Ceuci e Iara estavam eufóricas com os resultados obtidos durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), especialmente o acordo sobre a eliminação do carvão como fonte de energia. Elas, que sofriam com a destruição das florestas e a poluição dos rios, compreendiam a urgência em salvar o planeta da sua extinção anunciada pela ciência e proclamada no mundo das espiritualidades.
Emanuel, Jaci e Oxalá não escondiam a desconfiança sobre a efetividade das deliberações da ONU para a proteção do planeta. Embora comemorassem os resultados anunciados, já tinham presenciado a mesma euforia quando das conferências passadas, desde que o Rio de Janeiro sediou a primeira Cúpula da Terra (ECO-92) e, vinte anos depois, a Rio+20. Em todas elas as mesmas palavras foram postas em tratados, acordos de clima e papel, logo esquecidas quando os interesses econômicos apresentavam as suas contrariedades quando a proteção ao planeta implicava em redução dos lucros.
– Jaci eu sei que você conhece todas as faces das nossas criaturas – iniciou Ceuci. – Mas você não acha que a ideia da sobrevivência da própria humanidade pode ser a palavra-chave a unir todos os seres do planeta?
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– Claro que o instinto de sobrevivência acompanha o avançar do planeta, determinando quem ultrapassa ou se queda em determinada quadra do tempo – respondeu, Jaci. – Nós já testemunhamos que espécies foram extintas, transformadas ou nascidas unicamente em razão da sua capacidade de adaptação ao habitat, aos adversários, às doenças, às mudanças ambientais ou mesmo à sua formação genética.
– Exato! Sabemos que a História é o registro cronológico do evoluir da vida sobrevivente do planeta – interrompeu Ceuci, ainda insistindo em seu esperançar. – Mas você não acha que essas conferências não servirão de base para corrigir os fracassos e apontar os caminhos mais seguros a serem percorridos?
– Realmente a preocupação com a sobrevivência do planeta tem aparecido em várias orações – respondeu Emanuel. – Começa-se a compreender que a finitude dos recursos naturais que criamos exige o compromisso de proteger o planeta da ação predatória da mente humana, tanto em sua busca incontrolável pelo lucro, quanto pelo vício desenfreado do consumo ou, ainda, pelo simples poder de ser dono do insaciável poder.
– “Eu fiz a terra, os seres humanos e os animais que nela estão, com o grande poder e com meu braço estendido, e eu a dou a quem eu quiser.” – declamou Jaci as palavras proféticas de Jeremias, para logo provocar. – O Pai está arrependido da sua criação?
– “Eu lhes digo que não” – respondeu Emanuel. – “Mas se eles não se arrependerem, todos eles perecerão”.
– Eu também acho, especialmente aqui no Brasil – emendou Oxalá. – Você lembra quando Iroko ficou revoltado ao saber da extinção de várias reservas ecológicas? E quando abriram a possiblidade de destruir Fernando de Noronha? Ele quase convenceu Olurum promover um recall na própria humanidade.
– Realmente eles estão desequilibrando o ecossistema e matando o futuro das próximas gerações – anotou Iara. – Eu já não consigo proteger as águas doces que eles precisam para sobreviver.
– Nós temos que acreditar no pacto civilizatório proposto pelos governantes – ponderou Ceuci. – É a única esperança que temos. Ou ela ou um novo dilúvio.
– Verdade, Ceuci – retomou Iara. – Sabemos que a sobrevivência sustentável do planeta depende dos compromissos assumidos no hoje, especialmente aqueles que garantem conservação da nossa moradia como um ambiente socialmente justo, solidário e igualitariamente utilizado por todas as pessoas.
– É mesmo urgente essa mudança de mentalidade, do meu cantinho lá no céu percebo que a Terra já não ostenta o mesmo tom azul que o cosmonauta Yuri Gagarin propagandeou ao pousar a sua Vostok I – concordou Jaci. – Será a chegada do Apocalipse que João anteviu?
– Realmente o nosso querido apóstolo advertiu que o envenenamento das águas dos rios e o aquecimento dos mares seriam fatores decisivos para a concretização do anunciado apocalipse – assentiu Emanuel.
– Além de nossa percepção diária, hoje a ciência nos mostra que há previsões detalhadas e consistentes dando conta dos desequilíbrios ambientais já perpetrados, do aquecimento do clima, da perfuração da camada de ozônio, dos desmatamentos, da poluição das nascentes, do acelerado degelo das calotas polares, tudo que se poderia chamar de crônica de uma tragédia anunciada – emendou Oxalá. – Oxum também tem transmitido a sua preocupação com o Aiyê.
– Como reverter esse quadro? – retomou Ceuci. – O caminho, penso, é conscientizar cada vez mais a população para a preservação do seu habitat. Organizá-la. Estimular a sociedade civil a agir, a se estruturar para reclamar a preservação desse direito fundamental à existência.
– Até porque, como você mesmo disse, Ceuci – encerrou Jaci. – É esperançar ou dilúvio.
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