Chico Whitaker*
Os recentes depoimentos na CPI da Pandemia e as manifestações de rua contra Bolsonaro nos fizeram entrar num período de grande agitação política. Ela pode prenunciar um desfecho mais rápido do drama que vivemos desde que o poder político foi entregue por nós mesmos – ou pela maioria dos eleitores que votaram – a uma pessoa totalmente despreparada para isso e claramente irresponsável.
Nem falemos do cumprimento sistemático de suas declarações depois de eleito, de primeiro destruir todas as nossas conquistas democráticas dos últimos quarenta anos para atender aos interesses dos donos do dinheiro. O que mais impressiona é a sua total desconsideração da vida e do sofrimento humano, como é próprio ao comportamento psicopático, e a consequente desfaçatez com que ignora totalmente o número de vítimas da covid, que em nosso país já começou a ultrapassar com folga o meio milhão.
Desde que essa doença começou a assolar o mundo, há mais de um ano, sua opção foi a da discutível teoria da imunidade de rebanho – “um dia temos mesmo que morrer”, como dizia… Quantas mortes teriam sido evitadas se a política de saúde do governo federal tivesse seguido as recomendações da Organização Mundial da Saúde, como o fez todo o resto do mundo? Lá fora já está se conseguindo vencer o vírus, apesar do surgimento de novas cepas. Estas, aqui, se mantida a opção criminosa do Presidente da República, levarão necessariamente a uma desgraça ainda maior.
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Houve já quem propusesse um exame psiquiátrico para afastar esse presidente – e com ele todo o séquito de criminosos que o orientam ao mesmo tempo que o obedecem. Mas esse caminho para nos salvar do desastre completo vem se mostrando impossível, apesar das suas atitudes cada vez mais irresponsáveis o exigirem.
Duas outras saídas vêm sendo propostas: a de desgastá-lo até as eleições de 2022, quando então a voz das urnas o derrubará ou, antes disso, a do impeachment.
Mas até as eleições de 2022, quantos de nós seremos ainda vitimados pelo vírus, ao longo de um ano de desgaste do execrável? E quanto ao impeachment, mais de uma centena e meia de pedidos já se acumulam na mesa do presidente da Câmara.
Além de aliado daquele que se quer afastar ele não lhes dá o devido seguimento, assim como não lhes deu o presidente anterior, porque sabe que grande parte dos parlamentares é movida por interesses mesquinhos, atendidos por verbas do orçamento da União mal usadas pelo bando no poder. É “o tempo dos homens mínimos”, como diz o poema que ilustra a plataforma virtual O Candeeiro, que estimula ações de resistência.
Nessa mesma plataforma está sendo lembrado um terceiro caminho, talvez mais rápido: mobilizar a sociedade para levar o Procurador Geral da República a denunciar ao Supremo Tribunal Federal os crimes do Presidente no enfrentamento da pandemia, previstos no Código Penal. Uma campanha foi organizada com esse objetivo: Ô Ministério Público, Denuncia Já. Bastaria a ele atender ao solicitado em três Representações apresentadas nesse sentido, pela OAB, pelo Movimento 342 Artes e Grupo Prerrogativas, e pela Associação das Vítimas e Familiares das Vítimas da covid – AVICO.
Nos últimos dias surgiu na própria CPI – assim como no noticiário da imprensa – a suspeita de crime de prevaricação do Presidente, agregando-se àqueles tratados nessas representações, pelo encobrimento de negociações espúrias na compra de vacinas, nas quais estaria implicado o próprio líder do governo na Câmara. Estes fatos desvelam mais uma causa da tragédia do morticínio: a corrupção. E isto aumenta a urgência da denúncia do Procurador-Geral ao STF.
Se a Câmara autorizasse o processo criminal que seria então solicitado pelo STF, o inominável seria afastado imediatamente. Pouca gente está informada desse caminho. Mas, para que isso efetivamente aconteça, o clamor social pela denúncia precisaria vir também de dentro do próprio Ministério Público, como propõe a campanha do Candeeiro, para que seu chefe máximo cumpra imediatamente seu dever ético e todo o Ministério Público Federal escape da acusação de cúmplice no morticínio, por omissão.
O fato é que estamos nos aproximando, cegamente, de outro desfecho, tão ou mais tenebroso que o milhão de mortos pela pandemia: o do desejo do presidente, e de seus violentos filhos, de mergulhar o país numa guerra civil, a partir da negação dos resultados eleitorais de 2022. Teriam eles o mínimo de consciência do que é a tragédia de uma guerra civil, que graças a Deus nosso país nunca conheceu? É improvável, já que ele disse, também: “Fui formado para matar”.
Um número crescente de analistas começa a decifrar seus planos assustadores: um golpe de Estado nos moldes do ocorrido na Bolívia, apoiado nas Policias Militares dos Estados, cujo efetivo é hoje três vezes maior do que o das Forças Armadas.
Seus baixos escalões, doutrinados no velho anticomunismo da Guerra Fria e na rejeição primária de Lula, prenderiam os governadores e reprimiriam violentamente todos que resistissem. Milícias e civis raivosos que, em 2019 e 2020, conseguiram se apropriar de três vezes mais armas do que nos anos anteriores, se encarregariam dos demais poderes e, pelo Brasil afora, quando então todos os recalcados se revelariam, saberiam o que fazer com os fichados como oposição que não tivessem conseguido sair do país a tempo. Nesses planos se incluiria a divisão em curso das Forças Armadas para que, enfraquecidas, não conseguissem restabelecer a ordem.
Esperaremos esse terrível fim de ano de 2022? Ou faremos em 2021 tudo que esteja a nosso alcance para que o Brasil não acabe?
*Chico Whitaker é consultor da Comissão Brasileira Justiça e Paz, recebeu em 2006 o prêmio Right Livelihood Award, também conhecido como Premio Nobel Alternativo por sua atuação em favor dos direitos humanos e da sustentabilidade.
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