Rogério da Veiga*
A diversidade e a complexidade da realidade brasileira exigem políticas públicas efetivas, implementadas por servidores com sólida formação em gestão pública e nos temas em que se especializam. Cabe ao bom governante selecionar profissionais que aliem capacidade técnica e política para entregar serviços públicos de qualidade à população.
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Na atual gestão, tem chamado atenção a nomeação de militares para cargos nas mais diversas áreas do governo federal. Levantamentos feitos pela imprensa apontam que há entre 2.500 e 3 mil militares ocupando cargos civis de alto, médio e baixo escalão. No Ministério da Saúde, por exemplo, militares sem experiência prévia em políticas de saúde têm substituído servidores de carreira com longa atuação no Sistema Único de Saúde, requisito fundamental para lidar com a pandemia de covid-19.
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Nove das 23 pastas ministeriais são comandadas por militares – nem Médici, Geisel, Figueiredo ou Costa Silva tiveram maior proporção. Como comparação, a Venezuela tem hoje, proporcionalmente, menos ministros militares.
Segundo o Datafolha, 52% dos brasileiros são contra a presença de militares no poder. Já o Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação verificou que 58,7% dos brasileiros acham que a presença de militares em cargos de 1º e 2º escalão não ajuda a democracia.
Um debate se coloca: a formação militar é a mais adequada para a ocupação de cargos voltados à formulação e implementação de políticas públicas em áreas tão diversas como saúde, educação, minas e energia, meio ambiente, infraestrutura, dentre outras?
Militares têm formação em temas voltados à defesa, à segurança, às ciências militares, às armas e suas especificidades, estando aptos, portanto, às políticas relativas à missão que a Constituição Federal determina às Forças Armadas, isto é, a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais.
A ocupação por militares de funções essencialmente técnicas, para as quais há servidores públicos com experiência, compromisso e formação na área, é uma decisão mais política do que técnica e que, portanto, pode não ser a mais adequada para enfrentar os desafios da gestão pública. Tal escolha mostra que a gestão especializada de políticas públicas não tem sido priorizada pelo governo federal.
Há de se destacar que uma das principais características da cultura dos quadros militares é a hierarquia rígida, na qual ordens de superiores não devem ser questionadas. No escopo da administração pública civil, essas posturas não são saudáveis. As decisões tomadas no âmbito público são complexas e demandam diversidade de pontos de vista, amplo debate público e conhecimento sobre experiências anteriores e boas práticas em outras esferas governamentais.
Por outro lado, o Estado brasileiro conta com carreiras específicas que têm como missão desempenhar a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas. São compostas por servidores experientes, comprometidos e com formações diversas para desempenhar funções típicas de Estado. Esses quadros profissionais têm a missão de zelar pela continuidade das políticas públicas e pela memória institucional, uma vez que governos passam, mas as políticas de Estado devem continuar.
O aprimoramento das políticas públicas passa necessariamente por uma gestão especializada e pelo fortalecimento de uma burocracia estatal técnica, selecionada por concurso público, com formação continuada e avaliação de desempenho periódica.
Não se trata de uma disputa por cargos e posições, mas da defesa da eficiência das políticas públicas com a entrega de serviços adequados à população. Colocar as carreiras dedicadas a políticas públicas em segundo plano significa colocar a própria gestão em risco.
*Rogério da Veiga é vice-presidente da Anesp, especialista em políticas públicas e gestão governamental.
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