Desde sua visita à sede da ONG Redes da Maré, no último dia 13, na comunidade de mesmo nome no Rio de Janeiro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, passou a sofrer acusações constantes de parlamentares da oposição, que alegam que a entrada de sua comitiva no complexo seria impossível sem antes negociar com as facções criminosas presentes na região. Uma das articuladoras, porém, conta que o objetivo do encontro foi justamente apresentar propostas e dados para auxiliar no aprimoramento da segurança pública local.
Liliane Santos, coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da organização, conta que a Redes da Maré atua há cerca de duas décadas junto ao poder público no Rio de Janeiro para garantir o acesso da população aos seus direitos, como por meio do fornecimento de vacinas e de educação. Parte de sua atuação consiste em acompanhar os dados sobre a violência na Maré para auxiliar os órgãos de segurança pública na tomada de decisões.
A coordenadora explica que o motivo do convite a Flávio Dino foi justamente para apresentar os dados colhidos e discutir propostas de aprimoramento da segurança na favela que hoje tem 140 mil habitantes. “A nossa pauta principal era expor que a segurança pública, enquanto direito constitucional, ainda não foi experimentada pelos moradores da Maré”, afirma.
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Mudança de metodologia
No encontro, os membros da organização apresentaram o relatório de dados que buscava demonstrar a importância da mudança de metodologia no combate ao crime organizado e no fornecimento de segurança nas favelas do Rio de Janeiro. “Na nossa concepção, as operações policiais como estão consolidadas atualmente, não têm efetividade a longo prazo. Há muitos anos a polícia usa a mesma metodologia de trabalho com a justificativa de enfraquecer as facções sem entregar resultados concretos”, resumiu.
Liliane ainda ressalta que Flávio Dino não é o primeiro político a ter sido recebido na sede da ONG para tratar da segurança pública na Maré. “Nós participamos de conselhos de direitos humanos e de conselhos de segurança pública para apresentar as demandas e propostas dos moradores das favelas do Rio de Janeiro. A Rede tem 20 anos. Já tivemos a presença de outras autoridades, inclusive representantes do poder público que vinham dialogar sobre a situação da segurança, que é preocupante”, relatou.
A coordenadora conta que a segurança pública não é a única área de parceria com o poder público. A ONG também mantém contato constante com universidades para elaboração de projetos em conjunto, além de montar aparato de apoio à população para complementar a ação do poder público e projetos de acesso e produção cultural.
O encontro com Dino, de acordo com a coordenadora, serviu para iniciar a construção de uma ponte com o governo federal. Sua principal pauta é a adequação da conduta dos policiais que entram na Maré aos preceitos constitucionais, de modo a não expor os moradores a um fogo cruzado entre as forças de segurança e as facções criminosas.
Fora do alcance do crime
Ao participar de audiência na Câmara dos Deputados, no fim de março, Dino foi questionado por diversos parlamentares sobre como entrou na Maré sem pedir permissão das facções criminosas que competem pelo controle territorial de parte do complexo. Liliane conta que isso não seria necessário para o encontro: a sede da organização fica fora das zonas de conflito.
“O local onde ele fez a agenda com os coletivos das favelas fica logo na entrada da rua Teixeira Ribeiro, que é uma rua de grande circulação e a 50 metros da Avenida Brasil. Ele [Dino] não chegou nem a adentrar de fato ou circular no território da Maré”, descreveu. A sede também fica a poucos metros do quartel do 22º Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro, que foi avisado com antecedência sobre a visita do ministro.
Desconhecimento da realidade
Na avaliação de Liliane, o retrato descrito pelos parlamentares da Comissão de Segurança Pública durante a audiência com Flávio Dino sobre uma comunidade da Maré inteiramente tomada pelo crime organizado se deve a desconhecimento da realidade da região. “Vivemos quatro anos sem nenhum tipo de diálogo estabelecido com o poder público, especialmente com o fim e a invalidação dos espaços de participação popular”, relembrou.
Os gestores federais e estaduais anteriores a Jair Bolsonaro e Wilson Witzel, eleitos em 2018, estabeleceram conselhos locais para consultar a população da Maré e das demais favelas fluminenses. Esse aparato, porém, foi desmontado ao longo dos últimos anos tanto a nível federal quanto estadual, o que acabou cortando grande parte do contato entre o poder público e a população. Esse fenômeno se agravou com a postura adotada pelo governo anterior ao tratar de periferias.
“Existe uma perspectiva de não participação da população das favelas, muito por esse processo de dominação de autoridades que acreditam que somente elas sabem o que é melhor para o país. Essas autoridades não conseguem compreender quando um outro governo, com uma outra proposta, tenta fazer esses movimentos de aproximação e diálogo com a população”, conta.
A coordenadora, com mestrado em segurança pública pela Universidade Federal Fluminense, também chama atenção para um estigma imposto sobre as periferias. “Estamos sempre sujeitos a um pensamento de que tudo que vem da favela está ligado a facções criminosas. Isso não é verdade. Para nós, é muito danoso reduzir a imagem da Redes da Maré ou a própria comunidade a algum tipo de articulação criminosa que nunca aconteceu”.
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