Milton Seligman *
O fato mais importante e mais dramático ocorrido no Brasil na última sexta-feira, dia 24 de abril, foi a notícia de mais de 350 óbitos causados pela pandemia da Covid-19, elevando o número de brasileiros mortos, por essa causa, para 3.670 vítimas. Infelizmente, nada indica que essa aflição esteja terminando.
Em paralelo ao sofrimento causado por essa pandemia, e como se não bastassem os inúmeros desafios que ela traz consigo, o presidente Jair Bolsonaro cria uma crise política atrás da outra.
É importante que se diga, em alto e bom som: essas crises políticas nada têm a ver com o enfrentamento dos desafios de saúde pública e o combate à pobreza, que deve ser a nossa prioridade.
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O presidente perdeu o foco? O Poder Executivo não tem a dimensão do problema no qual o mundo, e o Brasil não é diferente, está mergulhado? Impossível. Os veículos de comunicação – todos eles – têm informado corretamente e com adequada profundidade sobre a dimensão do que estamos passando. Então, do que se trata?
Só tenho uma palavra para descrever o que vejo: egoísmo, o mais sórdido vício de quem somente pensa em si e na sua família, com vistas a manter um poder tão inútil como sem função.
PublicidadeJustifico.
Sei que é desnecessário mencionar, pois quem me lê sabe disso, mas essa crise fará aumentar todos os tipos de pobreza em nosso país. O Estado, como grande provedor de serviços, tem a missão de minimizar esses sofrimentos e políticas públicas devem ser corretamente desenhadas para alcançar quem realmente necessita.
Ao lado do enfrentamento da saúde pública e pela mesma causa-raiz, estamos vivendo uma das piores crises sociais de nossa história. O isolamento social – medida paliativa essencial para o tratar da saúde pública – causa problemas desiguais, terríveis para famílias que vivem em situação vulnerável.
Já temos situações de pobreza extrema. A fome volta a alcançar alguns lares, onde crianças sem aulas e sem merenda escolar precisam ser alimentadas, educadas e distraídas. A violência doméstica aumenta em meio ao natural stress causado pelo medo e pela insegurança. Olhos buscam misericórdia e compaixão de uma minoria muito privilegiada que enfrenta a crise com condições.
Felizmente, tem surgido de muitos pontos esse comprometimento, esse foco e esse espírito. O aumento da filantropia no Brasil tem batido todos os recordes, como informa a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que acompanha a colaboração de empresas e pessoas físicas do Brasil.
Governos estaduais e municipais – inúmeros deles, de diferentes e antagônicos partidos e em todas as regiões – têm dado exemplos belíssimos de superação de dificuldades políticas, financeiras e técnicas para manter o foco no atendimento das pessoas e na ajuda para aliviar o sofrimento.
Os governos regionais e locais têm implementado sistemas de logística para atender os mais vulneráveis, realizados estudos para estabelecer protocolos que permitam retomadas parciais e específicas das atividades econômicas e da vida social e garantido que a lei siga sendo cumprida. Eles correm os riscos naturais desses processos, lutam para evitar escândalos de corrupção – que infelizmente sempre se fazem presentes – e trabalham contra os atrasos e inconsistências nas ajudas prestadas. Um trabalho emocionante, mas que infelizmente é desigual, como tudo em nosso país. Tem regiões onde o desamparo é imenso.
As próprias instituições da República, como as lideranças do Congresso Nacional e o Poder Judiciário, estão focadas no enfrentamento da crise, tratando de desamarrar entraves e de encontrar fontes de financiamento para fazer frente aos desafios.
Quem destoa é a Presidência da República. Não é uma questão ideológica, não há como desculpar e nem tampouco imaginar que essa alienação possa ser superada. Não há qualquer sinal de empatia para com o sofrimento das pessoas. Nenhuma solidariedade com as famílias enlutadas. Não há qualquer gesto de humanidade.
Os exemplos são muitos. Começam com a negação da dimensão da crise, passam pela tentativa de desmerecer as orientações da Organização Mundial da Saúde, chegam na ridícula tentativa de prescrever medicamentos para a doença, contra os protocolos da ciência médica, alcançam o desatino de brigar com nosso principal parceiro comercial, com vários governadores de estado, prefeitos, e por fim com o presidente da Câmara dos Deputados e com o Supremo Tribunal Federal.
Parecia que o desenho do espetáculo de horror estava completo, mas não estava. Faltava a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um político formado em medicina e a crise provocada pela tentativa de interferir na atuação da Polícia Federal – órgão de estado e não de governo – que levou à demissão do então ministro da Justiça, Sergio Moro.
Isso não vai terminar por aí. Certamente teremos desdobramentos, por conta de tantas aparentes ilegalidades cometidas nesse último ato. Teremos mais distração, mais perda de foco e de energia para encarar o verdadeiro problema.
Muitos falam em impeachment e outros sugerem renúncia. Não sei como será o desfecho e nem sei se haverá algum desfecho, mas o que sei e me parece inegável é que o presidente adotou para o seu governo um lema mentiroso. Brasil acima de tudo nunca foi seu propósito. Para o senhor Bolsonaro, acima de tudo está o seu futuro político e a blindagem de sua família.
Não deixo de me lembrar do Capitão Nascimento, personagem do filme Tropa de Elite, e suas palavras marcantes:
Pede pra sair, 00!
* Milton Seligman é professor do Insper, global fellow do Woodrow Wilson Center’s Brazil Instituto e ex-ministro da Justiça. Este artigo foi publicado originalmente no portal jurídico Jota.
Mas “espie”….um ex-ministro da Justiça de carreira meteórica de 48 (QUARENTA E OITO) dias no posto durante o 2º mandato de FHC !!! Um “felômeno” que BOTARAM PRÁ SAIR !!!! Se fosse esse “bostético” tiraria o exercício de ministro do currículo a incompetência delustraria qualquer biografia !