2021 não foi fácil para o presidente Jair Bolsonaro, que viu uma série de aliados abandonarem o barco e partirem para a oposição durante o ano.
Manifestações daqueles que o ajudaram a se eleger, resistência das Forças Armadas em se alinhar politicamente ao governo, conversas comprometedoras vazadas, investigações na CPI da Covid, denúncias de prevaricação e até mesmo acusações de que fraquejou ao não dar um golpe no sete de setembro – tudo passa na retrospectiva do ano presidencial neste 2021.
Relembre alguns dos nomes e grupos que cortaram relações com o Bolsonarismo ao longo dos últimos doze meses.
Janeiro – As manifestações organizadas pelo MBL e o Vem Pra Rua
Embora já mostrassem sinais de descontentamento com o governo Jair Bolsonaro desde 2019, o Movimento Brasil Livre (MBL) ainda não havia se mostrado totalmente contra a gestão atual até janeiro deste ano. Se até então a maioria dos atos contra o presidente eram organizados pela esquerda, o MBL, juntamente com o Vem pra Rua, começaram os atos da direita contra o chefe do executivo logo em janeiro.
Atuando conjuntamente em 2016, os dois movimentos puxaram os protestos que levaram à deposição da ex-presidente Dilma Roussef (PT). Em entrevista ao Congresso em Foco, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos fundadores do MBL, afirmou ver motivos mais graves para o impeachment de Bolsonaro do que os que levaram à queda de Dilma.
No entanto, durante o ano, as manifestações da direita não tiveram a adesão esperadas pelos organizadores. Embora tivessem o interesse comum de se opor ao governo, partidos como o PT e o Psol não compareceram aos movimentos. Por fim, já em novembro, Kataguiri afirmou que as manifestações não faziam mais parte da agenda do MBL no curto e médio prazo, por entender que não havia mais clima para mobilização.
Fevereiro – A intromissão na Petrobras
Pressionado pela possível insurgência de uma nova greve dos caminhoneiros — inconformados com os sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis — Bolsonaro partiu para o ataque ao presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Na sua tradicional live realizada semanalmente às quintas-feiras, o presidente ameaçou: “Não posso interferir e nem iria interferir (na empresa). Se bem que alguma coisa vai acontecer na Petrobrás nos próximos dias, tem de mudar alguma coisa”.
Congressistas ligados ao setor energético e ex-ministros de Minas e Energia reagiram negativamente à fala, vendo como “intromissão” do presidente na estatal. As declarações reverberaram como uma ameaça à independência da empresa, que perdeu R$ 28,2 bilhões em valor de mercado em apenas um dia.
Pouco depois, Bolsonaro anunciou a substituição de Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna.
Em entrevista ao Estadão, em outubro, Castello Branco abriu o jogo e afirmou ter sido alvo de “mentiras absurdas” e “ataques das milícias digitais” por não ter atendido a pedidos de reduções dos preços dos combustíveis; e que Bolsonaro se achava o dono da Petrobras.
Março – Os chefes das Forças Armadas entregam os cargos
Bolsonaro começou a segunda-feira, 29 de março, com uma ampla reforma para trocar o comando de seis ministérios: Relações Exteriores, Defesa, Justiça, Casa Civil, Secretaria de Governo e Advocacia-Geral da União. O então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, entregou o cargo após meses de desgastes na relação com o presidente, que cobrava do ministro alinhamento político das Forças Armadas ao seu governo.
Em reunião com Braga Netto, que saiu da Casa Civil para o Ministério da Defesa, os comandantes do Exército, Edson Pujol, da Marinha, Ilques Barbosa Júnior, e da Aeronáutica, Antonio Carlos Moretti, renunciaram conjuntamente aos cargos, insatisfeitos com a saída de Azevedo e Silva e por concordarem que as Forças Armadas não deveriam se associar a qualquer governo.
No dia 9 de abril, Bolsonaro nomeou os novos chefes das instituições militares. No Diário Oficial da União (DOU), os antigos ocupantes dos cargos foram exonerados “ex officio” – utilizado quando o poder público não tem mais interesse nos serviços por eles prestados.
Fernando Azevedo será o diretor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a eleição.
Abril – A conversa divulgada por Jorge Kajuru
Após apresentar um mandado de segurança pela abertura da Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) da Covid-19, em abril, o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) revelou uma conversa que teve com Bolsonaro sobre o assunto. Em cerca de seis minutos, com vários momentos de desconfiança mútua, o presidente reclamou do fato da CPI só investigar as ações do governo federal e pressionou o senador para abrir processos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Kajuru, que agia para incluir governadores e prefeitos no escopo da investigação, reclamou de falas do presidente que o colocavam no mesmo “joio” que outros senadores. “Nós dois estamos afinados. CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final”, disse o presidente ao senador.
No entanto, após a divulgação da conversa, a relação entre os dois ruiu. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, acionou o Conselho de Ética do Senado com o argumento de que a gravação com o presidente teria sido ilegal. Em entrevista a rádio Joven Pan, dois dias depois do ocorrido, Kajuru afirmou que a relação estava rompida.
Junho – A denúncia dos irmãos Miranda
Se até então a CPI da Covid focava os esforços para apurar a existência de um “gabinete paralelo”, um grupo com conselheiros do presidente sobre a gestão da pandemia fora das diretrizes do Ministério da Saúde, tudo mudou nas últimas semanas de junho, com as denúncias de irregularidades na aquisição da vacina indiana Covaxin. A denúncia partiu do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e do irmão dele, Luis Ricado Miranda, servidor do Ministério.
O servidor afirmava ter sofrido “pressão anormal” para acelerar o envio da documentação para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mesmo estando incompleta, para pedir a importação do imunizante. Os irmãos levaram a denúncia até Bolsonaro, que garantiu que pediria para a Polícia Federal investigar.
