Corria o ano de 1994. Na eleição para decidir o governador do estado do Maranhão, o candidato Cafeteira era o principal adversário de Roseana Sarney, pertencente ao poderoso clã que até os dias atuais se reveza na política local e nacional. Roseana liderava por apenas 1% de diferença nas intenções de voto quando, no início do segundo turno, os jornais e a TV da família, afiliada da Rede Globo, começaram a divulgar que Cafeteira havia mandado matar o adversário José Raimundo dos Reis Pacheco.
Faltando dois dias para o encerramento da campanha, a equipe de Cafeteira localizou José Raimundo e gravou entrevista com ele para exibir no último programa eleitoral gratuito. Naquela noite, a imagem da TV desapareceu misteriosamente em todo o interior maranhense. Só a capital São Luís, onde vivia 1/3 do eleitorado, testemunhou a imagem do homem dado como morto, atestando, ele mesmo, que o boato de assassinato era falso. O caso foi contado pelo jornalista Palmério Dória no livro Honoráveis bandidos, lançado em 2009.
Embora tenha caído nas graças populares, a expressão fake news – em referência a notícias ou informações falsas divulgadas no intuito principal de derrubar reputações, prejudicar adversários políticos e gerar lucro – não se refere a um fenômeno inaugurado com as redes sociais ou restrito ao terreno das comunicações digitais, conforme mostra o caso que abre este texto. Por isso, descolados de uma análise histórica e descontextualizados, os usos atuais do termo parecem não abarcar os limites de um fenômeno complexo ligado, por um lado, ao avanço da imprensa e da comunicação de massa e, por outro, à organização e consolidação (ou o contrário disso) dos regimes democráticos modernos.
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Assim, as chamadas notícias falsas não devem ser definidas e analisadas fora do contexto político, econômico, social e tecnológico no qual estão imersas. Ao contrário, elas são elementos constituintes e constituídos pela conformação da concentração da posse dos meios de comunicação eletrônicos, impressos e digitais, pela ausência de regulação que promova a diversidade e democratização das informações e pelas dinâmicas sociais de produção e consumo de informação no âmbito das plataformas privadas de conteúdo na internet. Neste sentido, nos parece que a discussão deveria estar mais circunscrita ao guarda-chuva da produção de “desinformação”, termo, aliás, preferido por alguns especialistas mundo afora.
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No relatório “Uma abordagem multidimensional sobre a desinformação”, lançado em março de 2018, o Grupo de Alto Nível da União Europeia sobre fake news e desinformação online aponta para uma taxonomia diversa da ideia de “notícias falsas” e defende que o debate seja feito baseado nos conceitos de “desinformação”, “informações ludibriadoras” ou “notícias fraudulentas”.
De todo modo, alçada ao posto de palavra do ano pelo dicionário em inglês da editora britânica Collins, a expressão teve seu uso aumentado em 365% após ser popularizada pelo então candidato à presidência dos EUA Donald Trump.
Se não cabe ao atual presidente dos EUA o mérito de inventar a expressão, tampouco devemos dissociá-la do uso dado por Trump e seus asseclas na tentativa de defender-se de denúncias e ataques, autodeclarando-se árbitros absolutos da verdade, da autenticidade e da moral. Nesse sentido, ficam evidentes os riscos do uso genérico da expressão como forma de silenciar opositores e, contraditoriamente, manipular discursos e narrativas. O não dito tem enorme poder em sociedades onde a imagem e o texto reproduzidos pelos meios de comunicação, sejam eles tradicionais ou digitais, definem o que efetivamente existe em oposição ao que não aparece na mídia e, logo, não é alçado à esfera pública. Lembremos o caso – quase ficcional, tamanha a incredulidade que é capaz de produzir – que abre este texto.
Eleições 2018
O fato é que, nos dias de hoje, a busca por diminuir ou controlar os efeitos nocivos da produção e da difusão veloz e em larga escala de informações e notícias falsas tem sido agenda prioritária das democracias ao redor do mundo. Legisladores apressam-se na produção de marcos legais que deem conta do fenômeno, propagandeando a defesa da democracia e uma preocupação contundente com a manipulação da informação – muitos deles, entretanto, trazendo como “resposta” práticas que claramente violação a liberdade de expressão online.
Ao mesmo tempo, as plataformas privadas anunciam medidas de combate às notícias falsas com base em políticas internas e padrões de funcionamento de algoritmos ainda bastante opacos ao público em geral. Dentre as medidas, destacam-se as parcerias com organizações especializadas em checagem de notícias e a redução na distribuição (ou aparecimento no feed) de postagens com conteúdos considerados falsos por essas agências de checagem.
A peleja do Facebook com o Movimento Brasil Livre (MBL) foi um dos episódios mais recentes desta trama. O anúncio, no último dia 25 de julho, da derrubada de 197 páginas e 86 perfis ligados à agremiação por parte da empresa sob a denúncia genérica de “violar as políticas de autenticidade” – segundo os critérios da comunidade criada por Zuckeberg – despertou reação em pesquisadores e ativistas da sociedade civil, especialistas em direitos digitais e em liberdade de expressão. A medida provocou a reação do Ministério Público Federal, que enviou pedido de explicações ao Facebook. Também este ano, o Youtube retirou do ar, sob a alegação de “ferir as políticas da comunidade”, o canal do Portal Fórum, maior veículo ligado à esquerda em termos de audiência.
Em julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) classificou como “reservadas” as atas de todas as reuniões do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, criado para discutir as medidas que o órgão tomará sobre fake news nos próximos meses. Em nota, o TSE afirmou que as atas “abordam assuntos que atingem a segurança da sociedade e do Estado brasileiro, o que justifica a excepcionalidade à regra da transparência”.
A chamada grande mídia – aquela das TVs que tiveram sinal desligado a pedido do clã dos Sarney – também tem entrado em campo visando alertar os cidadãos dos perigos das chamadas notícias falsas (e, ao mesmo tempo, reafirmar-se como guardiã da verdade). Foram inúmeros os anúncios, nas últimas semanas, de iniciativas de fact checking (checagem de fatos) coordenadas pelos jornalões e grande meios. Nos intervalos da novela das nove, a Rede Globo tem veiculado chamadas comerciais com o apelo de que o público não acredite em tudo o que vê e não compartilhe noticias falsas. Pretende, assim, divulgar uma suposta imparcialidade e exclusiva qualidade na produção de informações.
Na tentativa de contribuir com o debate do jogo democrático, o Intervozes se soma a outros esforços da sociedade civil de acompanhar o processo eleitoral e sua relação com os espaços de debate virtual e inaugura, neste espaço, a seção especial Eleições & desinformação: de olho no combate às fake news.
Em artigos publicados semanalmente até outubro, esta seção irá analisar e discutir o comportamento dos partidos, as decisões da Justiça, das plataformas privadas, as iniciativas do Legislativo brasileiro, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da mídia tradicional e dos demais atores envolvidos no enfrentamento às chamadas notícias falsas e seu impacto para o exercício da liberdade de expressão. Afinal, assim como ocorre nos esportes, a escolha dos árbitros e a definição das regras podem efetivamente definir o placar. É nisso que estaremos de olho a partir de agora. Acompanhem!
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O grupo tendencioso de esquerda, a Intervozes, que é financiada pelos estrangeiros da Fundação Ford, está querendo combater Fake News ou está praticando desinformação ao tentar associá-la à direita e ao não divulgar as Fake News e CENSURA praticadas pela própria esquerda?