Filipe Leão *
Quem acompanhou a proposição, os debates e as deliberações da última reforma da Previdência (EC n.º 103/19) sabe que ocorreram graves violações aos direitos e implosão de garantias dos trabalhadores brasileiros, cujas justificativas foram, senão sanar, ao menos reduzir o suposto déficit da previdência (utilizo “suposto”, pois o conceito depende da régua contábil utilizada).
O desenho da reforma, embora focado na equalização das normas a serem aplicadas igualmente aos trabalhadores da iniciativa privada e aos servidores públicos, produziu efeitos significativos no desmonte da proteção social do Estado, sobretudo quanto aos cálculos dos benefícios não programados: incapacidade permanente ou morte do segurado.
O trabalhador incapacitado permanentemente, exceto por acidente de trabalho, passou a ter como regra, um benefício base equivalente a 60% do valor da sua média salarial, acrescidos de uns penduricalhos. Caso morra, contudo, seus dependentes e familiares [cônjuge, filhos(as), pais, etc.] estariam ainda mais prejudicados. Isso porque, o valor base do benefício da pensão por morte inicia com 50% do valor a que teria direito o segurado, se incapacitado estivesse. Os seus dependentes, portanto, teriam direito a cerca de 30% da sua média salarial, como valor base inicial.
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Um ano após a aprovação da Emenda Constitucional 103/19 o mundo viveu a terrível pandemia da SARs-Cov. Em 2023, já se foram mais de 700 mil pessoas vitimadas pelo vírus, sendo parcela importante deste contingente, pessoas em idade ativa e ocupadas. Além da perda dos entes, milhares de famílias brasileiras, fruto dos cálculos absolutamente nocivos das pensões por morte, foram jogadas na rua da amargura, tendo a renda básica que as sustentavam decrescido em até 60%.
Bem, mas isso não é tudo.
Pela última reforma da Previdência, o Estado brasileiro, além de passar a pagar muito mal os benefícios por incapacidade permanente e morte dos segurados, possibilitou, por meio do §10 do artigo 201 da Constituição Federal, que o setor de seguros privados atue concorrentemente com o Regime Geral da Previdência. A lógica é: se o Estado não assegura a proteção de benefícios não programados ou protege mal, o mercado de seguros poderá fazê-lo.
No final de 2022, o ex-deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ) propôs o Projeto de Lei Complementar 147/2002 visando regulamentar o §10 do artigo 201 da Constituição. O projeto encontra-se em tramitação. O setor de seguros no Brasil vem crescendo a taxas robustas, ano a ano. Não espantaria um crescimento ainda maior, especialmente nos segmentos vida e acidentes pessoais, caso haja regulamentação.
Por outro lado, a iniciativa privada gosta de bons retornos, mas sem assumir muitos riscos. Quem hoje faz um seguro básico “por morte” nas principais empresas do setor, encontra como excludente de pagamento, dentre muitas outras situações, sinistros decorrentes de pandemias. Nesse caso, se é verdade que o Estado pagou mal aos segurados que morreram entre 2020-2023, seja no regime geral ou próprio dos servidores, caso tivesse sido a iniciativa privada a bancar tais sinistros, nada pagaria, apesar de receber pelos prêmios de risco por morte.
Em tempos reformas da Previdência que implodem os direitos socais, ficamos assim: aos vencidos, ódio ou compaixão; aos vencedores, os seguros.
* Filipe Leão é auditor e presidente do conselho nacional do Sindicato dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon).
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