importância para a trajetória da conquista dos direitos sociais ainda vai ser devidamente resgatada pelas futuras gerações.
No entanto, mesmo um homem e um partido com esse capital simbólico cometeram o grande erro de escolher dançar a dança que era dançada desde sempre, ao invés de procurarem modificar o repertório de dentro pra fora. Muitos foram os avanços, mas mais numerosas ainda foram as concessões. O resultado disso foi que esse partido e esse homem se tornaram o símbolo do oposto daquilo que um dia representaram. O Brasil inteiro perdeu.
É claro que se deve comemorar que as investigações da Operação Lava Jato tenham produzido mais um resultado prático. Mas assusta perceber que os desbrasileiros parecem ter lido o episódio pelo seu lado mais superficial, o da crônica do grotesco. Me questiono se o combate à corrupção, em sua perspectiva de amadurecimento político e democrático, é mesmo uma prioridade nacional, ou se só interessa pelo que gera de espetáculo, de catarse. Ou mesmo de oportunidade para fazer uma selfie com a camisa do Brasil antes da copa.
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Milhares foram às ruas “protestar” como quem vai passear no parque. Milhares foram os compartilhamentos de memes que procuravam retratar o momento da prisão, o cotidiano de Lula na cadeia ou a disputa Lula x Moro como um faroeste. Poucas e com baixíssima adesão foram as reflexões que tentaram lançar luz a esse momento da história que atravessamos. Cito uma.
Na quinta-feira (5), em O Globo, antropólogo Roberto DaMatta investigou as origens desse sentimento de falta de pertencimento do brasileiro. Ele lembrou que um país não é uma “coisa” a ser entregue a um grupo de pessoas, os políticos, para que eles tomem conta; o Brasil somos nós. E o resultado do que nós fazemos com os nossos dias. “Uma visão vertical do sistema nos leva a olhar quem está por cima (para pedir ou obedecer) ou por baixo (para favorecer ou cuidar), mas uma perspectiva horizontal, hoje obrigatória, muda tudo. Agora, o exemplo vem, esperamos, dos ‘supremos’, mas também do bom senso igualitário: de um olhar agudo para os lados. Sem isso, vamos continuar procurando messias e santos e encontrando caudilhos e boçais”, disse o antropólogo.
Quando analisou o julgamento do nazista Eichmann, a filósofa Hannah Arendt falou sobre a banalidade do mal, que acontece quando o ser humano não se responsabiliza pelo que faz de ruim ou acredita que o que faz não produz nenhum efeito sobre os outros. O que me parece estar acontecendo no país é o fenômeno da banalidade da política. Lula e o PT são responsáveis pelos erros que cometeram, mas cada um de nós é também responsável por Lula, pelo PT e por todos os atos de corrupção cometidos nesse país.
A origem da desimplicância nos assuntos da política está na falta de formação para a política. Como venho insistindo nesse espaço, a política institucional é só uma pequena parte do que deve ser a vida política de uma comunidade, de um país. Nossos cidadãos precisam ser preparados para se responsabilizar pelo que diz respeito a todos – nas famílias, nas escolas. Enquanto continuarmos a criar seres humanos que só se preocupam com o próprio bem-estar, vamos continuar a mandar nossos sonhos para detrás das grades. E isso não é engraçado.
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