Invasões, quebra-quebra, agressões e ataques às instituições democráticas. A tentativa de golpe promovida em 8 de janeiro de 2023 fracassou, mas feriu com seus estilhaços a democracia brasileira. O ato golpista, que completa um ano nesta segunda-feira (8), entrou para a história do país como um dos fatos mais nefastos das últimas décadas. Com mais de 2 mil pessoas presas na época, centenas de processados e dezenas de condenados por participação nos atos, muito ainda há a ser feito para responsabilizar os mentores e os financiadores do movimento.
Um dos temas recorrentes, principalmente entre políticos governistas, era a necessidade de se apurar se o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha envolvimento ou responsabilidade pelos atos golpistas. No Congresso, a ideia saiu vitoriosa na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas.
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O parecer da relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), aprovado em outubro, pedia que o Ministério Público Federal (MPF) indiciasse Bolsonaro como o “mentor moral” da tentativa de golpe.
“Visto como figura ‘mítica’ por seus apoiadores, Jair Bolsonaro se utilizou como pode do aparato estatal para atingir seu objetivo maior: cupinizar as instituições republicanas brasileiras até a seu total esfacelamento, de modo a se manter no poder, de forma perene e autoritária e perene”, diz o relatório aprovado pela CPMI.
A comissão atribuiu a Bolsonaro os seguintes crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa e violência política.
O MPF não indiciou Bolsonaro pelo 8 de janeiro até o momento. O órgão pediu, no entanto, a inclusão do ex-presidente em um dos inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal para investigar a incitação de um golpe de Estado.
A movimentação pública mais recente sobre o caso foi a recuperação, por parte do MPF, do vídeo publicado por Bolsonaro em 10 de janeiro com mensagens questionando o resultado das eleições de 2022. O ex-presidente apagou o vídeo, que era requisitado pelo STF para o inquérito.
Em 15 de dezembro, o MPF afirmou que enviou ao STF um relatório técnico mostrando a recuperação do conteúdo. Segundo o MPF, a recuperação do vídeo permitirá a “continuidade da persecução penal contra o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro”.
Entorno de Bolsonaro
Além do ex-presidente, a CPMI dos Atos Golpistas pediu o indiciamento de diversos ex-ministros do governo Bolsonaro. Entre eles, Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional); Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa; e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
Torres foi um dos primeiros a ter sua prisão decretada. Em 14 de janeiro, o ex-ministro da Justiça retornou ao Brasil e foi preso pela PF. Ele estava em Miami, nos Estados Unidos, onde passava férias. Torres era o secretário de Segurança do Distrito Federal durante os atos golpistas.
O ex-ministro só foi solto em maio, por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. A liberdade veio com a perda do cargo de delegado da PF, além da obrigação de utilizar tornozeleira eletrônica.
Durante as investigações, a PF encontrou na casa de Torres uma minuta para que Bolsonaro decretasse estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O objetivo da ação era reverter a vitória do presidente Lula (PT) nas eleições de 2022.
“Eu nunca questionei o resultado das eleições”, disse Torres durante a CPMI dos Atos golpistas. Ele negou saber a autoria da minuta, que disse estar em sua casa para “descarte”.
Mas essa não foi a única indicação de que um golpe era estudado pela cúpula do governo Bolsonaro. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi preso em maio em uma investigação sobre fraudes no cartão de vacina do ex-chefe do Executivo.
Durante o período em que ficou preso, Cid assinou um acordo de delação premiada. Nela, o ex-ajudante de ordens afirmou que Bolsonaro se reuniu, em 2022, com a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar de seu governo para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar.
Segundo a delação à Polícia Federal, logo após o segundo turno das eleições presidenciais em que saiu derrotado, o então presidente Jair Bolsonaro recebeu de um assessor uma minuta de decreto para convocar novas eleições, que incluía a prisão de adversários. O assessor que entregou a minuta, segundo Cid, foi Filipe Martins, assessor para assuntos internacionais do governo Bolsonaro, réu por gesto racista.
De acordo com a delação, Mauro Cid afirmou que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, manifestou-se favoravelmente ao plano golpista durante as conversas de bastidores, mas não houve adesão do Alto Comando do Exército. A reunião se deu em 2022, antes do 8 de Janeiro.
Protagonismo do STF
A delação de Cid, assim como outras provas e processos, tramitam no Supremo Tribunal Federal. A Corte tem dois inquéritos para investigar a tentativa de golpe de Estado. Ambos estão sobre a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
O ministro, que foi um dos principais alvos do bolsonarismo antes e durante os atos golpistas, relatou 30 condenações de pessoas envolvidas no 8 de Janeiro até o momento. Também teve protagonismo nas prisões de Torres e na delação de Cid.
Um dos inquéritos sobre os atos golpistas sob responsabilidade de Moraes é o que investiga a publicação de Bolsonaro sobre o 8 de Janeiro.
O ministro também é o presidente do TSE. Em junho de 2023, presidiu o julgamento que determinou a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua atuação o mantém como alvo de críticas e manifestações bolsonaristas.
Segundo o STF, ainda há cerca de 200 acusados que devem passar por julgamento na Suprema Corte pelo 8 de Janeiro. O número não considera os acordos de não persecução penal mediante confissão, que são negociados pelo MPF com acusados e validados pelo relator dos casos, Moraes. A Procuradoria-Geral da República só denunciou em dezembro o primeiro acusado de financiar os atos golpistas. O empresário paranaense Pedro Luis Kurunczi, de Londrina, é acusado de ter cometido cinco crimes ao oferecer auxílio material e moral ao grupo que invadiu as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Ele nega participação.
O estoque de casos também não considera as futuras acusações relacionadas à tentativa de golpe. O MPF e a PF continuam as investigações sobre o caso, inclusive em inquéritos nos quais Bolsonaro é citado.
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