O grande mal do comunismo (Cuba, Coreia do Norte etc.) assim como do capitalismo selvagem e/ou extremamente desigual (casos do Brasil e dos EUA, por exemplo) consiste em não colocar o humano (e sua igualdade material) como medida de todas as coisas. Quando isso ocorre, outros humanos, ocupantes minoritários de posições privilegiadas, decidem pela maioria da população sem que ela tenha concreta participação em todos os processos decisórios do seu destino. Nos países comunistas nem sequer existe eleição. Nos democráticos os votantes (cada vez mais) não são ouvidos em cada decisão importante (por meio da democracia direta digital). Dois modelos esgotados. A terceira via superadora desses deteriorados modelos econômicos começa a mostrar sua cara: estamos nos referindo aos países “escandinavizados” ou em processo de “escandinavização”, que contam com capitalismo evoluído, distributivo e tendencialmente civilizado: Holanda, Suécia, Finlândia, Islândia, Noruega, Bélgica, Coreia do Sul, Japão etc.
A verdade ou falsidade de uma doutrina, de uma política ou de uma filosofia depende do seu valor prático para a liberação e emancipação do humano, não do seu valor teórico. Sendo assim, como é possível uma forma de governo ou de economia ser a encarnação da verdade se ela não se orienta para o bem-estar de todos os habitantes do país ou do planeta? Como pode ser verdade o que é refutado pela grande maioria, empurrada para um abismo cada vez mais alienante e excludente? Como pode prosperar uma doutrina econômica que transforma o Estado em patrão capitalista (comunismo) ou que concentra quase toda a riqueza nas mãos de poucos (neoliberalismo), arrefecendo o crescimento econômico?
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Quem acionou o sinal amarelo para o sistema neoliberal norte-americano desigual foi um dos seus ardorosos defensores, Lawrence Summers (ex-secretário de finanças de Clinton, ex-reitor de Harvard e amigo dos banqueiros), que perguntou (numa conferência do dia 9/11/13): estaria o capitalismo preso a uma estagnação secular? (em Kostas Vergopoulos, em Le Monde Diplomatique Brasil de abril 2014, p. 12-13). Tudo já foi tentado para reerguer a economia e nada funcionou (disse o ex-secretário). Será que as “bolhas financeiras” (como a crise de 2008) são o preço do risco de deflação e desemprego estrutural em massa? Quatro indicadores preocupantes da economia dos EUA (extraídos das últimas três décadas e sintetizados pelo articulista citado): (a) queda contínua dos lucros; (b) recuo na produtividade do trabalho desde o ano 2000; (c) contração da demanda interna desde 1980 e (d) estagnação do investimento produtivo, o que aumenta a produção e o emprego (e que é distinto do investimento financeiro que gera lucro sem produção ou emprego).
Os detentores de capital, nos EUA, já não estão procurando lucros por meio da produção, sim, aumentando as retiradas sobre o valor agregado (mais lucros e menos salários). O problema: isso contrai o crescimento. E aumentam os problemas sociais. Mais desigualdades, que afetam as classes médias. O desemprego faz baixar o rendimento (para o país) assim como os lucros (para o capital). O sistema está exausto. O capitalismo concentrador seria irreformável? O certo é que as empresas não estão investindo em mais produção e mais emprego. Elas estão em poder de quase 3 trilhões de dólares, mas não querem criar o círculo virtuoso (investimento em produção, mais empregos, mais consumo, mais vida para o capitalismo). Preferem comprar ações. Os EUA injetaram 4 trilhões de dólares na economia de 2010 a 2013: boa parte foi para investimentos especulativos rentáveis (inclusive nos países emergentes). Os ativos intangíveis (conhecimentos e competências da empresa, sua marca, patentes, propriedade intelectual, a organização, técnicas comerciais etc.) representavam 5% das empresas em 1970; em 2010, eram 60% (veja Kostas Vergopoulos, no Le Monde Diplomatique Brasil, abril 2014, p. 13).
Quando o humano não é objeto de um trabalho digno e bem remunerado pelo seu esforço, quando não é um sujeito pensante que possa decidir por si e com outras pessoas associadas os destinos da nação, fica reduzido a um objeto de propriedade de um sujeito privilegiado, que pode ser um capitalista selvagem (nos países de capitalismo extrativista ou extremamente desigual) ou um Estado organicamente falido (comunismo). Sob esses sistemas econômicos fracassa inevitavelmente a liberdade e, em consequência, o humano que deveria ser seu honrado detentor. A ideia de redenção, nesses sistemas totalitários ou vergonhosamente desigualitários, não passa de uma miragem ideológica a serviço de alguns poderosos burgueses ou burocráticos, que não possuem noção do que seja a universalização da dignidade humana.
Kostas Vergopoulos bem sintetizou o drama da desigualdade norte-americana (que hoje é o drama de milhões de outras pessoas no planeta): “Enquanto os admiradores dos grandes pensadores liberais, como Ayn Rand, Firedrich Hayek e Milton Friedman, continuam a defender a desigualdade, a qual erigem em condição incontornável para a recuperação e prosperidade, os Estados Unidos tomam consciência de sua nocividade”. Obama disse (em 29/1/14): “A desigualdade mata a economia, o crescimento e o emprego”. Esse também é o pensamento médio do europeu. O salário médio do norte-americano era de US$ 48 mil em 1978; hoje, em termos de poder de compra, não passa de US$ 34 mil (essa é a denúncia de Robert Reich, no documentário Ineguality for all). O percentil mais rico dos EUA que em 1978 ganhava US$ 393 mil passou para US$ 1,1 milhão; em cinco anos, 1% da população captou 90% do crescimento do PIB (99% dividiram os outros 10%); 450 pessoas têm capital equivalente a 150 milhões de norte-americanos; a situação atual lembra a Grande Depressão de 1929.
Kosta Vergopoulos faz algumas indagações: se os EUA não conseguiram nos últimos 30 anos recuperar o crescimento, apesar de todas as políticas concretizadas, por que continuar negando a relação de causa e efeito entre o empobrecimento da maioria do povo e a desaceleração econômica? Não parece visível que quanto mais os rendimentos se concentram (nas mãos de poucos: 450 pessoas têm capital equivalente a 150 milhões de norte-americanos), mais a despesa nacional se contrai, em favor da poupança e da financeirização, em detrimento do investimento e do emprego. Como fazer crescer o país quando o patrimônio dos mais ricos cresce não por meio da produção, mas por uma drenagem sobre os salários? Esse sistema não estaria corroendo as próprias condições de sua reprodução? O neoliberalismo, que pretendia tirar o capitalismo da crise (década de 80), não acabou aprofundando-a? Como solucionar esse impasse? Com a palavra os economistas e os políticos. De acordo com minha opinião, eles deveriam prestar mais atenção no fenômeno da “escandinavização” da política e da economia, centrado no valor da igualdade material, escolarização de qualidade, aumento da renda per capita etc. (são os países com os menores índices de violência do planeta).
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