Mais de 35 milhões de eleitores estão aptos a participar, neste domingo (22), de uma das mais imprevisíveis disputas presidenciais da Argentina. Mergulhado em uma das piores crises de sua história, o país vizinho vive um momento dramático, com um dos maiores índices de inflação do mundo, crescimento da pobreza e descrença generalizada da população com a política.
Em um cenário caótico e de desespero, a Argentina flerta com a ultradireita e o discurso radical contra políticos tradicionais e corre o risco de se isolar na América do Sul. A eventual vitória do candidato de extrema-direita Javier Milei, com suas propostas controversas para salvar a economia, inclusive ameaça de rompimento comercial com o Brasil, tende a deixar o país com poucos parceiros na região. Sua eleição, no entanto, é vista como boia de salvação por direitistas na estratégia de retomar o protagonismo regional.
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Há quatro anos, a direita era maioria, comandava dez países sul-americanos, inclusive o Brasil, com Jair Bolsonaro. Agora, governa apenas três: Paraguai, Uruguai e Equador. De lá para cá, uma espécie de “onda rosa” avançou sobre o Brasil, o Chile e a Colômbia, com a eleição de candidatos com perfil de esquerda e centro-esquerda, que agora presidem nove nações na região. Em 2019, estavam à frente apenas na Bolívia e na Venezuela, com seu regime autoritário.
Veja como a região estava em 2019 e como está agora no mapa interativo:
Torcida bolsonarista
O interesse do Brasil no assunto é grande. Nesta semana um grupo de 69 deputados aliados de Bolsonaro enviou uma carta a Milei, defendendo sua eleição como sinal de “esperança” e “renovação” da direita. Poucos dias atrás, o ex-presidente brasileiro fez o mesmo. “Estou torcendo muito por você”, disse ele ao colega argentino em um vídeo. “Não podemos continuar com a esquerda”, acrescentou.
Durante as eleições primárias, em agosto, Javier Milei, da coalizão La Libertad Avanza, destacou-se ao aparecer em primeiro lugar, seguido por Patricia Bullrich, do partido Juntos por el Cambio, e Sérgio Massa, do Unión pela Pátria, ministro da Economia e candidato do atual presidente, Alberto Fernández.
Para vencer no primeiro turno, é preciso ter mais de 45% dos votos ou 40% dos votos com uma diferença de dez pontos percentuais em relação ao segundo concorrente. Caso nenhum deles alcance essa marca, os argentinos voltarão às urnas no dia 19 de novembro.
A grande expectativa do eleitorado argentino é se o novo governo presidencial será capaz de superar a crise econômica. A economia é o tema que mais se destaca nos debates e nas propostas de governo dos candidatos à presidência. No último dia 13, o Banco Central do país decidiu aumentar novamente a taxa de juros, que ficou em 133% ao ano. Durante o mês de setembro, a inflação atingiu 138,3% ao ano, mês em que os preços subiram 12,7%, segundo o Instituto Nacional de Estatística.
Ao longo de outubro, o dólar blue, uma das principais referências para a moeda americana no país, disparou, atingindo a marca de $ 1.000 pesos argentinos, em meio à aproximação do período eleitoral.
Inflação nas alturas
Em setembro, o índice de inflação mensal da Argentina foi o mais alto do ano, o dobro do registrado em janeiro, de 6%. Os segmentos que apresentaram os maiores acréscimos foram o de vestuário e calçados, com aumento da inflação de 15,7%, seguido por lazer e cultura, com uma elevação de 15,1%, e alimentos e bebidas não alcoólicas, que registraram alta de 14,3%. No acumulado do ano até setembro, foi observado um crescimento significativo de 103,2%.
A inflação no país é uma das mais elevadas do mundo, com aumentos generalizados do preço, chegando a 12% depois de o governo desvalorizar cerca de 20% do peso. Ainda sim, o Banco Central afirmou que a inflação sofreria uma desaceleração neste mês.
“Os indicadores de alta frequência continuam refletindo uma desaceleração do ritmo de aumento do nível geral de preços desde o pico da terceira semana de agosto, e sugerem que a inflação mensal mostraria uma desaceleração significativa em outubro”, destacou, em nota, o Banco Central do país.
Na corrida eleitoral, Javier Milei, enfatiza sua postura rígida em relação ao tema econômico. Ele reiterou seu modelo econômico em diversas ocasiões: dolarização da economia, contenção de despesas públicas, expansão das privatizações e o fechamento do Banco Central.
“Jamais em pesos, jamais em pesos. O peso é a moeda emitida pelo político argentino, portanto não pode valer nem excremento, porque esses lixos não servem nem para adubo”, declarou o candidato em entrevista à Rádio Mitre.
O postulante à Casa Rosada já apareceu diversas vezes em público empunhando uma motosserra, com a qual, simbolicamente, promete cortar radicalmente despesas do governo, eliminar programas sociais e “romper com o status quo”.
