Daniel Duque*
Desde o agravamento da pandemia do coronavírus, começou a se mostrar necessário que o Governo Federal expandisse seus gastos, tanto para aumentar os recursos na saúde pública, quanto para aumentar a proteção social daqueles que estão vulneráveis aos efeitos de uma recessão. Desse modo, alguns economistas têm defendido a ideia de flexibilizar ou suspender o teto de gastos do país.
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A Emenda Constitucional 95 instituiu um mecanismo de controle dos gastos públicos federais em dezembro de 2016. Desde então, o gasto máximo que o governo poderia ter é calculado com base no orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação, com previsão de duração de pelo menos dez anos.
A base de cálculo são os gastos da União no ano anterior, excluindo:
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O pagamento de juros da dívida pública, as transferências obrigatórias para estados, municípios e Distrito Federal, gastos com eleições, dinheiro injetado em estatais e repasses para o Fundeb. É importante também ressaltar que o teto se refere ao gasto público total, não a qualquer parte dele, como educação e saúde. Uma recomposição do orçamento federal permitiria aumentos reais nessa área sem qualquer limite legal.
O teto de gastos tem como principal função se contrapor à tendência dos governos de gastar mais do que deve. Isso ocorre por diversas razões, fartamente documentadas na literatura econômica. Além disso, regras fiscais também têm o papel de dar credibilidade necessária para políticas econômicas, pois, sem elas, famílias e empresas podem acabar por temer o uso de gastos oportunistas do governo, reagindo de forma negativa, o que teria efeitos prejudiciais à economia.
Desse modo, há de se questionar se, de fato, valeria a pena nesse momento de incerteza, flexibilizar o teto de gastos. Até porque, mesmo mantendo-o como está hoje, ainda assim o Governo poderia aumentar seu gasto para medidas de compensação devido à provável recessão que está para ocorrer.
O teto de gasto estimado para 2020 é de R$ 1,45 trilhões. Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de Março de 2020, da Instituição Fiscal Independente (IFI), há uma “folga” entre a projeção de despesa primária e o teto em R$ 26 bilhões. Isso ocorre porque o Governo Federal definiu uma meta de resultado primário (ou seja, a subtração das receitas e despesas não financeiras) com despesa abaixo do teto.
Além espaço de gasto, a própria lei do teto prevê que políticas de resposta a calamidades públicas não estariam limitadas. O Governo já enviou ao Congresso o reconhecimento desse status para a situação atual, o que já foi aprovado na Câmara.
Como se vê, o teto de gastos cumpre papéis importantes, tanto de dar previsibilidade e credibilidade à política fiscal do governo, quanto de conter imperfeições do sistema política, como influência dos grupos de interesse, que tende a aumentar o gasto acima do desejável. E, tendo em vista que no formato que está, ainda permite que o Governo Federal use maiores recursos em momentos de calamidade pública, além de para o próprio ano de 2020 permitir um aumento de gasto no montante de R$ 26 bilhões, não há razão para flexibilizá-lo nesse momento.
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*Daniel Duque é economista e mestre em economia pela UFRJ, trabalhando como head de Inteligência Técnica no CLP – Liderança Pública, e como consultor do Ibre/FGV, Banco Mundial e assistente de pesquisa da PUC-RJ e FGV-Rio.
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