É cada vez mais comum perceber pessoas vivendo em mundos paralelos onde não há lugar para os fatos e impera aquilo que eu acredito que seja real. Nesse contexto, os avatares e as redes e mídias sociais têm proporcionado as experiências mais conhecidas dos cidadãos com realidades paralelas, ao passo que, para um futuro próximo, se programa a disseminação do metaverso.
Mas, o que é metaverso?
Originalmente, o termo foi inspirado no romance Snow crash, de Neal Stepherson e tem sido utilizado pelo idealizador do Facebook. A partir de uma visão crítica, metaverso pode ser compreendido como uma experiência de mergulho completo, de imersão total no ambiente virtual/digital, de uma maneira tal que o indivíduo dificilmente conseguirá diferenciar o real do imaginário por estar imerso nas águas profundas da realidade paralela, que será influenciada não somente pelo que eu crio e desejo a partir das infinitas possibilidades de minha mente, mas, pelas empresas que proporcionarão essa verdadeira submersão e também, por que não dizer, o aprisionamento. De acordo com as promessas, no metaverso se poderá ir além de se ver algo em uma tela de celular ou computador; ele é tridimensional e dinâmico e nele é possível entrar – atualmente por meio de óculos especiais e fones de ouvido – e suas capacidades de interconexão são infinitas. Projeta-se que as pessoas possam viver a sua vida virtual da mesma forma que a física.
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O que isso tem a ver com a política?
Quando pensamos nas redes e mídias digitais, já estamos inundados de exemplos do quanto a ligação das pessoas com essas plataformas influencia em suas vidas. Em um primeiro momento, através das informações coletadas dos usuários de maneira invasiva e obrigatória pela ativação dos cookies, da captação de áudio e da elaboração do nosso perfil psicológico a partir do que curtimos, do que buscamos no Google e dos sites onde trafegamos. Tudo isso era direcionado para o lado comercial, para que fossem oferecidos produtos com mais chances de serem comprados pelos usuários. Depois, essas ferramentas passaram a ser adaptadas à política, na tentativa de influenciar o comportamento das pessoas pelo direcionamento de conteúdo personalizado. Mundialmente, Cambridge Analytica é o nome mais conhecido neste tipo de iniciativa. Atualmente, com esses dados coletados por empresas como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, WhatsApp, trabalha-se com modelagem psicométrica para microdirecionamento de mensagens políticas que têm um poder ainda maior de influenciar comportamentos. Tal realidade, que já existe, nos faz olhar para um possível futuro próximo, com a efetivação do que está sendo chamado de meta-verso.
E qual o problema da conexão entre a política e o metaverso?
As mentiras e manipulações no universo da política sempre existiram. Mas estudos de universidades do mundo inteiro há tempos já trazem alertas sobre os prejuízos causados às democracias a partir da influência de ferramentas digitais que têm tido progresso acelerado com o advento da pandemia e devem ganhar ainda mais impulso no país com a chegada do 5G.
O grande ponto, já constatado na prática, é a sensação de que o virtual é o mundo real. Se eu postar uma foto no Instagram como se estivesse agora mesmo em Dubai, isso será dado como fato para as pessoas que me seguem, mesmo que tenha ocorrido tempos atrás ou a foto seja uma montagem tão bem-feita ao ponto de não deixar dúvidas de que naquele momento eu esteja lá. É uma confusão completa e manipulável das sensações humanas entre o mundo real e o mundo paralelo.
Há potencial de influência político-eleitoral, pois o modo como nos comunicamos, agimos e vivemos pode provocar interferências artificiais no debate público. É algo que se dá no mundo virtual, mas não se separa do nosso mundo real, do nosso espaço cotidiano, pois nele influencia. Por mais que a cabeça do eleitor possa estar vagando no plano da imaginação, no metaverso – em determinado momento, o voto, que é a forma mínima de exercício da democracia, se dará no plano da vida real, com todas as consequências.
O que está por trás de tudo isso? O que pode ser feito enquanto há tempo?
Não se trata apenas – como tem sido divulgado – de instrumentos que impulsionam a compra de produtos, facilitam reuniões virtuais de trabalho ou participação em festas (ou lives) com realidade virtual aumentada, mas, da possibilidade de aplicação de velocidade e escala industrial global a tudo o que narramos acima, como também à propagação de discursos de ódio, movimentos separatistas, preconceito, discriminação e até montagens de discursos de candidatos com áudio e vídeo próximos da perfeição para enganar o eleitor.
São empresas estrangeiras atuando frouxamente, sem recolhimento justo de impostos e enviando seus lucros às suas matrizes – ocasionando concorrência desleal com outras empresas de mídia, sem regulamentação de suas atuações, e com raríssimos casos de punição em virtude de prejuízos causados a terceiros.
Por uma questão de cidadania, soberania nacional e defesa da democracia, é preciso refletir com responsabilidade sobre a necessidade de regular essa terra de ninguém – não de censurar, como dizem os que pretendem tumultuar o debate –, pois, sem quaisquer regras de controle, a conhecida propagação de notícias falsas e os ataques à democracia repousarão no jardim da infância diante do que está por vir com o metaverso aplicado à política.
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