Após a divulgação de uma nota conjunta assinada por várias entidades, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) fez um apelo ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) pela preservação da liberdade de imprensa, em repúdio à condenação da jornalista catarinense Schirlei Alves.
Em nota encaminhada nessa sexta-feira (17) a Barroso, o presidente da entidade, Octávio Costa, afirma que a recente decisão da juíza Andrea Cristina, que condenou Schirlei a um ano de prisão e ao pagamento de indenização no valor de R$ 400 mil por danos morais, não atinge apenas a profissional. “É uma ameaça e intimidação a todas e todos os jornalistas, algo inaceitável no Estado Democrático de Direito. Esperamos a pronta e ágil reforma dessa decisão e as devidas providências do Judiciário para por fim a esse contexto de hostilidade e violência aos jornalistas em geral”, defendeu Octávio.
Segundo a ABI, o episódio se insere no contexto de hostilidade e violência a jornalistas e comunicadores alvos de processos judiciais abusivos e intimidatórios. Situação que já havia sido relatada pela entidade a Barroso durante encontro em outubro. De acordo com a associação, na ocasião, o presidente do Supremo afirmou que o jornalismo não pode ser acuado, sob pena de não cumprir o seu propósito de divulgar informações de interesse público.
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Schirlei foi condenada em primeira instância pela magistrada de Santa Catarina a indenizar o juiz Rudson Marcos e o promotor Thiago Carriço, que atuaram no caso Mariana Ferrer. Tanto o promotor como o juiz processaram a jornalista por danos morais depois de Schirlei revelar detalhes da participação deles em uma audiência contra o empresário André de Camargo Aranha, acusado na ocasião de ter estuprado a estudante. A vítima foi destratada durante audiência pelo advogado do réu, na presença do juiz e do promotor.
A defesa do empresário recorreu a fotos sensuais de Mariana – algumas chamadas por ele de “ginecológicas” – para questionar a acusação de estupro contra o seu cliente. O promotor pediu a absolvição do réu, recomendação aceita pelo juiz.
Os detalhes do caso foram divulgados por Schirlei em reportagem do site The Intercept Brasil. O advogado do veículo e da jornalista, Rafael Fagundes, afirmou que vai recorrer da decisão. Na oportunidade, o veículo usou a expressão “estupro culposo” (sem intenção) para se referir à tese da Promotoria. O termo, empregado na reportagem, não foi utilizado no processo. No mesmo dia, porém, o site incluiu uma nota aos leitores em que esclarecia que a expressão foi usada “para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo”.
PublicidadeQuestionado pela coluna Painel da Folha de S.Paulo sobre o assunto, Luis Roberto Barroso afirmou que o Supremo sempre atuará na defesa da liberdade de expressão. “Não sou comentarista de decisões de outros órgãos judiciais, que atuam com independência. Porém, no sistema judicial, existem muitos recursos e mecanismos para remediar eventuais erros judiciários, se e quando eles ocorrerem. E, em matéria de liberdade de expressão, em última instância, sempre haverá o Supremo”, disse Barroso.
Veja a íntegra da carta da ABI ao presidente do Supremo:
“Exmo. Sr. Presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF)
MD Ministro Luís Roberto Barroso
Prezado Ministro,
Relembrando o encontro em que V. Ex.a gentilmente recebeu onze entidades de defesa da Liberdade de Imprensa, em 16 de outubro pp, quando relatamos o contexto de hostilidade e violência ao quais jornalistas e comunicadores são alvos em processos judiciais abusivos e intimidatórios, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entende necessário alertá-lo sobre o caso específico da jornalista Schirlei Alves, repórter do Intercept Brasil, nos processos 5041519-20.2021.8.24.0023 e 5002530-59.2021.8.24.0082, em tramitação na 5a Vara Criminal de Florianópolis (SC).
Nesses dois autos, a jornalista foi condenada pela juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer a um ano de prisão em regime aberto e ao pagamento de R$ 200 mil, em indenizações, respectivamente ao juiz Rudson Marcos e ao promotor Thiago Carriço de Oliveira, ambos de Santa Catarina.
A condenação da jornalista a um ano de prisão, ainda que em regime aberto, e a uma multa próxima de 300 salários mínimos, encaixam-se no “contexto de hostilidade e violência a jornalistas e comunicadores alvos de processos judiciais abusivos e intimidatórios” tal como nós o alertamos no encontro de 16 de outubro, na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Essas sentenças, exaradas pela juíza Andrea Cristina por suposto crime de difamação a funcionários públicos, confirmam, no entendimento da ABI, todo o assédio judicial a que estão submetidos jornalistas e comunicadores, notadamente em ações movidas por membros do Judiciário, como no caso em tela.
Em processo que estranhamente corre em segredo de justiça contrariando a regra geral de transparência, Schirlei está sendo punida por ter denunciado em 2020 humilhações sofridas pela influenciadora digital Mariana (Mari) Ferrer, vítima de estupro em 2018, em audiência judicial que terminou por inocentar o agressor da influenciadora.
Humilhações essas praticadas pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, na presença do juiz Marcos e do promotor Carriço, na sala de audiência da 3a Vara Criminal de Florianópolis, em uma das sessões do julgamento do empresário André de Camargo Aranha que, acusado pelo estupro, acabou absolvido.
Surpreendentemente, a reportagem sobre as injúrias à vítima na audiência judicial – que segundo a juíza humilhou seu colega magistrado e o promotor e justificou a condenação da repórter Schirlei – teve efeito diverso no Legislativo e no Conselho Nacional de Justiça.
A partir da publicação, o Congresso Nacional aprovou a Lei Mariana Ferrer (Lei 14.248 de 11/21) visando coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo de crime contra a dignidade sexual.
Já o CNJ, em sessão na última quarta-feira (14/11), na 17a Sessão Ordinária de 2023, aprovou, por unanimidade, a aplicação da pena de advertência ao magistrado Rudson Marcos, por omissão no julgamento de ação penal que tratava de suposto crime de estupro de vulnerável.
E por permitir e perpetuar a humilhação de Mari Ferrer na sala de audiências. Para a conselheira Salise Sanchotene, relatora do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o magistrado não exerceu o controle necessário na audiência e tampouco repreendeu o advogado: “O magistrado tinha o dever legal de impedir os abusos, evitando assim a revitimização da jovem envolvida no caso”, afirmou.
A ABI entende que a promulgação da lei assim como a recente advertência ao magistrado, evidenciam o acerto do trabalho de Schirlei e sua efetiva função social ao noticiar informações de relevante interesse público.
Ao mesmo tempo, diante da injusta, desproporcional e nitidamente corporativa sentença da juíza Andrea Cristina, a ABI recorre a V. Ex.a por entender que esse caso insere-se entre aqueles que o senhor, na conversa com as entidades, advertiu que não podem ser admitidos, qual seja, casos em que o jornalismo é acuado e por isso corre o risco de não conseguir cumprir o seu propósito de divulgar informações de interesse público.
A ABI alerta que a sentença da juíza Andrea Cristina não atinge apenas a nossa colega Schirlei Alves. É uma ameaça e intimidação a todas e todos os jornalistas, algo inaceitável no Estado Democrático de Direito. Esperamos a pronta e ágil reforma dessa decisão e as devidas providências do Judiciário para por fim a esse contexto de hostilidade e violência aos jornalistas em geral.
Certos da sua compreensão colocamo-nos ao inteiro dispor para quaisquer esclarecimento.
Atenciosamente
Octávio Costa
Presidente da ABI”
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