Nesta semana o estado do Rio de Janeiro foi palco de mais uma chacina cometida pelas forças de segurança estaduais, agora no Complexo do Salgueiro, onde foram retirados quase dez cadáveres de um mangue da região.
A série de “erros” cometidos no andamento da operação, o fato de que ela foi realizada após a morte de um sargento da PM e os sinais de tortura nos mortos me fazem refletir:
Qual a diferença entre um agente de segurança e um bandido, quando o primeiro passa a transgredir a lei? Não existe execução sumária como pena no Brasil.
Faz parte da história do Brasil
Os massacres e chacinas comandadas por forças de segurança são uma constante no país. Só nos últimos 25 anos tivemos Eldorado dos Carajás, Carandiru e outras tantas.
Infelizmente é um problema estrutural que encontra no Ministério Público o seu principal fiador. Em abril deste ano, o Ministério Público do Rio de Janeiro extinguiu um órgão que apura a má conduta de PMs – um dos deveres constitucionais do MP é fiscalizar a atividade policial. Depois da repercussão negativa, decidiram recriar o grupo em caráter temporário.
Em outro artigo, no mês passado, deixei bem claro que o Ministério Público virou as costas para o seu dever constitucional. A queda da PEC 37 e a consolidação dos indevidos poderes de investigação agravaram ainda mais esse caso e completei:
“A relação entre os Gaecos e as polícias militares nos estados são outro empecilho para o controle externo da atividade policial; o que é outro ponto de corrosão do Estado de Direito”.
Infelizmente, boa parte dos procuradores se enxerga mais como uma espécie de policial do que como membro de uma instituição que deveria realizar o controle externo da atividade policial.
A defensora pública Elisa Cruz acredita que a “falta de exercício do controle externo pelo MP sobre as polícias reforça que violações de direitos podem acontecer em espaços já marginalizados. A ausência de atuação torna permissiva a constante violação de direitos”.
Já o doutorando em direito e professor de direito penal Rômulo Carvalho deu algumas sugestões sobre o que fazer com a violência policial neste cenário: “Fazer o controle da força é tarefa que desafia gerações. No Brasil, o alarmante número de óbitos evidencia a ineficiência do modelo atual de controle em conter a perda de vidas. Como medida de melhora a pequeno prazo é urgente que as forças de segurança realizem operações com câmeras instaladas. Protege o bom policial e o Estado de direito”.
Contraste
Se, em 2016, quase 100% dos entrevistados em uma pesquisa realizada com membros do MP perceberam que o controle externo da atividade policial não é prioritário dentro do MP.
Em 2021, membros dos MPs estaduais empreenderam uma verdadeira cruzada contra os miseráveis do país, em que o punitivismo foi levado até as últimas consequências contra dois homens que pegaram comida vencida e uma mãe que furtou sachês de suco em pó e alguns poucos alimentos para seus filhos.
É o Ministério Público que deveria fiscalizar a atividade policial, mas que há poucos meses havia pedido o arquivamento do inquérito que investiga os policiais militares envolvidos na chacina do Fallet.
Se a atuação de grupos de extermínio passou a ser de forma oficial e fardada, muito se deve aos chefes do Executivo estadual que fazem vista grossa para os crimes e os membros do MP que não investigam os criminosos e homicidas entre as fileiras das PMs.
E não é exagero, vamos aos números: um estudo inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo UOL, mostra que os MPs do Rio de Janeiro e de São Paulo pediram à Justiça em 2016 o arquivamento de 90% de mortes cometidas por policiais em São Paulo e no Rio.
Em 2019, procuradores-gerais lançaram nota contra um debate sobre desmilitarização da Polícia que ocorreu na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.
Eis que o presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), Paulo Cezar dos Passos, seguindo religiosamente a escalada de autoritarismo neste país, decidiu publicar uma nota contra o evento. Qual é o problema de se discordar de algo? Nenhum, desde que a discordância seja feita com base em fatos e não em senso comum enquanto se omite de outras barbaridades cometidas por órgãos de segurança pública no país.
No mesmo ano, policiais da tropa de elite da Polícia Militar do Pará, a Rotam, foram filmados em marcha ao governador do estado, Helder Barbalho, e cantando em coro: “Arranca a cabeça e deixa pendurada. É a Rotam patrulhando a noite inteira. Pena de morte à moda brasileira”.
E o que fazer quando a instituição que deveria coibir a violência policial, subscreve a violência? Foi o que aconteceu com uma mulher negra que teve o pescoço pisoteado por um policial militar em uma abordagem em 2020 em um bar em Parelheiros.
O MP ACUSOU A VÍTIMA e depois acusou o advogado da vítima de má-fé por não mencionar vídeos disponíveis há um ano! Notem o traço lavajatista de depreciação do exercício do direito de defesa de qualquer acusado.
Segurança pública boa não é aquela que transforma batalhões em esquadrões da morte, mas assim aquela que atua de forma preventiva. Já passou da hora de as secretarias de Segurança e os comandantes das forças de segurança pararem de medir a efetividade de suas operações pelo número de óbitos, uma vez que não há previsão legal para execuções extrajudiciais no Código Penal brasileiro.
O descontrole do Ministério Público reflete no descontrole das forças de segurança. Se ninguém exerce o controle externo da atividade policial, significa que todo batalhão é uma milícia em potencial. Quem mais se propõe a fiscalizar é quem menos fiscaliza e quer ser fiscalizado.
Menção (des)honrosa: chacinas como as do Complexo do Salgueiro ou Fallet encontrariam facilmente embasamento legal, caso o pacote pró-barbaridade do Moro tivesse sido aprovado como ele queria.
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