Eis que as forças conservadoras mais uma vez querem parar o movimento do mundo. Agora se trata de uma tentativa de impedir a Conferência Nacional de Educação. As bancadas evangélica, ruralista e outras, entre elas a curiosa “Brasil-Texas”, afirmam que a conferência terá componentes “político-ideológicos” e só deveria ocorrer após sua devida depuração.
Vários aspectos podem ser considerados num posicionamento como esse. Contudo, vou me ater a apenas um. Qual o sentido de dizer que a conferência tem componentes “político-ideológicos”?
Segundo o uso de senso comum, o qual as bancadas conservadoras utilizam para fortalecer sua mensagem, há um erro essencial em algo que seja “ideológico”. O adjetivo “político”, por sua vez, denota claro sentido pejorativo. O seguimento lógico do argumento das bancadas nos leva a imaginar que é possível então haver temas em educação que não sejam ideológicos e escoimados de política.
Trata-se, contudo, claramente de uma impossibilidade, a qual encobre o posicionamento político antagonista, também ele ideológico e político.
A tudo que a sociedade humana produz nós humanos imputamos sentido. Então é impossível descolarmos qualquer coisa de sentido ideológico. Grosso modo, ideológico é o sentido que damos às coisas. Meu olhar simpático à minha avozinha fazendo crochê na sala de casa vem carregado de ideologia. Por trás dele está minha aceitação e minha aprovação àqueles papeis que minha avó desempenhava: ordenadora da casa, responsável pelos cuidados, protegida pela figura masculina de meu avô, etc.
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Então, quando a bancada conservadora diz que as discussões sobre LGBTQIA+, armas nas escolas, escolas cívico-militares não devem ser consideradas na Convenção Nacional de Educação pois são ideológicas, eles estão a afirmar o mundo contrário a essas discussões. Seguindo o argumento deles, devemos inviabilizar os espaços e a vida dos LGBTQIA+, aceitar as armas nas escolas e também as escolas cívico-militares. Não discutir é simplesmente aceitar o status quo. Em outras palavras, as bancadas evangélica, agropecuária, da bala etc. gritam que o status quo não pode ser questionado. Então, isso é claramente ideológico.
O segundo ponto, a acusação de ser “político”, remete a um tempo em que política era coisa que a elite (com o fuzil separando poderosos e massa) tomava as decisões para todos. Fazer política era feio, errado e perigoso.
Discutir educação de verdade é discutir o posicionamento das pessoas, dos educandos (e todos somos educandos) no mundo. E uma dimensão fundamental do mundo é a política, entendida essa como o reino das ações coletivas, de diálogo e pressão (mas não violência) que definem os rumos das questões também coletivas. Assim, quando a bancada conservadora quer banir o “político” da educação, novamente ela quer resguardar o poder político, as decisões políticas, para um grupo determinado. E não é de se surpreender que eles, essas bancadas, estão bem posicionadas nos grupos para os quais querem resguardar o exclusivo poder de fazer política.
Por fim, um adendo histórico, fruto da educação política à qual sou grato pessoalmente. Remetamo-nos ao momento histórico em que na Inglaterra a esfera pública separou religião e política. Após décadas de massacres e guerras civis na Europa dos séculos 16 e 17 motivados por religião, os líderes das nações passaram a entender que religião seria um assunto privado. Enquanto dominantes na esfera pública, os valores religiosos – absolutos por natureza – autorizavam que um mandatário pusesse na forca quem não professasse “a fé verdadeira”, sendo a “verdadeira” a escolha desse próprio poderoso. Hoje, quando “religiosos” querem impor seus valores absolutos à esfera pública, os quais são germe de violência e intolerância, talvez eles não saibam que estão cinco séculos atrasados na história.
Talvez não tenham tido uma educação “político-ideológica”, daí sua estreiteza de visão de mundo. Mas eu não creio nisso. É a simples defesa do status quo mascarada de isenção.
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