Após as reportagens que denunciavam a possibilidade de um crime de prevaricação por parte do presidente, o então ministro da Secretaria-Geral do Governo, Onyx Lorenzoni, em tom de ameaça, anunciou que o governo iria solicitar que o deputado fosse investigado e que o servidor do ministério responderia a um processo administrativo-disciplinar.
Nas redes sociais, o deputado questionou Bolsonaro: “Sempre te defendi e essa é a recompensa?”.
Julho – O pedido de impeachment do partido Novo
Embora a diretriz do partido fosse a de fazer oposição ao governo desde março, o Novo se posicionou publicamente à favor da abertura do processo de impeachment de Bolsonaro em julho.
“Após detalhada análise técnica, consultas a juristas, discussões, e ampla reflexão sobre os fatos apresentados e consolidados pela CPI da Pandemia, o NOVO conclui de forma inequívoca que o presidente Jair Bolsonaro cometeu diversos crimes de responsabilidade previstos na Lei Federal nº 1.079/50”, dizia a nota do partido.
Agosto – O fim do apoio de José Luiz Datena
Em agosto, quando ainda estudava a possibilidade de ser candidato à presidência pelo PSL, o apresentador, José Luiz Datena, comentou a possibilidade de ser vice em uma chapa com Bolsonaro.
“Quanto a ser vice do Bolsonaro, é difícil encontrar alguma identificação direta, ele fica toda hora dizendo que não vai ter eleição. Como pode ser vice de alguém que diz que não vai ter eleição?”, questionou o apresentador em seu programa.
Próximo do presidente, ao ponto de atender ligações do chefe do executivo ao vivo em seu programa, Datena afirmou ao UOL que não era amigo de Bolsonaro. Segundo o apresentador: “ele [Bolsonaro] me passava mensagens, às vezes de madrugada. Hoje eu não tenho afinidade e nem troco mensagens e nem converso com ele. Ele seguiu o caminho dele e eu segui o meu caminho. Nem como fonte [jornalística] eu falo com o presidente”.
Em novembro, Datena decidiu deixar o PSL e filiou-se ao PSD. Após ser convidado pelo presidente da sigla, Gilberto Kassab, o apresentador deverá concorrer a uma vaga ao Senado nas eleições de 2022.
Setembro – O luto de Alberto Fraga
Amigo de Bolsonaro há 40 anos, o ex-deputado Alberto Fraga (DEM) se afastou do presidente após o falecimento da esposa, Mirta, em maio deste ano. Em entrevista ao jornal Estadão, em setembro, Fraga afirmou que a vacina era um dos pontos em que mais discordava do chefe do executivo.
“Eu disse algumas vezes que a economia se recuperava. As vidas não. Isso fez com que, em diversas situações, eu fosse me decepcionando com algumas posturas. Eu não consigo entender essa falta de sensibilidade do presidente com relação à morte das pessoas”, afirmou o ex-deputado.
Fraga evitou dizer que rompeu com Bolsonaro, mas confirmou que se afastou do presidente, até o bloqueando no WhatsApp. Fraga não culpa o presidente pela morte da esposa, mas o posicionamento não é compartilhado por outros membros da família, como o filho mais novo.
Outubro – A carta de Roberto Jefferson
Preso desde o dia 13 de agosto, o ex-deputado e ex-presidente do PTB, Roberto Jefferson, escreveu uma carta onde afirmou que Bolsonaro se viciou em dinheiro público ao se aproximar de políticos como Ciro Nogueira, hoje ministro da Casa Civil e mandachuva do PP, e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL. Bolsonaro se filiou ao segundo partido no mês seguinte.
Acusado de atuar em milícias digitais na promoção de ataque às instituições democráticas e às eleições, Jefferson afirmou que Bolsonaro “fraquejou” ao não aplicar um golpe no sete de setembro. “Todo o povo saiu às ruas para dizer, eu autorizo, não havia volta, não havia transigência com as velhas práticas. Mas por algum motivo, Bolsonaro fraquejou. Não teve como seguir”, escreveu na carta.
O ex-deputado, que está preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, escreveu que o PTB teria uma candidatura própria para concorrer à presidência em 2022 e sugeriu que o convite fosse feito ao vice-presidente, Hamilton Mourão. “Vamos convidar o Mourão. O PTB terá candidatura própria, quem sabe apoiamos o Bolsonaro no segundo turno”. Por fim, afirmou que “quem souber percorrer a terceira via, vencerá a eleição.”
Dezembro – O fim da trégua com Ronaldo Caiado
Aliados nas eleições de 2018, Bolsonaro perdeu o apoio do governador de Góias, Ronaldo Caiado (DEM), logo no começo da pandemia. Médico, Caiado rompeu as relações com o presidente quando este afirmou que a Covid-19 era apenas uma “gripezinha”.
No entanto, passados cinco meses, Caiado e Bolsonaro se reaproximaram, com o governador proferindo elogios ao chefe do Executivo e classificando o presidente como “simples, corajoso e determinado”.
Nos últimos meses, a relação de Bolsonaro com os governadores não anda das melhores, com o presidente se eximindo de culpa e atribuindo a alta dos combustíveis unicamente ao ICMS estadual, afirmando que os governadores haviam aumentado o imposto. Em agosto, Caiado foi ao Twitter rebater a afirmação do presidente e afirmou que o imposto não havia sido alterado.
Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, no começo deste mês, Bolsonaro voltou a atacar o goiano: “Tem um governador de Goiás aí que falou que eu estava mentindo porque o percentual não tinha variado. Mentiroso é ele!”.