Campanha afunilada
Com 30,2% dos votos, Milei foi o vencedor em agosto das Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), uma espécie de prévia que define os presidenciáveis. O candidato de extrema-direita aparece na primeira colocação em 11 de 12 pesquisas realizadas até 11 de outubro, compiladas pelo jornal La Nación. A vantagem, contudo, é pequena. Daí a incerteza. A disputa está afunilada entre os três primeiros colocados.
Candidato da situação, o atual ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, expressa preocupação de que as ações de Milei possam prejudicar o futuro do país, temendo desafios semelhantes aos vistos por nações que adotaram a dolarização, como Zimbábue, Equador e El Salvador. Apesar de Massa estar ganhando terreno nas pesquisas, sua maior dificuldade reside em se dissociar da gestão de Alberto Fernández.
“Obviamente, se sai de uma crise com equilíbrio fiscal e acumulação de reservas, mas não rifando nossa moeda e colocando outra bandeira no Banco Central”, afirmou Massa durante o primeiro debate presidencial.
A extinção do Banco Central e o distanciamento comercial do Brasil são duas das propostas do candidato de ultradireita, e preocupam o governo brasileiro. “É natural que eu esteja (preocupado). Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um… Porque em geral nas relações internacionais você não ideologiza a relação”, disse Haddad em entrevista à agência Reuters.
Nome que pode ser decisivo em uma eventual disputa em segundo turno entre Milei e Massa, Patricia Bullrich tem caído nas pesquisas e geralmente figura em terceiro lugar. Ex-ministra do ex-presidente Mauricio Macri, Patricia afirma ter soluções superiores aos seus concorrentes, mas nunca esmiuçou suas propostas para conter a inflação no país, por exemplo. Ex-guerrilheira e ex-peronista, a agora candidata da direita moderada responsabiliza Sergio Massa pela atual situação econômica da Argentina.
Intolerância e ódio
De acordo com Bruno Catini, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Melbourne, na Austrália, a polarização política que a Argentina e o Brasil vivenciaram nos últimos anos culminou no aumento da violência política, de crimes, discursos de ódio e episódios de intolerância. Destacando-se os episódios de violência política, como os atentados contra a ex-vereadora Marielle Franco e o então presidenciável Jair Bolsonaro em 2018, bem como a tentativa de assassinato contra a vice-presidente Cristina Kirchner ocorrida em Buenos Aires no ano passado.
Na análise do especialista, a descredibilização da política no país, originada pela condenação de Cristina Kirchner por corrupção no passado, também é um terreno fértil para o surgimento de políticos com discursos populistas e discursos agressivos contra a política institucional, como Javier Milei.
“Há uma evidente associação entre as esquerdas brasileiras e o peronismo argentino, assim como entre o bolsonarismo e a agenda representada por Javier Milei. Essa correspondência estimula o interesse da população brasileira pela eleição no país vizinho, o que deve aumentar com a proximidade do pleito e no decorrer de um provável segundo turno.”
Jogo de forças
Ao abordar os impactos do resultado eleitoral do país, o mestre em relações internacionais ressalta a importância da Argentina para a América. A definição de um novo presidente pode modificar o equilíbrio de poder no continente, afetando a economia e a diplomacia regional, uma vez que todos os candidatos possuem diferentes vieses de política econômica.
“Uma possível vitória de Javier Milei, em particular, teria implicações mais profundas para a América do Sul, onde nove dos 12 países são atualmente liderados por governos progressistas ou de esquerda. A ascensão de um político com o perfil direitista de Milei, alinhado abertamente a Donald Trump e Jair Bolsonaro, afastaria as expectativas por uma nova “onda rosa” no continente”. (…) Mais que um desvio de rota na política argentina, sua vitória também poderia impulsionar movimentos similares em países próximos, como no Chile”, afirmou Bruno.
Catini afirma que, mesmo com a vitória de Javier Milei, o Brasil é um parceiro comercial estratégico da Argentina, com destaque para o setor automotivo, a indústria do turismo e a exportação de produtos agrícolas. Os planos eleitorais do candidato, que alega que não negociará com o governo Lula, dificilmente irão se sobrepor aos interesses de empresários e dos setores industriais e exportadores representados no Congresso.
“A saída da Argentina do Mercosul, por exemplo, exigiria a aprovação de maioria absoluta do parlamento, sendo mais provável o avanço de reformas estruturais do bloco do que um presidente conseguir os votos suficientes. Ainda assim, mesmo uma vitória eleitoral de Milei já constituiria um empecilho para as ambições do governo Lula de promover a integração regional na América do Sul”, acrescentou Bruno.
Sergio Massa esteve recentemente em Brasília, onde se encontrou com o presidente Lula. Embora não peça votos, o presidente brasileiro autorizou o uso de sua imagem em um vídeo que o candidato da situação publicou nas redes sociais.
Veja o vídeo de Massa com Lula:
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Abaixo, o vídeo de apoio de Bolsonaro a Milei:
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