Patrícia Boson e Paulo Dallari *
Desde 2021, o Brasil tem uma lei que é uma das peças-chave para associar conservação e regeneração ambiental com geração de renda, pois transforma ativos naturais em ativos financeiros e pode beneficiar em especial os pequenos e médios proprietários rurais e as comunidades indígenas e tradicionais. Trata-se da Lei 14.119, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, aprovada há dois anos e que até o momento não foi regulamentada e implementada. Essa demora tem atrasado o surgimento, no país, de um mercado de pagamento por serviços ambientais (PSA) que poderá ser exemplo mundial de desenvolvimento sustentável inclusivo e democrático.
PSA refere-se à remuneração feita a quem preserva e mantém serviços que a natureza nos oferece, sendo um dos principais exemplos o pagamento a quem conserva nascentes e matas ciliares, que asseguram o fornecimento e a qualidade da água. Já existem no Brasil excelentes experiências e programas consolidados, mas o potencial em todo território nacional é muito maior. O PSA tem tudo para ganhar configuração de negócio, atraindo investidores e o setor privado.
Esse ambiente incentivaria os proprietários e produtores a buscarem a regularização ambiental e a evitar a supressão de vegetação, pois vislumbrariam possibilidades de colher “safras verdes”. Pequenos e médios produtores poderiam, por exemplo, negociar diretamente com instituições financeiras para obter crédito a partir de áreas de sua propriedade que comprovadamente prestem serviços ambientais. A implementação do PSA pode mudar a percepção de que a conservação é um ônus, transformando-a em clara vantagem.
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É nesse contexto que a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura elaborou dez recomendações que são pilares de uma proposta de minuta de decreto para a regulamentação da lei.
Dentre essas recomendações, destacam-se a instituição do Cadastro Nacional de PSA associado à emissão de um Certificado de Registro (CR-CNPSA), com função documental e de registro de dados e, ainda, aquelas que sugerem exigências de monitoramento e comprovação dos resultados, além de uma estrutura de governança. Esse conjunto forma, assim, credenciais essenciais para dar credibilidade ao mercado de PSA.
Também é de grande relevância o olhar atento a incentivos tributários, como forma de aumentar o interesse de diferentes atores por um mercado de PSA. A lei prevê que valores recebidos a título de pagamentos por serviços ambientais não integram a base de cálculo da CSLL, do PIS/Pasep e da Cofins. É necessário reconhecer o efeito retroativo destes incentivos à data de vigência da lei, bem como viabilizar sua aplicação adaptada à nova estrutura tributária em discussão na reforma tributária.
Além das modalidades de pagamento previstas na lei, propõe-se que os direitos creditórios pertinentes às contraprestações devidas em pagamento de PSA poderão ser dados em penhor ou alienação fiduciária como garantia de financiamentos, de contratos de seguros, emissão de títulos ou outras formas de captação de recursos. Dessa forma, abre-se a possibilidade de emissão de Cédulas de Produto Rural (CPR) Verdes, tornando o investimento em PSA mais atrativo e destravando valores que hoje estão ocultos nas propriedades. A minuta também elenca oportunidades de captação de recursos, além daquelas previstas na lei, que poderão ser investidos por meio do Programa Federal de PSA, como forma de tornar esse mercado ainda mais atraente e robusto.
Considerando que toda transação de PSA precisa estar alinhada a salvaguardas socioambientais, há também a recomendação de que os contratos públicos ou privados prevejam condições para resguardar os direitos de povos indígenas, agricultores familiares e comunidades tradicionais, assegurando que os recursos efetivamente alcancem os beneficiários.
Frente aos desafios trazidos pelas mudanças climáticas e degradação ambiental, a Coalizão Brasil apresenta direcionamentos preferenciais de aplicação, como:
- Iniciativas que se relacionam à provisão e regulação de recursos hídricos em áreas rurais, ação fundamental para a adaptação e resiliência dos eventos climáticos extremos, em especial as secas;
- Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), para que se incentive a criação de mais áreas de preservação dessa natureza;
- Iniciativas que tenham como provedores as comunidades tradicionais, quilombolas, povos indígenas, agricultores familiares e empreendedores familiares rurais, para que se promova a democratização desse mercado. Nessa mesma página entram iniciativas envolvendo parcerias com cooperativas, associações civis e outras formas associativas que permitam dar escala às ações a serem implementadas.
A Lei 14.119/2021 é oportuna e sua regulamentação é crucial para compatibilizar desenvolvimento econômico e conservação do patrimônio natural no Brasil. Suas disposições somam aos objetivos do Brasil na COP 28, que acontece neste momento em Dubai, e têm o potencial de criar exemplos sólidos de negócios sustentáveis para quando o Brasil recepcionar a COP 30 em 2025, no estado do Pará.
Por meio da regulamentação, o governo federal tem em mãos a oportunidade de rapidamente implementar uma política eficaz de PSA. É necessário agora vontade política para avançar com esta agenda e, por consequência, com o desenvolvimento sustentável, competitivo e inclusivo do país.
*Patrícia Boson é diretora da Conciliare Consultoria Socioambiental e membro da Força-Tarefa PSA da Coalizão Brasil. Paulo Dallari é diretor de Relações Governamentais na Natura no Brasil e membro do Grupo Executivo da Coalizão Brasil.