Composta por mais de 250 deputados, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, mais conhecida como bancada da bala, é considerada uma das mais atuantes e poderosas do Congresso. Junto com as bancadas evangélica e do agronegócio, forma um poderoso trio que, por vezes, atua em conjunto na defesa de pautas consideradas mais conservadoras no Congresso. Endurecimento da legislação penal e facilitação do acesso às armas para a população civil são as principais bandeiras do grupo, que é liderado, sobretudo, por parlamentares com origem em forças de segurança pública.
Novo levantamento realizado pelo Congresso em Foco revela que a região Centro-Oeste é a que tem a maior proporção de deputados na bancada da bala. De cada dez parlamentares do Distrito Federal, de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, seis integram o grupo. É do DF, por exemplo, o criador e atual presidente do bloco, o deputado Alberto Fraga (PL), coronel reformado da Polícia Militar.
Os dados fazem parte do Projeto Awire, seção especial voltada à segurança pública lançada nesta segunda-feira (5) pelo Congresso em Foco. O projeto, apoiado pela Open Society, atuará em duas frentes: na cobertura e no acompanhamento da agenda legislativa nessa área e no monitoramento de instituições policiais e militares, inclusive para destacar boas experiências (saiba mais sobre a iniciativa).
Goiás é o estado do Centro-Oeste com maior proporção de deputados armamentistas. Dos seus 17 deputados federais, 11 (64%) assinaram o requerimento de criação da frente parlamentar.
Se o Centro-Oeste é a região com maior índice de deputados pró-armas, são da região Norte os três estados com maior representação proporcional dos parlamentares armamentistas. Todos os oito representantes de Tocantins na Câmara integram a bancada da bala, da qual fazem parte 75% dos deputados federais de Rondônia e do Acre.
Em números absolutos, São Paulo é o estado com maior número de deputados pró-armas: 31, ou seja, 44% dos seus 70 deputados federais.
O Nordeste é a região que apresenta o menor percentual de adesão à bancada da bala, com 39% de seus deputados na frente parlamentar. Apenas dois estados da região contam com mais da metade de seus representantes dentre os signatários: o Rio Grande do Norte, com 62%, e a Paraíba, com 58%.
Também vêm do Nordeste os dois estados com menor participação de deputados na bancada da segurança pública: Maranhão, com apenas um membro, e Piauí, com três. Outros quatro maranhenses que estão licenciados do mandato são apoiadores da frente parlamentar. Mesmo com a eventual volta deles, o estado continuará a ter, proporcionalmente, o menor índice de integrantes na bancada da bala.
Veja o percentual de deputados pró-armas por região:
Sudeste = 44,13%
Sul = 46,75%
Norte = 56,92%
Centro-Oeste = 64%
Nordeste = 39%
Confira a participação dos deputados na bancada da bala, por estado:
Sudeste à frente no Senado
No Senado, não há uma frente parlamentar formalizada para a área da segurança pública. Ainda assim, ao menos 13 senadores abraçam declaradamente a bandeira da flexibilização do comércio de armas.
A região com mais parlamentares defensores da pauta armamentista é o Sudeste. Dois dos três senadores do Espírito Santo, um de Minas Gerais, um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro são pró-armas. Goiás, Rio Grande do Sul e Rondônia têm dois nomes cada. Santa Catarina e Rio Grande do Norte contam com um nome cada um.
O levantamento do Congresso em Foco mostra que, também no Senado, o Nordeste é a região com menor adesão parlamentar à causa armamentista.
Veja a distribuição dos senadores pró-armas por estado:
Armas e terras
Na avaliação do presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, Alberto Fraga, a maior incidência de deputados pró-armas no Centro-Oeste reflete o interesse da população da região pelo tema. “A vontade de ter uma segurança pública de qualidade faz com que a população vote em pessoas comprometidas com essa bandeira”, disse ele à reportagem. A mesma lógica, acrescentou, aplica-se às demais regiões do país onde os armamentistas têm elevada representatividade.
Pesquisador da violência urbana, o sociólogo José Claudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), enxerga a questão de outra forma. Para ele, a explicação para a forte presença de deputados pró-armas em determinadas regiões está relacionada com a forte representação do agronegócio nessas bancadas. A facilitação do acesso a armas é uma das bandeiras de parlamentares ligados ao setor, sob a alegação de que não podem faltar meios para a defesa do direito à propriedade.
