Cristãos ou não – independentemente da religiosidade professada – o Natal tem o poder mágico de provocar ações positivas nas mais diferentes pessoas. O admirável exemplo de Jesus Cristo e o inquestionável carisma do velho Noel trazem para a pauta do dia a imprescindível solidariedade como mensagem universal. Campanhas destinadas aos “sem” brotam e se destacam em todos cantos e pontos. É raro não encontrar uma campanha ou caixinha destinada a provir o Natal dos destituídos de bens, de esperanças e de amor.
A lógica é simples: os que têm – mesmo que um pouco – ajudam os milhões de “sem”. Promessas de um “Natal sem fome”, de “criança sem carência” ou “sem tristeza pela ausência de um presente”, “idosos sem abandono” ou de um “mundo sem violência” são propostas marcantes que se espalham “com o bom espírito natalino”.
Repentinamente, os seres anônimos e os exageradamente assumidos se unem no mesmo palco festivo, esquecidos das brigas, das visões distintas de mundo e das divergências tidas como inconciliáveis. Até os amigos secretos – ou ocultos em algumas comunidades – são revelados nas milhares de festas de confraternizações. Amizade e solidariedade são embrulhadas nos presentes, conferindo um toque especial ao já especialíssimo dia. Amores em alta. Desavenças em queda. Juras de carinho renovadas. Consciências inconsequentes perdoadas. A paz reencontrada. A vida em harmonia finalmente vitoriosa.
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O “dia seguinte do desembrulhar da esperança”, entretanto, tem o péssimo costume de desnudar o clima festejado em insuspeita comunhão universal. A amorosa e cativante trégua não consegue resistir ao armistício solidário do Natal. Ele sempre teve dia e hora para começar e acabar. Apenas exatas vinte e quatro horas por ano são dedicadas ao esforço coletivo de amar ao próximo. Dois mil e vinte e três dias de Natal, infelizmente, não serviram ainda para criar um sentimento permanente de solidariedade entre as pessoas humanas. Os que “têm” e os “sem” continuam se encontrando apenas uma vez por ano.
Nos demais dias, os “sem-teto” buscam abrigo nas marquises dos palácios, sonhando que seus moradores despertem do sono eterno provocado por uma apatia proposital. Os “sem-terra”, que não mais sonham em ver a terra dividida, gritam palavras surdas, pois nunca são ouvidas. Os “sem-trabalho” ocupam o tempo garimpando os classificados em busca de empregos que não surgem. Os “sem-escola” qualificam-se nos liceus da vida, ainda que esta não tenha sido bem-vinda. Crescem até os “sem-coragem”, que se escondem no anonimato para assacar contra a honra de pessoas dignas. São tantos os “sem” que fico sem espaço para apontá-los aqui.
Bem que este Natal poderia ser diferente. Quem sabe o Natal da virada, aquele que, por ser tão bom, se tornou eterno. Não é difícil manter a chama da solidariedade, se ela nos faz bem. É só acreditar no poder de reinventar o calendário oficial, inscrevendo na folhinha que todo dia é Natal. Imaginem sermos despertados com gestos de amizade para, à noite, dormirmos embalados pelo sono da solidariedade. O ter-compartilhado seria o grande presente de Natal concedido à humanidade.
“Natalizar” diariamente é reinventar a vida, pois, como nos presenteou Cecília Meireles, “a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada”. Mas não esperemos até o Natal para reinventar a vida, afinal “já choramos muito, muitos se perderam no caminho, mesmo assim não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera”. Que a música de Beto Guedes, ilumine o nosso agora diário espírito natalino, fazendo com que todos os dias sejam de amor e solidariedade.
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