Por Edson Sardinha
A Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) formalizaram nesta terça-feira (21) pedido de investigação junto ao Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma mulher que associou a tragédia no estado à orientação sexual do governador Eduardo Leite (PSDB). No vídeo que circula nas redes sociais, a mulher que se identifica como Neiva Borges, moradora de Porto Alegre, diz que as enchentes são resultado da “ira de Deus” contra os gaúchos que elegeram um governador gay.
Veja o pedido de investigação enviado ao MP
O coordenador jurídico adjunto da Aliança Nacional LGBTI+, Gabriel Dil, diz que é clara a natureza LGBTIfóbica das ofensas praticadas pela autora do vídeo, cuja conduta praticada se agrava ainda mais dado o contexto em que ocorre. “O exercício da liberdade de credo não é salvo-conduto para vilipendiar a honra e fomentar discursos e condutas odiosas”, observa o advogado.
“Devemos respeitar a liberdade religiosa, porém não podemos tolerar o discurso de ódio proferido pela senhora Neiva Borges. Ela ultrapassou a linha da dignidade humana”, ressalta o presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis.
Leite é casado com o médico Thalis Bolzan. Ele declarou publicamente ser homossexual, pela primeira vez, em uma entrevista à TV Globo em 2021, quando era pré-candidato a presidente.
Alegando que fala para as igrejas e para os “patriotas”, classificados por ela como “povo que olha Deus acima de todos e o Brasil acima de tudo”, a mulher pede que os eleitores de Leite peçam desculpas por terem votado nele para que se possa “aplacar a ira de Deus”. A autora das ofensas ignora, por completo, os efeitos das mudanças climáticas.
Veja a transcrição da fala da mulher:
“Meu nome é Neiva Borges, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e eu quero hoje falar para as igrejas, para o povo também do nosso Brasil, principalmente aos patriotas que são um povo que olham Deus acima de todos, e o Brasil acima de tudo. Eu me envergonho por ser gaúcha de ter hoje como governador do Eduardo Leite, cuja primeira-dama é outro homem, e eu quero alertar a igreja do Senhor na Terra, dizendo que esse pecado de ter colocado um homem, cuja primeira-dama é um homem, no poder, isso ativou a ira de Deus contra o povo gaúcho. Isso fez com que a ira do Senhor alcançasse o seu povo, e hoje nós temos a destruição de um estado. Então o que eu quero pedir a todos os gaúchos. A igreja do Senhor, a igreja do Sul, é que olha e peça um perdão. Cada um que votou no Eduardo Leite, que omitiu o socorro dos resgates, omitiu o resgate ou omitiu o socorro pós-resgate, os enfermeiros médicos, que estão lá sendo usados e cuidados do povo dos feridos que estão sendo resgatados, é o próprio povo, é voluntário, não tem nada, não tem ajuda nenhuma do governo. Então eu quero pedir, olhem, peça um perdão por ter colocado esse homem lá no poder. Peça um perdão para que a ira de Deus seja aplacada, seja diminuída e assim, nos vemos ao pensamento de misericórdia.”
Na ação, os advogados Gabriel Dil e Gabriel Borba afirmam que a autora das ofensas LGBTIfóbicas faz uso das mídias digitais para propagar discurso de ódio, desinformação e pânico. Eles ressaltam que a Justiça brasileira equipara a homofobia ao crime de racismo e que a liberdade de expressão ou religiosa não é absoluta.
“Ainda que a liberdade de expressão ou liberdade religiosa sejam direitos constitucionais, que envolvem o pluralismo de ideias e a livre manifestação dos
indivíduos, não há nenhum direito que se revista de caráter absoluto, principalmente quando envolve questões de interesse público ou quando desrespeitados outras garantias da própria Constituição, como os preceitos fundamentais de direito humanos e sociais, previstos no artigo 1º e artigo 3º, da Constituição Federal”, diz trecho da ação.
Segundo os advogados, a adoção e disseminação desse tipo de discurso é o que retroalimenta o número crescente de violências perpetradas contra a população LGBTI+, classificando homossexuais, trans e travestis como identidades vinculadas ao profano e distantes de tudo aquilo que é sagrado, classificando as identidades dissidentes ao maligno e ao que deve ser rechaçado, fomentando ainda mais o ódio e o desprezo direcionado a
essa parcela da população.
“Quando ela faz menção a ‘ira de Deus’, ela está aviltando a dignidade humana das pessoas LGBTI+ e os seus modos de viver, classificando-as como indignas, evidenciando a LGBTIfobia presente em seu discurso”, completam os advogados.
Na semana passada, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais denunciou uma influenciadora digital de Governador Valadares pelo crime de intolerância religiosa por associar as enchentes no Rio Grande do Sul às religiões de matriz africana. A pena prevista pela lei pode chegar a cinco anos de prisão, além de multa.
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