“O Norte e o Centro-Oeste são onde o setor privado avança sobre terras públicas, reservas indígenas, quilombos, comunidades ribeirinhas, entre outros. O capital grila terras, mata e se elege com essa bandeira. A maior intensidade da atuação na fronteira agrícola exige maior suporte político dadas as resistências locais, a dimensão espacial, o histórico de ocupação e a presença de terras indígenas demarcadas”, aponta o professor.
No caso do Nordeste, onde a bancada da bala tem menos força, José Claudio considera que "o processo histórico de consolidação dos grupos dominantes" já se concluiu, não havendo mais uma disputa de interesses na proporção da verificada atualmente no cerrado e na Amazônia, áreas de expansão agrícola. Com isso, cai também a demanda por políticas de fomento ao uso de armas, segundo o sociólogo.
Alberto Fraga, porém, acredita que os nordestinos pagam um preço alto por darem menos importância à questão da segurança. “O Nordeste não tem a segurança pública como bandeira principal. Os exemplos estão aí: os estados mais violentos do Brasil estão no Nordeste. Lamentavelmente, muitos políticos não se elegem porque não fazem essa campanha direta com relação ao combate à violência”, diz o deputado.
De fato, em 2022, quando foram realizadas as últimas eleições para o Congresso Nacional, as regiões Norte e Nordeste concentravam os índices mais elevados de ocorrências de homicídios por 100 mil habitantes, conforme divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Estudiosos em segurança pública, no entanto, consideram um disparate relacionar presença de políticos pró-armas no Legislativo com redução ou aumento da violência.
Origem da bancada
A bancada da bala foi fundada em 2005 pelo próprio Alberto Fraga, então filiado ao PFL (atual União Brasil). Surgiu com o nome de “Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa”, reunindo 202 deputados contrários à proibição do comércio de armas de fogo no Brasil, tema de um referendo nacional realizado naquele ano.
Vitoriosa no referendo, na contramão do que indicavam tanto a experiência internacional quanto a quase unanimidade dos pesquisadores da área, a bancada também se posicionou como a principal força em defesa da revogação do Estatuto do Desarmamento. Parte de seus membros compreende o porte de arma como o exercício de uma liberdade civil. Outra parte, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores mais próximos, defende o amplo acesso a armas de fogo como uma política de segurança pública.
"Quer acabar com roubo de caminhões no Brasil? Bota um fuzil na mão de cada caminhoneiro", chegou a dizer Bolsonaro a jornalistas do Congresso em Foco, ainda antes de se eleger presidente da República.
Entre 2007 e 2010, a frente deixou de existir enquanto entidade formal. Mas seus integrantes históricos não pararam de se articular em torno de objetivos comuns. Suas pautas incluíam, além da bandeira armamentista, o recrudescimento da lei penal e a defesa de propostas legislativas do interesse dos policiais e dos militares.
Na legislatura iniciada em 2015, a bancada, agora rebatizada como “Frente Parlamentar da Segurança Pública”, chega a ter 299 deputados, tendo como presidente o deputado Capitão Augusto (PL-SP).
Em 2017, a bancada conseguiu aprovar o projeto de lei que aumenta a pena para crimes cometidos contra policiais, bem como o estabelecimento de normas estritas para que presidiários tenham direito a saída temporária.
Com a posse de Jair Bolsonaro, em 2019, a Frente Parlamentar da Segurança viu pela primeira vez um de seus integrantes chegar ao posto mais alto da República. Entusiasta do armamento civil, Bolsonaro decretou uma série de políticas de flexibilização do acesso a armas de fogo, especialmente por meio do cadastro de Caçador, Atirador Desportivo e Colecionador (CAC), modalidade de porte de arma até então utilizada como atalho para compradores interessados. A bancada chegou a reunir 306 deputados durante o governo anterior.
Nesta legislatura, caiu para 260 o número de deputados integrantes da frente parlamentar. Por outro lado, o núcleo duro dela, formado por policiais (civis, federais e militares) e militares das Forças Armadas comprometidos com a agenda armamentista, chegou ao seu maior tamanho: são 44 deputados com essa origem. Esse núcleo atua de forma coordenada e preenche as principais funções na estrutura organizacional da bancada.
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